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2 IMPERIALISMO, MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E MUNDIALIZAÇÃO DA

4.3 O NOVO ENSINO MÉDIO: A RADICALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO UNILATERAL

Neste tópico, apresentaremos análise da lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, e das DCNEM de 2018, publicadas na resolução n. 3 do CNE/CEB, em 21 de novembro de 2018 (BRASIL, 2018b), que juntamente com a BNCC do ensino médio instituíram a reforma do ensino médio. Nesse sentido, destacaremos as principais alterações, bem como explicitaremos os nexos e relações com o movimento de mundialização do capital e da educação, já abordados em capítulos anteriores.

Apesar da lei n. 13.415/2017 se referir à reestruturação e reorganização do ensino médio, ela impacta toda a educação básica. Além do mais, redefine-se, inclusive, a própria concepção de básico, ou seja, aquilo que é necessário, indispensável, essencial, que todos deveriam ter direito. Tal afirmação está ancorada na significativa redução da carga horária destinada à formação comum. Antes da reforma, o tempo previsto para o ensino e aprendizagem dos conteúdos indispensáveis à formação do jovem no ensino médio era de 2.400 horas. De agora em diante, conforme a nova redação do parágrafo 5º do artigo 35-A da LDB, “a carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio” (BRASIL, 2017, p. 1, negrito não original).

As DCNEM de 2018, em seu art. 7º, reforçam que as redes terão a incumbência de definir a carga horária destinada a essa formação, conforme redação do parágrafo 6º, que diz que “a distribuição da carga horária da formação geral básica e dos itinerários formativos deve ser definida pelas instituições e redes de ensino, conforme normatização do respectivo sistema de ensino” (BRASIL, 2018b, p. 4).

Já em seu art. 11, parágrafo 3º, em consonância com a lei n. 13.415/2017, ratifica-se que “a formação geral básica deve ter carga horária total máxima de 1.800 (mil e oitocentas) horas, que garanta os direitos e objetivos de aprendizagem, expressos em competências e habilidades, nos termos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)” (BRASIL, 2018b, p. 5).

Como podemos notar, a referida lei e as DCNEM de 2018 passam a impor um limite para a formação comum. Na melhor das hipóteses, caso o sistema ofereça a carga horária máxima para essa finalidade, teremos uma redução de 25% em relação à regulamentação anterior. Ademais, merece todo destaque o fato de não haver definição para carga horária mínima, o que poderá, dependendo as circunstâncias, ampliar essa distorção. Verifica-se, nesse caso, uma inversão da lógica até então vigente, da exigência de uma formação básica (antigo ensino médio) para a limitação daquilo que é comum (novo ensino médio).

Indubitavelmente, essa é uma das alterações mais relevantes promovida por essa reforma, pois contraria e revoga a conquista da garantia de uma formação básica comum a todos.

Essa proposta de formação básica, de caráter minimalista, induz e incentiva a procura e a proliferação de cursos preparatórios, por exemplo, para os vestibulares e o ENEM. Com efeito, essa redução concorrerá para aumentar as desigualdades, principalmente em relação às disputas por uma vaga no ensino superior, privilegiando os alunos com maior poder econômico.

Se por um lado, as recentes normatizações do ensino médio promoveram a redução do tempo pedagógico destinado à formação básica geral, por outro, ampliaram as possibilidades de se aproveitar aprendizagens extraescolares, até mesmo as adquiridas de modo não sistematizado, contabilizando-as para o cumprimento da etapa de formação básica geral. Podemos constatar essas orientações em pelo menos dois parágrafos do art. 7º das novas DCNEM.

§ 2º O currículo deve contemplar tratamento metodológico que evidencie a contextualização, a diversificação e a transdisciplinaridade ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos, contemplando vivências práticas e vinculando a educação escolar ao mundo do trabalho e à prática social e possibilitando o aproveitamento de estudos e o reconhecimento de saberes adquiridos nas experiências pessoais, sociais e do trabalho.

§ 5º A organização curricular deve possibilitar contínuo e articulado aproveitamento de estudos e de experiências pessoais, sociais e do trabalho. (BRASIL, 2018b, p. 4, negrito não original).

Em seu art. 17, parágrafo 13, as novas DCNEM também fazem menção ao aproveitamento de estudos realizados sob supervisão docente, para o mesmo fim.

