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CAPÍTULO II – A atuação do Princípio Contramajoritário na realização dos Direitos

3. A Concepção dos Direitos Fundamentais como Trunfos contra a Maioria aplicada na

3.1. Origem e Perspectiva Constitucional da Ideia dos Trunfos

A comparação dos direitos fundamentais aos trunfos, cuja concepção originária é atribuída ao notável Teórico do Direito Ronald Myles Dworkin, demonstra que as posições jurídicas individuais equivalem a vantagens contra as pretensões estatais que objetivam fixar restrições à liberdade pessoal em favor do posicionamento majoritário, que somente seriam admissíveis numa conjuntura que não resguardasse os direitos fundamentais446.

O Jurista norte-americano preconizava que os direitos são melhor compreendidos ao serem comparados aos trunfos. Trata-se de vantagens que podem ser utilizadas contra suposta decisão política, cuja finalidade não corresponde a uma justificativa suficiente que respalde a coercibilidade estatal restritiva de algum direito-trunfo447.

442 Cfr. Medida Cautelar proferida na ADPF 347 STF, 09.09.2015, Rel. Min. Marco Aurélio, disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665 > acesso em 30 março 2017, p. 35.

443 Idem, p. 50. 444 Idem, p. 69.

445 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça..., ob. cit., p. 31-33. 446

Idem, p. 37.

447 Em sua língua originária, Dworkin afirmava que “rights are best understood as trumps over some background justifications for political decisions that states a goal for the community as a whole.” (Tradução livre: Direitos

Partindo dessa ideia originária de Dworkin, o Professor Doutor Jorge Reis Novais, observando que uma carta de trunfo recebe maior valor do que as demais, explica que, em Estado de Direito, um direito fundamental corresponde a um trunfo num jogo de cartas. Considerando que os direitos fundamentais equivalem a posições jurídicas individuais contra o Estado, ter um direito fundamental implica desfrutar de um trunfo contra o Governo democraticamente legitimado448.

Contudo, em seu entender, a analogia aos trunfos não pode ser aplicada de forma independente e direta em Direito Constitucional449.

A uma, porque é inviável realizar uma distinção entre os argumentos fundados em direitos e as razões baseadas nos interesses estatais ou comunitários, com o objetivo de justificar as restrições aos direitos fundamentais e sustentar uma incompatibilidade definitiva entre right/principles e policies450. Observa-se que a maioria das medidas políticas governamentais são naturalmente consideradas imprescindíveis à proteção de direitos fundamentais, uma vez que, em Estado de Direito social, além de se objetivar a satisfação de interesses recíprocos, existe o dever estatal, previsto constitucionalmente, de respeitar, proteger e promover os direitos fundamentais, que exige atuações positivas e políticas públicas451.

A duas, porque os direitos que, respaldados pelas exigências da dignidade da pessoa humana, da moralidade e da justiça, ostentam um caráter definitivo e absoluto em detrimento das pretensões estatais não representam a maior dificuldade dos direitos fundamentais em Direito Constitucional. Em verdade, a máxima adversidade ocorre no momento, em princípio anterior e mais abrangente, em que razões de interesse público legitimam uma eventual sucumbência dos direitos fundamentais452.

O Douto Constitucionalista defende, também, que a questão jurídica-constitucional das restrições aos direitos fundamentais não pode se limitar às exigências do princípio da dignidade da pessoa humana, mas exige a realização de ponderação entre interesses, bens e valores de sentido contrário que, apesar de carecerem igualmente da proteção jurídica do Estado, somente podem avançar conforme as regras e princípios constitucionais453.

são melhor entendidos como trunfos sobre algumas justificativas de fundo para as decisões políticas que afirmam uma meta para a comunidade como um todo.) Cfr. DWORKIN, Ronald. Rights as Trumps. In WALDRON, Jeremy. Theories of Rights. Oxford: Oxford University, 1984, p.153.

448 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais: Trunfos..., ob. cit., p. 17. 449 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça..., ob. cit., p. 39. 450 Idem, p. 39-40.

451

NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 257-269. 452 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça..., ob. cit., p. 40. 453 Idem, p. 42-43.

Por uma perspectiva constitucional, revela-se que, diante das circunstâncias da colisão e uma vez que as restrições aos direitos fundamentais podem ser liminarmente excluídas, já que nem todas afetam diretamente a dignidade da pessoa humana, é inviável decidir os casos nos quais há presença de conflitos de trunfos contra trunfos (em ambos os lados há direitos fundamentais baseados nos princípios da dignidade) sem valer-se dos juízos de ponderação de bens454.

