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2 IMPERIALISMO, MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E MUNDIALIZAÇÃO DA

2.2 UMA/A EDUCAÇÃO PARA O CAPITAL

O esgotamento do modelo fordista-taylorista de produção, a desmontagem do consenso keynesiano e a crise enfrentada pelo capitalismo na década de 1970 são alguns dos determinantes que impulsionaram a reestruturação dos processos produtivos da sociedade capitalista, no último quarto do século XX, que passaram a se estruturar sob nova base tecnológica, a microeletrônica, e adotar novos métodos de racionalização do trabalho e da produção, substituindo a produção em série pela flexibilização da produção. Verificou-se também a incorporação crescente e intensa da ciência e da tecnologia nas diversas fases de realização do capital, conferindo à ciência e à tecnologia importância cada vez maior enquanto forças produtivas. Esse novo modelo de acumulação ficou conhecido como acumulação flexível.

De modo geral, essas transformações visavam, em última instância, superar os entraves para a reprodução ampliada do capital. A nova configuração do capitalismo demandava mecanismos renovados de comando de seu desempenho e regulação, assim como a integração internacional dos mercados e do setor financeiro. Para a formação de um novo mercado mundial integrado, seriam necessárias a liberação e a desregulamentação das barreiras que impediam a liberdade de movimentos das empresas, possibilitando que “[...] todos os campos da vida social, sem exceção, sejam submetidos à valorização do capital privado [...]”, no sentido de se promover a mundialização do capital (CHESNAIS, 1996, p. 25).

A expressão “mundialização do capital” é a que corresponde mais exatamente à substância do termo inglês “globalização”, que traduz a capacidade estratégica de todo grande grupo oligopolista, voltado para a produção manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar, por conta própria, um enfoque e conduta “globais”. O mesmo vale na esfera financeira, para as chamadas operações de arbitragem [...] (CHESNAIS, 1996, p. 17).

Uma nova ordem econômica e política emerge desse processo, onde se vê o fortalecimento político e financeiro das corporações capitalistas transnacionais e, concomitantemente, o enfraquecimento político dos Estados nações. Ao mesmo tempo, no campo das ideias, o neoliberalismo se apresenta como orientação ideológica, com vista a hegemonia, para justificar as mudanças em curso. Nesse caso, conforme já apontamos31, cabe destacar que essas mudanças são materialmente determinadas pelo movimento do capital, seguem questões políticas e práticas concretas, ligadas à necessidade de valorização do capital. Por isso nossa preferência por usar, para se referir a esse movimento, sempre que possível, os termos “política fundomonetarista”, visto que as reformas realizadas em vários momentos entram em conflito com o ideário neoliberal, além de passar a falsa impressão que obedecem a uma orientação estritamente teórica-ideológica (quando se opta por designá-las de políticas neoliberais). Entretanto, não quer dizer que esse ideário não exerça função importante nesse processo de mudança no modelo de acumulação, de mundialização do capital e de ofensiva do imperialismo, seja justificando ou convencendo sujeitos sobre a pertinência dessas políticas.

Inclusive, nas últimas décadas, apoiando-se no ideário neoliberal, observou-se a implementação ampla da política de ajustes fundomonetarista, que vem concorrendo para uma

maior subordinação dos Estados nações, principalmente os subdesenvolvidos, conforme demonstra Melo (2004).

As duas últimas décadas do século XX foram de fortalecimento do processo de mundialização do capital, numa nova divisão internacional do trabalho, obrigando os países devedores a se submeter a políticas de ajustes econômicos e reformas estruturais e institucionais, sob pena de uma exclusão mais rápida do sistema (MELO, 2004, p. 80).

Simultaneamente a esse processo de reestruturação das forças produtivas, iniciado nos países desenvolvidos, estoura na América Latina, nos anos finais da década de 1970 e início da década de 1980, a chamada crise da dívida, caracterizada pela dificuldade dos países rolarem suas dívidas. Essa insolvência foi provocada, principalmente, pelo vertiginoso aumento das taxas de juros. Como saída da crise da dívida, os organismos transnacionais, nomeadamente, o BM e o FMI, oferecem a esses países empréstimos, mas com condicionalidades alinhadas com as demandas da nova ordem econômica, tais como: desestatização e privatização; desregulamentação institucional, política e econômica; desregulamentação das relações de trabalho; desregulamentação e abertura dos sistemas financeiros nacionais (MELO, 2004).

Na realidade, o que se viu foi a implantação de uma agenda de reformas para a América Latina32, sob a condução destacada do FMI e do BM, com a política de “ajustes, por meio de reformas, para o crescimento”.