§ 13. As atividades realizadas pelos estudantes, consideradas parte da carga horária do ensino médio, podem ser aulas, cursos, estágios, oficinas, trabalho supervisionado, atividades de extensão, pesquisa de campo, iniciação científica, aprendizagem profissional, participação em trabalhos voluntários e demais atividades com intencionalidade pedagógica orientadas pelos docentes, assim como podem ser realizadas na forma presencial – mediada ou não por tecnologia – ou a distância, inclusive mediante regime de parceria com instituições previamente credenciadas pelo sistema de ensino (BRASIL, 2018b, p. 11).

Notadamente essa reforma irá impactar os diferentes sujeitos de modo diverso, a depender da sua situação de classe. Os jovens de famílias com mais recursos financeiros reúnem melhores condições que permitem experienciar atividades como visitas a museus, mostras de arte, festivais culturais, cursos diversos, aulas particulares, viagens, frequentar teatros, dentre outros. Enquanto isso, os jovens das classes populares, diante das imposições de cunho material, encontram sérias dificuldades para acessar essas atividades. Assim, as atividades mais comuns para a maioria deste público são as relacionadas ao cotidiano e ao trabalho. São justamente as aprendizagens decorrentes dessas experiências que irão complementar, de maneira diversa, a formação básica dos estudantes do ensino médio.

Essas alterações desresponsabilizam o Estado de oferecer parte da formação básica, que antes era sua obrigação, e transfere essa responsabilidade para o próprio sujeito. Caso tenha interesse em adquirir esses conhecimentos, ele terá que buscar no “mercado”. Deste modo, potencialmente as diferenças materiais, mais uma vez, se traduzirão em diferenças de formação, uma tendência reforçada pela reforma.

Ainda em relação às aprendizagens complementares, as novas DCNEM, em seu art. 7º, parágrafo 1º, apontam que as instituições e redes terão autonomia para a organização curricular, o que permite integrar atividades escolares ao currículo, desde que a formação básica geral, determinada pela BNCC, seja garantida.

§ 1º Atendidos todos os direitos e objetivos de aprendizagem instituídos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as instituições e redes de ensino podem adotar formas de organização e propostas de progressão que julgarem pertinentes ao seu contexto, no exercício de sua autonomia, na construção de suas propostas curriculares e de suas identidades (BRASIL, 2018b, p. 4).

Evidentemente que a oferta de atividades escolares complementares está ligada ao financiamento da rede ou da instituição escolar. Considerando que, via de regra, as redes públicas de ensino enfrentam dificuldades de recursos, essas atividades tendem a ter uma

menor prevalência nos currículos das escolas públicas de ensino médio. Em contrapartida, as escolas particulares poderão oferecer essas atividades aos alunos interessados. Dentre as alternativas, é possível configurar oficinas que abordem temas retirados da BNCC, ou componentes curriculares desprestigiados pela base. Com isso, a escola disponibilizaria aos seus alunos condições para uma formação básica mais sólida.

Segundo Motta e Frigotto (2017), é perceptível que essa reformulação foi planejada para os jovens das classes populares e apresenta como marca sua oposição agressiva ao povo e à escola pública. Ademais, ao privilegiar o conhecimento tácito e negar-lhes os fundamentos da ciência, as mudanças promovidas comprometem o futuro desses estudantes.

Além disso, reitera e incorpora medidas implementadas em períodos autoritários, que recrudescem “a dualidade educacional e o acesso desigual ao conhecimento e à cultura, de acordo com a classe social” (RAMOS; FRIGOTTO, 2016, p. 44).

Dentre as medidas reiteradas e incorporadas estão a especialização e a profissionalização, precoce e precária, para os jovens das classes populares, já vivenciadas após a reforma realizada durante a ditadura civil-militar em 1971, que agora é recuperada com outros moldes. Outra medida se refere a obstáculos interpostos para o acesso ao ensino superior, expediente presente em quase toda a história do ensino médio, que a atual reforma revigora ao retirar conhecimentos e estreitar a formação básica dos jovens.

Com essa perspectiva, a tendência é consolidar o ensino médio público como etapa terminal para a maioria dos filhos da classe trabalhadora, alterando significativamente os rumos que este nível de ensino vinha tomando desde o início da década de 2000, além de contrariar os avanços alcançados, em especial no que se refere à conclusão deste nível de ensino e acesso ao ensino superior123.

