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O modelo médico, o modelo social e o modelo biopsicossocial

Capítulo III – O Mercado do Turismo Acessível

3.3. O modelo médico, o modelo social e o modelo biopsicossocial

A sociedade em que vivemos tem experienciado uma mudança de paradigma no que concerne à forma de encarar a deficiência. O modelo que vigorou durante muito tempo foi o modelo médico, conhecido por encarar a deficiência como uma doença, que necessita de um acompanhamento médico contínuo (Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, 2006) e de esforços por parte de profissionais médicos no sentido de procurar encontrar

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uma possível cura para o efeito (Harris & Enfield, 2003). Assim sendo, de acordo com esta visão, a deficiência em si é encarada como um atributo intrínseco do próprio indivíduo, que é a causa da incapacidade. A partir daqui, fica claro desde já que é a pessoa com deficiência que se tem de adaptar ao meio que o rodeia (Organização Mundial de Saúde, 2011). Neste sentido, são apontadas críticas ao modelo médico. Em primeiro lugar, os profissionais médicos preocupam-se demasiado em procurar uma cura para uma doença, que, de facto, pode não existir, sujeitando desta forma o indivíduo a tratamentos geralmente dolorosos e que o privam da sua vida pessoal. Em segundo lugar, é o próprio indivíduo com incapacidade que se tem de adaptar ao meio que o rodeia (Kimberlin, 2009), um reflexo de uma sociedade preconceituosa.

Posteriormente, surgiu um segundo modelo, o denominado modelo social, que realça a influência negativa que a sociedade em geral exerce sobre o indivíduo com deficiência. Deste modo, a deficiência é encarada como um aspeto essencialmente político e social (OMS, 2011), visto que muitas das infraestruturas, transportes e outros serviços públicos não estão devidamente preparados para atender as necessidades deste segmento populacional. Fala-se, portanto, da existência de barreiras de natureza diversa que restringem ou dificultam a participação ativa das pessoas com deficiência na sociedade.

Assim, a causa para a incapacidade reside no próprio ambiente que rodeia o indivíduo, sendo que este ambiente é que se tem de adaptar e moldar perante o indivíduo em questão. Evidentemente que, quando falamos de ambiente, referimo-nos à sociedade e a todo um conjunto de elementos essenciais à vida atual do ser humano, nomeadamente os transportes e outros serviços públicos.

Porém, devemos também contemplar as relações sociais, bem como todos os constructos e crenças desenvolvidas pela comunidade em torno do conceito de deficiência, que, geralmente, conduzem à discriminação deste tipo de pessoas. Neste sentido, é vital que os nossos decisores políticos trabalhem com o objetivo de desenvolver leis que tenham efetivamente, como reflexo, a adaptação dos serviços públicos às especificidades de cada pessoa, não esquecendo, obviamente, a necessidade de uma mudança de mentalidade por parte da nossa sociedade, que tem sido muitas das vezes negligente e estigmatizante face às pessoas com deficiência, para uma sociedade mais tolerante e inclusiva, que reconheça que estas pessoas têm os mesmos direitos que as ditas “normais”.

Contudo, os indivíduos com incapacidades têm sido privados de muitas oportunidades, não por causa da falta de leis, mas porque, efetivamente, muitas das vezes essas mesmas leis não chegam a ser aplicadas para o bem das pessoas com incapacidades, em suma, para uma maior inclusão das mesmas na nossa sociedade.

Posto isto, é normal que o modelo social poderá ser considerado, à primeira vista, o modelo mais completo no que diz respeito à forma de percecionar a deficiência. Por outro lado, é importante referir que o modelo médico e o modelo social não são mutuamente exclusivos. Neste sentido, estes devem procurar complementar-se um ao outro, visto que cada um deles tem pontos fortes, mas também pontos fracos.