Os ajustes econômicos são apresentados como necessários e inevitáveis, única saída para as crises instaladas, mesmo que seus impactos sociais, como o desemprego, a redução de verbas para a saúde e educação, e a depreciação dos salários, sejam extremamente negativos e causem certa convulsão social em alguns casos. Por outro lado, contra argumenta-se que apesar dos ajustes causarem "temporariamente" efeitos amargos (para usar um termo recorrente), ele será, ao mesmo tempo que causa, a solução para os problemas.

32 Segundo Melo (2004, p. 113), essa agenda de reformas contava com estratégias de desenvolvimento baseadas

em alguns pontos: “a) orientação dos mercados para o exterior, reduzindo barreiras tarifárias, restrições, proteções e salvaguardas, visando à promoção de exportações e uma substituição de importações mais eficiente – processo onde multinacionalização e valorizadas, tanto pela experiência em comércio internacional que estas empresas trariam, quanto pela experiência em lutar contra medidas protecionistas em seus próprios países; b) a geração de níveis maiores de poupança, com o incentivo aos investimentos privados e a diminuição do déficit orçamentário público; c) e uma verdadeira e eficiente reforma do estado na ‘vida econômica’ latino-americana, em suas funções fundamentais de regulador, produtor e fornecedor de serviços (embora se argumente que este deveria manter, na questão do fornecimento de serviços, uma estratégia de atendimento básico voltada para a melhoria das condições de vida dos mais pobres), pois ao reduzir as funções de regulação e de produção, estar- se-ia estimulando esta terceira função de prestação de serviços aos pobres”.

O BM e o FMI vêm, pelo menos nas três/quatro últimas décadas, atuando de maneira decisiva no sentido de implementar reformas estruturais condizentes com as diretrizes apontadas por esses organismos, nos países periféricos, o que, por sua vez, obtiveram resultados tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista social, questionáveis. Viu-se o aprofundando a desigualdade, aumentando a pobreza e provocando repulsa social a essas políticas. Segundo Leher (1999, p. 19), esse "[...] é um fato que já não suscita tantas controvérsias, posto que as contradições da crise estrutural do capitalismo já não permitem atuações discretas [...]".

As resistências aos ajustes e às reformas e as tensões sociais que se acirraram, provocadas por essas medidas, motivaram o FMI e o BM a recomendarem aos países periféricos políticas sociais compensatórias, visando, sobretudo, a redução da pobreza. Nesse caso a educação passa ser vista como um elemento de combate à pobreza e à desigualdade, na medida em que oferece incremento individual de capital humano.

Segundo Leher (1999), a educação passa a ocupar, a partir da década de 1970, cada vez mais, espaço prioritário nas ações apoiadas ou desenvolvidas pelo Banco Mundial, ganhando centralidade no discurso desta instituição na década de 1990. Esta estratégia ocorre justamente no momento em que as ações diretas dos Estados Unidos em diferentes países recebiam duras críticas, provocando mudanças na orientação tática do Departamento de Estado estadunidense, que passou a investir em intervenções indiretas, especialmente através de organismos multilaterais.

Nesse processo é possível identificar um projeto de sociedade e de educação do capital, desde os anos de 1970, que vem se consolidando como hegemônico, em várias localidades, dentre as quais o Brasil, com vistas a universalização. Esse projeto integra o processo de mundialização do capital, que objetiva renovar os meios necessários para a valorização do capital, modificando nossas vidas e interferindo nos rumos das políticas públicas educacionais. Nesse movimento, sujeitos coletivos (BM, FMI, Unesco) vem exercendo função destacada como condutores desses processos, seja através do convencimento ou impondo, via condicionalidades, essas políticas (MELO, 2004).

No caso brasileiro, durante a década de 1990, ocorreu significativa reforma/reestruturação do Estado, alinhada com as diretrizes e orientações do BM e FMI, e instituição de novas diretrizes legais e orientações para a educação.

De um lado, as mudanças nas forças produtivas e nas relações de produção passaram a demandar a formação de um novo trabalhador, de outro, crescia e cresce a pressão para que os sistemas educacionais públicos adotem formas mais eficazes e eficientes de gestão, importando o “Know how33” desenvolvido na gestão empresarial, não só do setor educacional, mas de toda a iniciativa privada.

Nesse sentido, as reformas educacionais conduzidas sob orientação do BM e FMI apresentavam/apresentam duas dimensões que se articulam e se completam, uma relacionada à gestão, que se fundamenta na meritocracia e na responsabilização vertical – via avaliação, principalmente -, a segunda, de caráter pedagógico, visa disseminar um ideário educacional e pedagógico com linhas orientadoras para a educação mundial, que está sintetizado no “Relatório Jacques Delors34”, publicado pela Unesco em 1996.