Vale dizer que sempre acompanhou as classes dominantes, no que se refere à formação da força de trabalho e aos projetos educacionais por elas defendidos, a contradição entre a necessidade de difundir conhecimentos e manter a população em níveis controláveis de consciência, o que ocasiona, em determinados momentos, na educação formal, o esvaziamento dos conteúdos escolares (DUARTE, 2004).

É justamente isso que observamos nas referidas medidas, um ajustamento naquilo que será transmitido e o que será negado nas escolas públicas. Um claro movimento de empobrecimento e estreitamento do currículo escolar, na medida em que se retira conteúdos e

tempo pedagógico da formação geral. Ao mesmo tempo, explicita o caráter regressivo do ideário político e pedagógico predominante na cúpula da coalização que dirige o país desde o golpe parlamentar-jurídico-midiático.

Conforme afirmado pelo MEC (BEZERRA FILHO, 2016), do ponto de vista da concepção pedagógica, tais modificações estão apoiadas nos quatro pilares do aprender a aprender. Segundo Duarte (2004), as propostas educacionais centradas no aprender a aprender se caracterizam pela desvalorização da transmissão do conhecimento sistematizado, diluição do papel da escola em exercer essa função, descaracterização do professor enquanto sujeito que detém e transmite conhecimento, e na própria negação do ato de ensinar. Além disso, essa proposição pedagógica tem como base o universo ideológico neoliberal e pós-moderno.

As pedagogias do aprender a aprender anunciam a formação de um sujeito multitarefa, capaz de atuar em diversas atividades ao longo da vida – o que também é prometido pelos avalistas da reforma. Entretanto, ao subtrair da formação conhecimentos imprescindíveis para se compreender os processos de trabalho em sua complexidade, destituem-se desses sujeitos ferramentas teórico-práticas demandadas nas atividades laborais, inclusive na sua própria área de especialização. Deste modo, não se deve confundir tal perspectiva com uma formação politécnica.

Para Kuenzer (2017), a formação multitarefa, que é reforçada pela reforma, responde às formas precarizadas de trabalho que temos na atualidade. A autora também destaca que:

[...] Para alguns, significará exercer trabalhos qualificados e criativos; esses não serão atingidos pela reforma do ensino médio porque dispõem, em face de sua origem de classe, de outros espaços de formação, que não a escola pública. Para a maioria dos trabalhadores, contudo, ser multitarefa significará exercer trabalhos temporários simplificados, repetitivos e fragmentados, que não necessitam de formação qualificada, mas provavelmente de certificados ou reconhecimento de competências, o que o atual ensino médio talvez atenda (KUENZER, 2017, p. 340-341).

Segundo a exposição de motivos (BEZERRA FILHO, 2016) apresentada para a aprovação da MP n. 746/2016, o ensino médio ostenta resultados que demandam medidas para reverter uma realidade de evasão e baixo desempenho educacional, além disso,

[...] a sua função social [do ensino médio], prevista no art. 35, não atingiu os resultados previstos. O referido artigo prevê que o ensino médio deverá consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, bem como formar indivíduos autônomos, capazes de intervir e

transformar a realidade. Todavia, nota-se um descompasso entre os objetivos propostos por esta etapa e o jovem que ela efetivamente forma (BEZERRA FILHO, 2016).

Ainda, segundo este documento, o desempenho dos alunos do ensino médio está aquém do mínimo previsto. Os resultados do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) para o ensino médio são ínfimos, no geral, mais de 75% dos alunos estão abaixo do esperado, e o IDEB está estagnado. Ou seja, os jovens estão concluindo o ensino médio com reduzido conhecimento escolar, sabendo pouco ou menos que o previsto/desejado. Por conseguinte, implicações negativas são observadas nos resultados econômicos do país, o que justificaria uma reforma e uma reorganização urgente. Entretanto, para se enfrentar esse problema, a coalizão que dirige o país, paradoxalmente, propôs, como exposto acima, a retirada de conteúdos e tempo pedagógico da formação básica desses jovens. Portanto, em vez de superar os problemas elencados, essas medidas tendem a agravar a situação e naturalizar a negação do conhecimento.