Efetivamente, uma restrição, apesar de não desrespeitar os dois princípios da dignidade, pode ser inconstitucional. Basta haver um fundamento plausível para afetar aos direitos fundamentais em benefício do interesse público (logo, uma restrição provavelmente operada dentro do espaço de livre ajuste político, autorizado constitucionalmente) que seja posteriormente consolidado em lei ou medida restritiva que viole outros princípios constitucionais455.

Assim, na concepção do Douto Jurista português, a metáfora dos trunfos deve ser desenvolvida em perspectiva diversa da desenvolvida por seu criador456, que, ao invés de apresentar uma proposta geral de ponderação de bens para solucionar um conflito entre os pesos dos direitos fundamentais e dos interesses de bem comum respaldados pela maioria democrática, defende que a solução do problema se dá por meio de uma composição positiva das exigências dos valores básicos, determinada pela melhor interpretação moral da Constituição que indicará as razões pelas quais deve ou não o Estado efetuar a restrição, com base na igual consideração e respeito a todos457.

O Douto Jurista Ronald Dworkin desenvolve concepções interpretativas de igualdade, liberdade e democracia mutuamente sustentadoras. Distingue a autonomia, freedom, (capacidade de se fazer o que quiser sem ser condicionado pelo governo) da liberdade, liberty, (parte da autonomia individual que o governo não deveria condicionar). Expõe que a justiça exige tanto a concepção de liberdade, quanto a de igualdade dos recursos, e, na construção de seu pensamento, sustenta a total integração dessas duas teorias, uma vez que ambas dependem da mesma solução para o problema da equação simultânea. Esclarece,

454

Idem, p. 42. 455 Idem, ibidem.

456 O Professor Doutor Jorge Reis Novais analisa a pretensa harmonia teoricamente construída entre liberty e freedom, proposta por Dworkin, e reafirma sua concepção de que no mundo dos direitos fundamentais são

vantajosas as construções que evidenciam os conflitos de interesses. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça..., ob. cit., p. 30-33.

ainda, que não defende o direito geral à autonomia, mas sim direitos à liberdade firmados em diferentes bases458.

Afirma que na moralidade política, a integração é condição necessária da verdade. Sustentando uma cooperação da igualdade e da liberdade com o direito de participar como igual na sua própria governação, apresenta uma distinção entre as concepções de democracia majoritária e de parceria, esta última nomeada por ele. Baseado na ideia de parceria – segundo a qual, numa comunidade verdadeiramente democrática, cada cidadão participa enquanto parceiro igual, resultando na igualdade tanto no direito ao voto, como na participação do resultado –, o Douto Filósofo do Direito norte-americano compreende que a própria democracia exige proteção apenas dos direitos individuais à justiça e à liberdade, que, em algumas ocasiões, se diz que são por ela ameaçados459.

Portanto, inspirado no consagrado Jurista Ronald Dworkin, mas com enquadramento e desenvolvimento diversos, o Douto Constitucionalista Jorge Reis Novais460 entende que a concepção dos trunfos, numa perspectiva constitucional, deve ser compreendida no sentido da indisponibilidade dos direitos fundamentais por parte do Estado e da maioria governamental, nomeadamente:

(i) enquanto limite ou exigência contramaioritária imposta aos poderes públicos pela necessária observância jurídica do princípio da igual dignidade da pessoa humana; e

(ii) enquanto decorrência normativa da natureza e força constitucionais dos direitos fundamentais – de todos eles, e não já apenas os que resultem diretamente impostos pelas exigências da dignidade da pessoa humana – na sua qualidade de garantias jurídicas furtadas, por definição, à disponibilidade dos poderes públicos.

Por fim, observando o entendimento, constante do voto do Ministro Celso de Mello, de que a função desempenhada pelos direitos fundamentais de contenção da soberania popular provém da limitação imposta pelo princípio do Estado de Direito, que não permite a existência de poderes absolutos, nem mesmo o da soberania popular461; destaca-se que é por meio do controle da atuação do Estado que a concepção dos direitos fundamentais como

458 DWORKIN, Ronald. Justiça para Ouriços... ob. cit., p. 373-386. 459 Idem, p. 387-403.

460 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça..., ob. cit., p. 43. 461

Cfr. Medida Cautelar proferida na ADPF 347 STF, 09.09.2015, Rel. Min. Marco Aurélio, disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665 > acesso em 31 março 2017, p. 162-163.

trunfos contra a maioria (contudo sujeitos a cederem diante de outros valores, bens e direitos de valor superior) demonstra todos os seus benefícios462.

3.2. Fundamentos da aplicação da Metáfora dos Trunfos aos Direitos Fundamentais dos