• Nenhum resultado encontrado

O modelo familiar no direito brasileiro pré-codificado

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 33-36)

1. A TRANSFORMAÇÃO HISTÓRICA NA ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO

1.3 O modelo familiar no direito brasileiro pré-codificado

Fundamentado na tradição romana e nos princípios da Igreja Católica, o direito civil português vigorava no Brasil antes do Código Civil de 1916. Mesmo com a independência ocorrida em 1822, o Brasil manteve em vigor as leis civis portuguesas, que imperaram, com alterações trazidas por algumas leis esparsas nacionais, até 1º de janeiro de 1917, quando então entrou em vigor o Código Civil de 1916.

Assim sendo, antes da entrada em vigor do nosso primeiro Código Civil, as leis civis brasileiras eram constituídas pelas Ordenações Filipinas, norteadas por diversas regras oriundas do direito romano, do direito canônico, de costumes ibero-lusitanos e por outras leis extravagantes.

No passado pré-industrial, a família e o trabalho se mostravam interligados, haja vista que cada família produzia a maior parte dos bens de que necessitava, e assumia,

neste aspecto, um caráter de unidade de produção. A grande-família era vista como uma comunidade fundada na homogeneidade das crenças e na divisão dos papéis de cada membro familiar, tendo como preocupação central a sobrevivência material, biológica e cultural do grupo.31

Como esclarece Jacqueline Filgueras Nogueira: “numa sociedade eminentemente patriarcal e de base rural, a família brasileira funcionava como unidade de produção: quanto mais numerosa a prole, mais força de trabalho e maiores condições de sobrevivência para a mesma. A família era um grupo extenso, onde o poder do chefe ia além da família nuclear (composta somente pelos pais e filhos), se estendendo também aos outros familiares: avós, tios, sobrinhos, etc..”32

O nosso direito anterior revelava, nessa medida, o caráter patriarcal e hierarquizado da família, centrada no matrimônio. Há que se considerar, por exemplo, que as Ordenações Filipinas distinguiam os filhos ilegítimos em naturais e espúrios.33 Os filhos naturais eram os que nasciam de pais não casados um com o outro, não havendo, todavia, um impedimento que os levasse para a classe dos espúrios. Por outro lado, os espúrios eram os filhos provindos da união entre homem e mulher que tinham entre si impedimento de parentesco (filhos incestuosos), impedimento resultante de investidura de ordens sacras maiores (filhos sacrílegos) ou impedimento de vínculo matrimonial (filhos de

adulterinos).34

31 Fachin, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Fabris, 1992, p.

24.

32 Nogueira, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico.

São Paulo: Memória Jurídica, p. 32.

33 Nas palavras de Lafayette Rodrigues Pereira, “legitimar a procriação da prole, envolvendo no véu do

Direito a relação física dos dois sexos é, certo, um dos principais intuitos do casamento; mas o fim capital, a razão de ser desta instituição, está nessa admirável identificação de duas existências, que se confundindo uma na outra correm os mesmo destinos, sofrem das mesmas dores e compartem, com igualdades, do quinhão de felicidade que a cada um cabe nas vicissitudes da vida.” (Direitos de família. 1. ed. Atual. conforme o novo Código Civil por Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2003, p. 48).

Ademais, no que concerne ao matrimônio, durante muitos anos os princípios do direito canônico representavam a fonte exclusiva do direito positivo correspondente. O casamento era um ato em que não estava prevista a intervenção do poder civil, o que fazia da Igreja Católica a única titular dos direitos de realização e controle da instituição matrimonial. Sob a influência do movimento cultural renascentista, em 1890, com o Decreto 181, ocorreu a instituição do casamento civil. É importante destacar, ainda, que este mesmo Decreto concedeu à viúva o direito de exercer o “pátrio poder”, desde que não contraísse novas núpcias, fato que representou, à época, uma enorme evolução.35

Por seu turno, o divórcio propriamente dito permaneceu não sendo admitido. Ao lado da possibilidade de dissolução do casamento pela morte de qualquer dos cônjuges e da nulidade ou anulação do matrimônio, era admitida apenas a separação de corpos (chamada de divórcio na acepção canônica - divortium quoad thorum et mensan), cujas causas eram o adultério, a sevícia ou injúria grave, o abandono voluntário do domicílio conjugal por dois anos contínuos, e o mútuo consentimento dos cônjuges, se fossem casados há mais de dois anos.36

A Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas, de 1958, punia os casamentos clandestinos e determinava que a prova dos casamentos se fizesse pelas certidões extraídas dos Livros Eclesiásticos, por qualquer outro instrumento público ou por duas testemunhas.

É esse, em suma, o panorama geral da estrutura jurídica da família antes da vigência do Código Civil de 1916. Com efeito, mesmo diante da gradativa desestruturação do sistema escravista de produção e da inserção dos imigrantes europeus em solo

35 Comel, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 25.

36 Cahali, Yussef Said. Divórcio e separação. 10. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São

brasileiro, trazendo novos hábitos e costumes, a família conservava o patriarcalismo conservador do direito das Ordenações.

Nessa linha de idéias, não se pode olvidar que os valores patrimoniais da família se sobressaíam na fase do liberalismo econômico reinante nos séculos XVIII e XIX. Vê-se na família matrimonializada, indissolúvel e hierarquizada uma forma de se resguardar o patrimônio acumulado pela burguesia dominante à época, evitando-se, com isso, que os bens fossem desviados para outras pessoas não pertencentes a essa classe econômica. Nessa dimensão, o marido, detentor do poder de direção, era responsável pela manutenção e progressão do patrimônio acumulado pela unidade de produção representada pela família.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 33-36)