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CAPÍTULO I – Constituição: Direitos Fundamentais e Separação de Poderes

4. O Novo Constitucionalismo

O Memorável Hans Kelsen defendeu a possibilidade e a necessidade de uma justiça constitucional, ao argumento de que as normas constitucionais, cuja garantia pertence ao Poder Judiciário, vinculam o legislador. Suas ideias e o sistema por ele esboçado e proposto foram adotados, posteriormente, com a generalização da instituição de Tribunais Constitucionais por toda a Europa287.

Contudo, as circunstâncias em que os modernos Tribunais Constitucionais e o “modelo europeu de fiscalização da constitucionalidade” se desenvolveram diferem daquelas presentes no debate dos anos vinte e trinta na “Europa de Kelsen”, nomeadamente no que diz respeito à função essencial dos direitos fundamentais exercida atualmente no Estado de Direito, o que alterou, consideravelmente, a clássica relação europeia tradicional entre legislador e juiz e entre juiz comum e juiz constitucional288.

O momento de reconstrução do constitucionalismo se deu na segunda metade do século XX, principalmente na Europa, cujos anos anteriores foram marcados por crueldades inimagináveis, que ocasionaram a impotência dos mecanismos de defesa da constituição. O continente europeu presenciou experiências dramáticas na área constitucional das comunidades políticas de Estado de Direito, bem como nas demais as esferas289.

Diante disso, ocorreram intensas alterações nas instituições, nos métodos e nas percepções de um Direto Constitucional que, opondo-se ao caminho autocrático, avança nos dias atuais, inspirado na experiência herdada pelo movimento constitucional que guiou as revoluções liberais, o Estado social e democrático de Direito290.

Observa-se que o conceito de Estado de Direito não mais se identifica com o Estado de legalidade do positivismo, que acolhia qualquer valor, desde que nos termos da lei. O Estado de Direito assume nova perspectiva por meio do reconhecimento de sua legitimidade, caracterizada não somente por contemplar formalmente a legalidade em vigor, mas, principalmente, por acolher valores universais emanados de direitos que os poderes políticos instituídos não podem dispor291.

287 KELSEN, Hans. A Garantia Jurisdicional da Constituição. In Revista Sub Judice, Justiça e Sociedade, Ideias, n° 20/21, Lisboa, 2001, p. 09-32.

288 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça..., ob. cit., p. 197-198. 289

Idem, p. 198. 290 Idem, ibidem. 291 Idem, ibidem.

Nota-se que não se trata de qualquer valor, nem do obsoleto direito natural do individualismo. Em repúdio àqueles valores que levaram ao sofrimento desumano de incontáveis vítimas por todo o mundo, o novo constitucionalismo orienta-se pelo valor da dignidade da pessoa humana estendido a todos, independente de raça, sexo, religião ou convicção, e pelos direitos fundamentais, que devem respeitar, proteger e promover a dignidade humana292.

Destaca-se, ainda, a transformação pela qual passou o constitucionalismo, nomeadamente o europeu, que resultou em sua revitalização. Essa mudança foi impulsionada pela ideia de que os direitos fundamentais constitucionais, que consolidam a garantia da igual dignidade da pessoa humana, não são meras manifestações de boas intenções do poder politico e do legislador293. Por outro lado, e nas palavras do Douto Constitucionalista Jorge Reis Novas294, refletem a:

norma jurídica diretamente aplicável, dotada de força constitucional que vincula todos os poderes do Estado, incluindo o legislador democrático, e cuja supremacia deve ser assegurada por um poder judicial funcionalmente independente da maioria política que ocupa conjunturalmente o poder. (grifo meu)

Essas mudanças de entendimentos não assinalaram um tempo exclusivamente europeu, mas sim mundial. Por exemplo, nos Estados Unidos da América, que apesar de possuir uma história extremamente diversa, a justiça constitucional também passa por transformações que apresentam sentido convergente295.

Após um longo período onde a Suprema Corte era reconhecida pela oposição reacionária, que visava a liberdade contratual e o direito de propriedade, a justiça constitucional americana, submetida à pressão política do New Deal296 de Roosevelt (1937), foi compelida a renunciar à sua tradicional ideologia militante em favor de uma prática de autocontenção judicial no que concerne às medidas sociais e de política econômica297.

292 Idem, p. 198-199. 293 Idem, p. 199. 294 Idem, ibidem. 295 Idem, p. 200.

296 O New Deal (novo acordo) foi o nome dado a uma série de programas implementados pelo governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte- americana em 1929, além de auxiliar as pessoas afetadas pela crise econômica dos anos 30 (a “Grande Depressão”). O estabelecimento desses acordos provocou o fim do liberalismo econômica (não intervenção do Estado nas atividades econômicas). A partir de 1935, a economia do país voltou a se desenvolver, mas somente se restabeleceu com a Segunda Guerra.

Informações disponíveis em < http://www.infoescola.com/historia/new-deal/ > Acesso em 17 janeiro 2017. 297 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça..., ob. cit., p. 200.

Contudo, entre as décadas de cinquenta e sessenta do século passado, a jurisdição constitucional norte-americana reposicionou-se em favor de um ativismo judicial defensor dos direitos fundamentais, evidenciado nas decisões contra a segregação racial e nas favoráveis às liberdades políticas das minorias298.

Considerando que a reformulação do constitucionalismo foi impulsionada pelas lições deixadas pelo passado, há uma série de ressalvas universais, presente em todas as novas experiências constitucionais, que abrange a democracia e o Estado de Direito299.

Dentre essas observações, merecem destaque: a percepção de que os direitos fundamentais são o núcleo da Constituição; a proteção da Constituição e dos direitos fundamentais, para que suas normas sejam garantias, efetivas e aplicáveis diretamente; a prerrogativa de acesso dos particulares aos tribunais com a finalidade de proteger seus direitos fundamentais contra qualquer violação; e, por fim, a vinculação de todos os poderes, especialmente do Poder Judiciário, ao respeito e cumprimento dos direitos fundamentais300.

Depreende-se, por meio das ressalvas arroladas, a convergência das preocupações do atual constitucionalismo com o objeto da presente investigação, a atuação dos princípios contramajoritário e da separação de poderes na defesa e promoção dos direitos fundamentais.

298

Idem, p. 201. 299 Idem, p. 199. 300 Idem, p. 199-200.