A literatura tem revelado o aparecimento de novos quadros concetuais que elucidam melhor os termos “deficiência” e “incapacidade”. É o caso do modelo biopsicossocial, que é o resultado da evolução de modelos que o antecedem, de que são exemplos o modelo médico e o modelo social. Assim, o modelo biopsicossocial, como o próprio nome faz referência, integra uma visão holística de três elementos, nomeadamente o biológico, o individual e o social (OMS, 2004).

Embora tenha algumas semelhanças em relação a um dos seus antecessores, o modelo social, o modelo biopsicossocial entende que apenas incluir os fatores ambientais (que incluem uma sociedade discriminatória, os serviços públicos e a falta de aplicação de leis inclusivas) como o único determinante da incapacidade é, de facto, muito limitativo. Em vez disso, este modelo procura também ter em conta aspetos de ordem biológica (como a própria condição física do indivíduo) e de ordem psicológica. Na realidade, muitas das vezes, por serem alvos de atitudes e comportamentos discriminatórios, estas pessoas com deficiência afastam-se da vida social e de tudo a que têm direito enquanto cidadãos (OMS, 2004).

Assim, o modelo biopsicossocial é, sem dúvida, um dos modelos que procura mais ativamente a construção de uma sociedade mais inclusiva e mais responsável do ponto de vista ético, sendo, ao mesmo tempo, um dos mais completos que aborda a questão da deficiência. Por tudo isto, este modelo vai ser uma referência ao longo deste projeto.

Com o modelo biopsicossocial, surge, em 2001, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), aprovada pela Organização Mundial de Saúde, definindo a incapacidade como um termo amplo que engloba deficiências, limitações às atividades e também restrições à sua participação. Além disso, este novo

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conceito apresenta a funcionalidade mais relacionada com a componente biológica, isto é, a estrutura e as funções do corpo do indivíduo, bem como a saúde, que se reflete no bem- estar físico e mental da pessoa (OMS, 2004).

A CIF apresenta duas componentes, cada uma dividida em dois domínios. Em primeiro lugar, salienta-se a componente da “Funcionalidade e da Incapacidade”, desdobrada em duas classificações, nomeadamente “o Corpo” e as “Atividades e Participação”.

O domínio do “Corpo” diz respeito às funções orgânicas e às estruturas do corpo. Neste sentido, é importante referir que as funções mentais ou psicológicas, sendo funções orgânicas, estão incluídas no ser humano enquanto um todo, por outras palavras, o “Corpo”.

Por outro lado, o domínio das “Atividades e Participação” contempla todos os aspetos da “Funcionalidade”, tanto na perspetiva individual como social. Deste modo, a “Funcionalidade” é um termo que engloba todas as funções do corpo, atividades e participação. Já a “Incapacidade” é um termo que inclui deficiências, limitação da atividade ou restrição na participação.

Em segundo lugar, a CIF apresenta-nos a segunda componente, os designados “Fatores Contextuais”, que estão relacionados com o historial de atividade do ser humano ao longo da sua vida, nomeadamente as suas ações e o seu estilo de vida. Estes fatores, por sua vez, encontram-se divididos em dois domínios, designadamente os “Fatores Ambientais” e os “Fatores Pessoais”.

Os “Fatores Ambientais” (que albergam o ambiente físico, social e atitudinal onde a sociedade humana vive) interagem com os domínios da primeira componente da CIF, a “Funcionalidade e a Incapacidade”, influenciando-os positiva ou negativamente. No entanto, a Organização Mundial de Saúde não nos apresenta uma definição em termos de fatores pessoais, por não existir uma definição consensual, fato explicado pela variação dos mesmos em termos socioculturais.

Em suma, a funcionalidade e a incapacidade de uma pessoa são concebidas como uma interação dinâmica entre os estados de saúde (doenças, perturbações, lesões, traumas, etc.) e os fatores contextuais (tabela 3.3).

Tabela 3.3. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (2001)

Componentes Funcionalidade e Incapacidade Fatores contextuais

Domínios 1. Corpo

2. Atividades e participação

1. Fatores ambientais 2. Fatores pessoais

Fonte: elaboração própria, com base na OMS (2011)