A evasão, entendida como exclusão explícita, nesse contexto, é substituída por outras formas de exclusão, agora de maneira disfarçada, já que se oferece ao aluno trajetórias, segundo os reformadores, mais adequadas às suas expectativas e dificuldades. Além do mais, como a lei n. 13.415/2017 e as novas DCNEM (BRASIL, 2018b) normatizam, por exemplo, o ensino modular e a educação à distância no ensino médio, o sistema se torna adaptável às necessidades dos jovens, por outro lado, favorece a oferta de formas precarizadas de ensino.

Como estratégia, o MEC escamoteou, para justificar a reforma, as propostas e experiências exitosas, assim como dados que não interessam aos patrocinadores e apoiadores da reforma, inclusive os obtidos em testes de larga escala124.

Entre as experiências que merecem destaque estão as desenvolvidas por colégios e institutos da rede federal, reconhecidos por uma formação média e técnica de qualidade. Como destacado por Borges (2016), mesmo quando comparamos os resultados dessas instituições com os obtidos pela rede privada brasileira ou por redes de outros países, recorrendo a parâmetros, usualmente, utilizados pelos reformadores empresariais, como é o caso o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), constatamos que a rede federal brasileira apresenta desempenho acima da média da OCDE e superior a rede privada

124 O MEC omitiu, na primeira lista de resultados do ENEM de 2015 (publicado em 2016), o desempenho das

escolas da rede federal de ensino médio, ao mesmo tempo que realçou a baixa média das escolas públicas - principalmente ao se comparar com a rede privada - criando com isso um ambiente de crise. Entretanto, após a constatação da ausência dos dados das escolas da rede federal, que obtiveram bons resultados, o MEC se viu pressionado a publicar o desempenho de toda a rede pública.

brasileira. O desempenho dos alunos da rede federal na disciplina ciências, por exemplo, deixaria esse grupo na 11ª posição no ranking internacional, à frente da elogiada Coreia do Sul.

Importante dizer que o PISA cumpre tarefa estratégica como instrumento modulador das reformas educacionais apoiadas pelo capital. Em síntese, esse processo funciona da seguinte maneira, os resultados do PISA passam a ser perseguidos pelas nações, criando um ambiente de concorrência e um ranqueamento mundial. Ao mesmo tempo, o direcionamento conferido por esses dados interfere nas políticas locais e no trabalho pedagógico dos professores, bem como na definição do currículo. Com isso, a tendência não é mais avaliar “[...] o que é e foi ensinado, mas, se passa a ensinar em conformidade com o que será avaliado” (PEREIRA, 2016, p. 274).

Há que se explicitar, ainda, que esta avaliação, segundo James Harvey (2015), apresenta sérios limites, inconsistência e uso indevido de resultados. Ademais, o PISA desconsidera as diferenças sociais, culturais e econômicas entre as nações, além de não haver precisão nas amostras nacionais.

Dito isto, ao fazermos referência ao desempenho dos colégios e institutos da rede federal no PISA, não estamos utilizando este instrumento como parâmetro de qualidade, mas expondo que, mesmo nos indicadores empregados pelos reformadores empresariais, os alunos da rede federal, em geral, obtêm êxito. Por esta razão o MEC optou em não divulgar, no primeiro momento, esses resultados. Contudo, o mais importante nesse caso é identificar as principais características dessa rede.

Em geral, essas instituições se organizam pedagogicamente em torno de uma proposta de ensino médio integrado à educação profissional, tendo como princípios integradores a ciência, a tecnologia, a cultura e o trabalho. Via de regra, reúnem condições materiais adequadas, plano de carreira mais atraente, contratação prioritariamente no regime de dedicação exclusiva à escola, o que explica, em partes, a qualidade da formação oferecida por essas instituições (MOURA; LIMA FILHO, 2017). Por outro lado, são justamente esses elementos que o governo federal tenta ocultar, ao passo que investe num discurso que busca reduzir os problemas do ensino médio à sua dimensão pedagógica.

Segundo Moraes (2017), as reformas educacionais realizadas na Inglaterra recorreram, para se justificar e ganhar força política, a discursos que relacionavam o declínio no

desempenho em teste educacionais com a redução da competitividade econômica. No caso brasileiro, observa-se estratégia semelhante.

