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O jornalismo na comunicação em saúde

No documento Ética na Comunicação em Saúde (páginas 65-69)

2.Conduta ética em comunicação social na saúde

4. A saúde como notícia

4.2 O jornalismo na comunicação em saúde

Desde que a comunicação em saúde se tornou um campo de estudo dentro da área da comunicação nos anos 1970, o papel do jornalismo tem sido discutido. Este fato ocorre, principalmente, pelo aumento do interesse do público no tema no decorrer das últimas décadas. E se nos anos 1950 a comunicação em saúde era realizada pelos chamados “médicos- repórteres” (Azevedo, 2012), os quais, na maior parte do tempo, escreviam colunas em jornais impressos voltadas para colegas da área, mas que acabavam se tornando temas de interesse para o público, hoje em dia a população consumidora de informação pode encontrar o material de que precisa não apenas nos jornais, mas na televisão, no rádio e na internet. Material não só encontrado em espaços específicos - como colunas - e também não só escrito por profissionais da área, mas produzido por diversas pessoas, os próprios consumidores, inclusive, e em diversas plataformas.

Surge na década de 1980, então, o que Azevedo (2012) denomina “jornalismo de saúde”, área de atuação na qual os profissionais de comunicação social produzem notícias sobre saúde e bem-estar. Não é uma área de especialização, mas que requer conhecimento técnico e elevado dos jornalistas que ali trabalham. Quando mencionamos não ser uma área

de especialização assim o fazemos pelo fato de o jornalista não escrever para um público especializado, mas sobre um assunto especializado para um público leigo.

Mesmo com um papel considerado coadjuvante por várias décadas na comunicação em saúde, o jornalismo ainda é, muitas vezes, fonte de informação científica para muitas pessoas e, nesse sentido, é considerado um importante canal para comunicar a saúde (Azevedo, 2012). Além disso, é inegável a contribuição do jornalismo para manter no agendamento de informações relevantes para a população temas relacionados com a saúde pública e individual (Azevedo, 2012), alertar para riscos e comportamentos e reforçar processos de mudança. Esse papel secundário dado ao jornalismo em determinadas áreas da comunicação em saúde, principalmente no que se refere a campanhas de saúde pública, acontece devido a conotação estratégica de áreas como o marketing e a publicidade para influenciar comportamentos e atitudes individuais e coletivas. Como explica Azevedo, em algumas campanhas “(...) o jornalismo veio, na maioria das vezes, a reboque das acções de marketing e da publicidade. Nos últimos anos, novelas e programas de entretenimento têm servido como estratégia para promover a saúde, mais que o jornalismo” (Azevedo, 2012, p. 189).

Para alguns autores, o jornalismo possui características que podem não se adequar para colocá-lo em um papel principal na comunicação em saúde. Tais características em alguns momentos podem até ser consideradas “defeitos” ou “falhas” na transmissão da informação, como exemplo a falta de formação específica dos jornalistas para atuar na área da saúde. Nesses casos a falta de conhecimento aprofundado sobre determinado tema pode fazer com que o profissional fique subordinado à opinião de uma fonte ou utilize as fontes para corroborar um ponto de vista pré-elaborado que pode não conter a informação em sua totalidade. Como aborda Kuscinsky:

(...) os jornalistas em geral procuram os médicos ou as autoridades de saúde para legitimar uma ideia, uma concepção, um discurso que já está pré elaborado, procuram a legitimação científica ou a legitimação da autoridade: o chefe do hospital, o Secretário de Saúde. Esse é um dos motivos também pelos quais eles não ouvem os Movimentos Populares de Saúde, não ouvem os outros trabalhadores de saúde; não ouvem os enfermeiros, não ouvem os para-médicos, eles só buscam o médico renomado ou a autoridade e somente para legitimar algo que eles já resolveram dizer. (Kuscinsky, 2002, p. 96)

Além do problema com a escolha e determinação das fontes, Kuscinsky (2002) também refere as divergências na linguagem utilizada por médicos e demais profissionais da saúde e a utilizada pelos jornalistas para tornar a informação mais acessível ao público consumidor. “Os médicos e trabalhadores da área de saúde não se conformam com os erros cometidos pelos jornalistas, com o tipo de linguagem usada, generalista, superficial e repleta de equívocos” (Kuscinsky, 2002, p.97). Para Vasconcelos (2005) não cabe ao jornalista esse conceito de

“descodificador de vocabulário”, tarefa que compete aos que se especializam em determinada área, ao jornalista cabe a averiguação e a relevância da informação para a sociedade. Outra divergência que altera o papel do jornalismo é a característica persuasiva do marketing e da publicidade, que acabam por produzir efeitos no público em um menor espaço de tempo (Azevedo, 2012). Um terceiro aspecto que explica a marginalidade do jornalismo na comunicação em saúde é a falta de pensamento crítico por parte dos jornalistas na hora de informar sobre saúde. Tanto Azevedo (2012) quanto Kuscinsky (2002) e Vasconcelos (2005) apontam que o jornalismo não deve ter um papel apenas pedagógico, mas sim que faça o público pensar de forma crítica, é noticiar de maneira “crítico-informativa” (Kuscinsky, 2002, p. 97). Esses autores defendem que não é pilar do jornalismo uma atitude de docência, mas que “independentemente da sua vontade o público fará do resultado do seu trabalho material de aprendizagem” (Vasconcelos, 2005, p. 248).

Dificuldades enfrentadas pelo jornalismo na área da saúde também foram expostas pelos próprios jornalistas. Em 2003 os investigadores do campo da comunicação social, Anna Larsson, Andrew Oxman, Cheryl Carling e Jeph Herrin, realizaram um estudo12 com 700

jornalistas de 37 países, que atuavam na comunicação em saúde, para conhecer os obstáculos que impedem esses profissionais de melhorarem o valor informativo do seu trabalho. Ao final do estudo foram identificadas nove barreiras que prejudicavam ou impediam o avanço no jornalismo de saúde, das quais as consideradas “nucleares” foram: a falta de tempo (principalmente para jornalistas de rádio e televisão), falta de espaço e falta de conhecimento. Somam-se a esses problemas nucleares questões como a dificuldade de encontrar fontes fidedignas e independentes, linha editorial, terminologia, o comercialismo das notícias e a disputa por audiências. A dificuldade de atuar na área da saúde não está somente no trabalho do jornalista em si, mas também na complexidade dos temas abordados e muitas vezes na falta de fontes de informação aptas e disponíveis para falar. Vasconcelos (2005) ressalta essa barreira enfrentada pelos profissionais da comunicação social quando se deparam com cientistas como fontes e as linguagens encriptadas que utilizam.

12 Medical messages in the media - barriers and solutions to improving medical journalism disponível em

http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1046/j.1369-7625.2003.00228.x/epdf Acessado em 8 de fevereiro de 2016

No documento Ética na Comunicação em Saúde (páginas 65-69)