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SABERES CAMPONESES

O padrão do regime dominante da agricultura (regras, visões, tecnologias, valores, etc.) foi implementado no meio rural por meio de práticas extensionistas baseadas no difusionismo reducionista e homogenizador com objetivo de modernizar a agricultura, o que gerou uma desvalorização dos saberes tradicionais (CAPORAL, 2007c).

De fato, as tecnologias produzidas pela pesquisa sob controle experimental da ciência moderna provocaram mudanças nas relações entre instituições geradoras de conhecimentos científico e os/as agricultores/as “receptores” destes conhecimentos (COELHO, 2005). Portanto, diferenciações profissionais se estabeleceram: os que pesquisam, os que difundem e os que executam (DARRÉ, 1996). Assim, a ciência moderna como produtora de saberes que gera tecnologias comercializadas enquanto fazedoras de “milagres”, cria uma hierarquização dos saberes e, consequentemente, hierarquiza-se também o trabalho entre os desenhadores e executores cujo discurso científico se encontra superiorizado. Os/as agricultores/as se veem coagidos/as ao pacote tecnológico fechado e importado, cujo discurso nega os conhecimentos e saber-fazer dos/as agricultores/as assim como a formação e a constituição deles, além de reduzir o trabalho dos/as agricultores/as a uma visão simplista e uma dimensão física (DARRÉ, 1996; FREIRE, 1985). Existe uma diferença entre os discursos científicos e os dos/as agricultores/as: a lógica de produção, de cálculo e de controle dos processos prevalece sobre a lógica de “fazer com o que tem” (DARRÉ, 1996).

Darré (1996) traduz essa hierarquização como uma “dominação simbólica”, por produzir um sentimento de inferioridade dos/as agricultores/as que se sentem despojados dos seus conhecimentos. Para Caporal (2007c), existe um rompimento com os conhecimentos acumulados

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pelos/as agricultores/as, ao serem substituídos por um conjunto de poucas tecnologias genéricas formuladas nos centros de pesquisa e outras instituições oficiais.

No Brasil, de acordo com Caporal (2007f, 2007g), a partir dos anos 1960, a extensão rural, baseada na “Teoria da Difusão de Inovações” criada pelo estadunidense Everett M. Rogers, tem como objetivo romper com o dito “atraso” que estava associado a chamada “subcultura camponesa” e, portanto, provocar a modernização da agricultura. É importante ressaltar que a implementação desse modelo foi apoiado pelo Estado, por meio de políticas desenvolvimentistas e, em particular, da institucionalização do crédito rural (CAPORAL, 2007g). O Estado teve um papel determinante na implementação e no desenvolvimento de uma extensão rural difusionista.

Para ter uma ação extensionista considerada eficiente, a persuasão era o modo usado para convencer os/as agricultores/as de adotar inovações. A adoção dessas inovações era vista como meio de aumentar a produção e a produtividade. Esse período era chamado de Difusionismo ou de Produtivismo (CAPORAL, 2007f).

Para entender essas práticas extensionistas realizadas sob a “Teoria da Difusão de Inovações”, é importante enfatizar a definição de inovação empregada por Rogers, como foi feito igualmente por Caporal (2007g, p. 66): “as Inovações são ideias, práticas ou tecnologias introduzidas desde um sistema de conhecimento considerado superior”. Pode-se entender, por essa definição, o lugar do conhecimento científico, então considerado superior e, portanto, como as práticas extensionistas sob essa perspectiva geraram uma desqualificação e desvalorização dos conhecimentos populares que não tinham lugar nesse modelo (CAPORAL, 2007g).

Essa visão linear e reducionista da extensão rural brasileira era baseada nesse período, (e ainda hoje) em metodologia de transferência das informações e das tecnologias, ou seja, de uma comunicação de cima para baixo, de uma fonte a um receptor passivo, que caracteriza uma difusão unilinear e unidirecional (CAPORAL, 2007g, 2007b). Para isso, os agentes de extensão foram formados em escolas de Ciências Agrárias centradas em formar “profissionais da repetição e técnicos das receitas” segundo Caporal (2007c, p. 85), treinados então para repassar tecnologias. Em consequência, criou-se uma subordinação e uma dependência cada vez maior a essas tecnologias e aos conhecimentos associados do setor agrícola (CAPORAL, 2007b), que geralmente não eram adequados às condições locais de aplicação (CAPORAL; RAMOS, 2006).

Caporal e Ramos (2006) mostraram como esse tipo de extensão rural estava relacionado a um desenvolvimento urbano industrial que precisava de uma agricultura consumidora de serviços e produtos como as sementes melhoradas, as máquinas, e agrotóxicos por exemplo. Como foi enfatizado na parte anterior, uma vez mais, vê-se como essas tecnologias referentes à agricultura moderna estão ligadas aos valores do mercado e do progresso.

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Em 2006, Caporal e Ramos (2006) mostraram como os serviços são ainda pautados em velhas práticas difusionistas. Segundo os autores (CAPORAL; RAMOS, 2006, p. 15–16):

A prática cotidiana, da maioria dos extensionistas que passaram por esses cursos [formação sobre as metodologias participativas], continua sendo convencional, difusionista, não participativa e persuasiva. E mais, ainda se observa, em muitos lugares, uma enorme dificuldade de diálogo com os agricultores. Observa-se que há problemas na relação técnico e agricultor. Há uma postura do agente de Ater que dificulta o saber ouvir e compreender o que os agricultores pensam, sabem e desejam. Os extensionistas também têm dificuldade para transmitir suas informações técnicas, para usar uma linguagem que tenha significado para técnicos agricultores (CAPORAL; RAMOS, 2006, p. 15–16).

Esses tipos de ações extensionistas já foram criticadas por vários autores, como exemplo, Freire (1985) no Brasil e Darré (1996) na França. Ambos enfatizam como a difusão das inovações tecnológicas faz com que a atividade reflexiva dos/as agricultores/as e então os procedimentos criativos sejam diminuídos até bloqueados.

Em resumo, a extensão rural convencional se baseou (e ainda se baseia) em metodologias de comunicação unidirecional de persuasão escolhidas para que os/as agricultores/as adotassem as tecnologias inventadas a partir de conhecimentos considerados superiores elaborados nos centros de pesquisa. Nesse modelo difusionista reducionista e cartesiano, a natureza foi relegada com uma simples fonte de recursos a serem explorados nos objetivos de produtividade, criando essa desconexão entre a agricultura e a natureza. Os conhecimentos dos/as agricultores/as e seus processos de constituição foram desprezados, sendo símbolo de atraso. Portanto, a atividade de reflexão e de criatividade dos/as agricultores/as foram e são negados. No entanto, mesmo com uma nova orientação nas políticas de extensão rural, as velhas práticas se mantêm e se vê, cada vez mais, a necessidade de valorizar a capacidade criativa e de experimentações dos/as agricultores/as. Isso é possível mudando as bases teóricas do sistema agroalimentar atual tal como as orientações metodológicas. Esta é a potencialidade da Agroecologia, com diferentes bases epistemológicas, teóricas e metodológicas serão desenvolvidas no ponto a seguir.

2.5 AS BASES EPISTEMOLÓGICAS E OS PRINCÍPIOS DA AGROECOLOGIA EM