Contudo, não são os resultados dos testes de larga escala em si que motivaram a reforma. Tais mudanças respondem a demandas da base material, como afirma Kuenzer (2017). De um lado verifica-se a pressão para se reduzir os custos da qualificação da força de trabalho, empurrada pela tendência decrescente da taxa de lucro, além de torná-la mais eficiente e desenvolver processos mais alinhados com o atual regime de acumulação; de outro, a necessidade de ampliação dos campos de valorização do capital, bem como a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada.

Ao observarmos como a produção, a distribuição e o consumo se desenvolvem na atualidade, é possível constatar que o consumo da força de trabalho na sociedade brasileira processa-se de maneira desigual e combinada. Enquanto a maioria dos trabalhadores desenvolve atividades pouco sofisticadas, de natureza simples, que demandam essencialmente conhecimentos tácitos ou de pouca base teórica, um pequeno grupo oferece trabalho complexo, de alto teor intelectual, sustentado em qualificação mais sólida. Reside aí, na base material da sociedade, como afirmamos, uma das justificativas por empreender transformações no nível médio de ensino que aprofundam a distribuição desigual e diferenciada do conhecimento. Deste modo, busca-se melhor alinhamento com o atual estágio de desenvolvimento da sociedade capitalista (KUENZER, 2017). Além disso, reduz-se o custo de qualificação da força de trabalho e a eficiência desta formação, do ponto de vista desta perspectiva, já que a distribuição de conhecimento tende a ser mais precisa.

A nova organização curricular no ensino médio, que promoveu a flexibilização do currículo e da formação da juventude, busca atender essas demandas da base material do atual regime de acumulação, alinhando-se ao projeto pedagógico hegemônico de mundialização da educação.

Com essa reorganização, a grosso modo, o ensino médio passará a ter dois momentos, um comum a todos os alunos, com os conteúdos previstos na BNCC, e outro diversificado, onde o aluno irá realizar estudos em uma das cinco áreas – ou, como define a lei, itinerários formativos, quais sejam: I – linguagens e suas tecnologias, II – matemática e suas tecnologias, III - ciências da natureza e suas tecnologias, IV – ciências humanas e sociais aplicadas, V – formação técnica profissional.

A principal justificativa apresentada para essa mudança está fundamentada no discurso de que o modelo anterior era prejudicial e não favorecia a aprendizagem, induzia os estudantes a não desenvolverem suas habilidades e competências, pois, segundo o MEC, eles “são forçados a cursar, no mínimo, treze disciplinas obrigatórias que não são alinhadas ao mundo do trabalho, situação esta que, aliada a diversas outras medidas, esta proposta visa corrigir” (BEZERRA FILHO, 2016, p. 9).

O MEC ainda destaca, na exposição de motivos, que “[...] o Brasil é o único país do mundo que tem apenas um modelo de ensino médio, com treze disciplinas obrigatórias. Em outros países, os jovens, a partir dos quinze anos de idade, podem optar por diferentes itinerários formativos no prosseguimento de seus estudos” (BEZERRA FILHO, 2016, p. 10).

Sobre isso, Moraes (2017) enfatiza que

[...] em primeiro lugar, que a organização do ensino médio brasileiro não é a “única no mundo”. Ao contrário, a organização da educação secundária (denominação mais frequente e consagrada na região para a etapa localizada entre os ensinos primário e superior) de alguns países da Europa apresenta elementos comuns à brasileira, como se propõe indicar. É possível afirmar ainda que países cujos sistemas de ensino praticam menos a segregação precoce e favorecem a manutenção de um “tronco comum” por mais tempo na escolaridade básica obrigatória são os que alcançam melhores resultados educacionais, inclusive no PISA (MORAES, 2017, p. 408).

Ademais, é desconsiderado que o modelo brasileiro permitia a diversificação curricular, desde que a formação básica fosse garantida. Nesse caso, evidentemente, maiores investimentos eram exigidos para se ampliar a formação dos jovens, o que contraria a atual política educacional desenvolvida pela coalizão que dirige o país, marcada por impor uma política econômica que limita, por pelo menos 20 anos, os gastos e investimentos em educação e em outros setores sociais.

Também merece atenção as comparações feitas com outros sistemas educacionais. De modo geral, comparar sistemas educacionais é uma tarefa difícil e demanda muito cuidado e rigor, visto que os países tiveram formação social e econômica distintas. Além disso, não é apresentado que em vários sistemas que permitem a opção por itinerários, os jovens chegam a essa etapa com um tempo de formação superior ao jovem brasileiro que ingressa no ensino