Redefine-se, portanto, o papel tanto do Estado como das escolas. Em lugar da uniformização e do rígido controle do processo, como preconizava o velho tecnicismo inspirado no taylorismo-fordismo, flexibiliza-se o processo, como recomenda o toyotismo. Estamos, pois, diante de um neotecnicismo: controle decisivo desloca-se do processo para os resultados. É pela avaliação dos resultados que se buscará garantir a eficiência e produtividade. E a avaliação converte-se no papel principal a ser exercido pelo Estado, seja mediatamente, pela criação das agências reguladoras, seja diretamente, como vem ocorrendo no caso da educação. Eis por que a nova LDB enfeixou no âmbito da União a responsabilidade de avaliar o ensino em todos os níveis [...] Trata-se de avaliar os alunos, as escolas, os professores e, a partir dos resultados obtidos, condicionar a distribuição de verbas e a alocação dos recursos conforme os critérios de eficiência e produtividade (SAVIANI, 2011, p. 439).

Essa proposta busca imprimir uma concepção de formação orientada pela e para a produtividade. Pela produtividade em função do princípio produtividade estar com mais presença e força na organização escolar, para produtividade por buscar desenvolver as competências que possam promover ganhos de produtividade. Pois, o mercado “[...] requer trabalhadores que, em lugar da estabilidade no emprego, disputem diariamente cada posição conquistada, vestindo a camisa da empresa e elevando constantemente a produtividade” (SAVIANI, 2011, p. 429).

33 Expressão em inglês geralmente utilizada na língua portuguesa para se referir a conhecimento acumulado

sobre um assunto ou setor, um saber como fazer que indique expertise em determinada área.

34 O Relatório Jacques Delors é a forma como o livro “Educação: um tesouro a descobrir” (DELORS, 1998)

ficou conhecido. Essa obra consiste em um relatório sobre educação para o século XXI produzido por uma comissão internacional, que contou com a participação de quinze autores, sob a presidência de Jacques Delors. Nela são apresentados os pilares que deveriam orientar a educação do século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Se no início tanto a política econômica quanto a política educacional defendidas por esses sujeitos coletivos foram implementadas nos diferentes países por imposição ou como condição para o recebimento de empréstimos, posteriormente as mesmas passaram a ser incorporadas e assumidas pelos diferentes governos, dispensando a coerção para sua execução. Isso não quer dizer que os organismos transnacionais perderam importância no que se refere à condução desses processos, visto que continuam a produzir documentos orientadores e a cooperarem técnica e financeiramente no planejamento, execução e avaliação das políticas educacionais pelo mundo.

No caso do Brasil, por exemplo, a Unesco informa, em seu site35, que vem contribuindo com a formulação de referenciais para subsidiar a revisão de propostas curriculares, de políticas e programas relacionadas à carreira docente, e vem cooperando na elaboração de diretrizes e instrumentos para execução e implementação de metas, assim como participando da elaboração de planos de ações e diagnósticos da situação da educação dos municípios.

Como estratégia para manutenção da hegemonia, esses sujeitos coletivos passaram a intensificar suas atuações através de ampla e complexa rede, que envolve organizações transnacionais, bancos, empresas e fundações, organizações não governamentais, parlamentares, governos e celebridades, e que se estabelece por diversos meios (parcerias, cooperações, apoios, etc) e se ligam por diferentes formas.

No Brasil, formam-se organizações com função análoga a exercida por esses sujeitos coletivos no que se refere à indução, planejamento e execução de políticas educacionais, organizando redes locais que se integram à rede internacional. A organização mais evidente é a Todos Pela Educação (TPE)36.

Cabe destacar que esses organismos, geralmente, se apresentam como representantes de todos, defensores do bem comum, como instituições apartidárias e plurais, sem filiações ideológicas, com representantes dos mais diferentes setores da sociedade, e têm como missão atuar pela educação de qualidade para todos. Inclusive seus nomes ou programas buscam passar uma mensagem nessa perspectiva, como são os casos das organizações “Todos pela Educação” e “Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)”, e dos projetos/propostas “Educação Para Todos” (Unesco) e “Aprendizagem Para Todos” (BM).

35 Endereço do referido sítio: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia. Acesso em 10 de dezembro de 2016. 36 Abordaremos as questões do surgimento e da atuação política do TPE no tópico 2.5.

Nesse movimento, verifica-se a tentativa de escamotear a luta de classes e a disputa de projetos de formação dos filhos da classe trabalhadora, ao mesmo tempo que divulgam e imprimem as orientações educacionais que convêm ao capital (LEHER, 1999).

Nos próximos tópicos deste capítulo, visando compreender e explicitar melhor esse processo, examinaremos justamente documentos educacionais do BM e da Unesco, bem como as ações empreendidas pelo empresariado brasileiro no sentido de implementar os principais elementos dessa política educacional.

2.3 A EDUCAÇÃO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO (CAPITALISTA):