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2 IMPERIALISMO, MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E MUNDIALIZAÇÃO DA

2.4 PROPOSTA DA UNESCO PARA O ENSINO MÉDIO: PRIVILEGIANDO AS

Apresentaremos nesse tópico os elementos centrais da proposta da Unesco para o ensino secundário/ensino médio, recorrendo principalmente ao documento intitulado “Reforma da educação secundária: rumo à convergência entre aquisição de conhecimento e o desenvolvimento de habilidade” (UNESCO, 2008). Como já abordado nessa tese, esta entidade, em conjunto com suas congêneres, vem exercendo função destacada na condução e orientação de reformas educacionais, o que justifica nossa opção. Além do mais, por se referir ao nível de ensino foco deste trabalho, a análise dessas orientações, em nosso entendimento, pode contribuir na compreensão e explicação da atual reforma do ensino médio no Brasil e de seus rumos.

O objetivo da Unesco com esse documento foi apontar tendências recentes e "[...] propor um modelo para essa fase crucial da educação" (UNESCO, 2008, p. 12, negrito não original), subsidiando e encorajando os países a revisarem seus currículos, de modo que

38 Dados noticiados no seguinte link: < https://g1.globo.com/economia/noticia/kroton-fecha-compra-da-somos-

estes possam "adotar integral ou parcialmente o modelo proposto [...]" (p. 12), bem como “[...] empreender a reforma no marco de seus processos nacionais de implementação da EPT [Educação para Todos]” (UNESCO, 2008, p. 29).

As intenções expressas nesse documento sugerem que essa proposta se configura como mais um instrumento que corrobora com a mundialização da educação (MELO, 2004), assumindo a tarefa específica de apontar diretrizes para o ensino médio, e reforça o ideário educacional das organizações transnacionais.

Em vista disto, para a Unesco, o ensino secundário, dos diferentes países, deveria conter os seguintes elementos fundamentais:

(1) diversidade de conteúdos e flexibilidade de oferta; (2) possibilidade de dispor de sólidos fundamentos de conhecimentos, em um conjunto de competências genéricas essenciais e de habilidades práticas não específicas de uma ocupação determinada; (3) possibilidade de postergar, tanto quanto possível, a orientação entre formação geral ou profissional, a fim de conduzir à maior maturidade intelectual e social e maior compreensão e tolerância intercultural; (4) programas de aconselhamento e tutoria; (5) possibilidade de permitir a transição sem choque entre as vias de formação geral e vocacional e em direção à educação superior (UNESCO, 2008, p. 22, negrito não original).

Na mesma linha do BM, a Unesco destaca que "em todos os estágios da educação, insiste-se sobre a importância de uma interação estreita com a comunidade, particularmente, com os empregadores. Enfatiza-se, também, a importância da parceria entre os setores público e privado" (UNESCO, 2008, p. 21, negrito não original). Por isso, as escolas secundárias poderiam “[...] adotar modelos flexíveis de ensino e de uso do tempo, e as empresas locais – industriais, agrícolas e de serviços – podem associar-se por meio de sistema de estudo-trabalho, de cooperativas ou de programas de aprendizagem profissional” (UNESCO, 2008, p. 26).

A forte prioridade outorgada à EPT terá, igualmente, incidência sobre a educação secundária, devido ao renovado ímpeto que confere à cooperação e ao trabalho em rede. Isto supõe o desenvolvimento de parcerias e colaborações as mais diversas, envolvendo os poderes públicos no nível nacional e local, as organizações não-governamentais, grupos comunitários, o setor privado, com o apoio, sempre que possível, de organizações internacionais e regionais [...] (UNESCO, 2008, p. 27)

Argumenta-se que como muitos jovens não concluem o ensino médio e a maioria não ingressa no ensino superior, os sistemas de caráter propedêutico são “brutalmente ineficazes”.

Ademais, "[...] alunos do ensino secundário geral têm poucas oportunidades de adquirir habilidades práticas, mesmo quando demonstram interesse por essas áreas" (UNESCO, 2008, p. 13). Com efeito, para se atender às demandas da vida cotidiana e do mercado de trabalho, mudanças são necessárias, visto que "a convergência de conhecimentos e habilidades práticas é um imperativo para a vida no século XXI" (UNESCO, 2008, p. 21). Notadamente, evidencia-se a opção por uma formação mais pragmática e utilitária, centrada em competências e habilidades, requeridas no mercado de trabalho. Os conhecimentos estarão submetidos ao praticismo, ou seja, conhecimento bom é conhecimento prático, ou posto em prática.

Apesar de proposições diversas para enfrentar os problemas do ensino médio, defende- se que há consenso de que “as iniciativas de reforma da educação secundária geral e da educação técnico-profissional e treinamento não devem ser levadas a cabo de maneira isolada. Devem facilitar a construção de pontes entre as duas modalidades e a formação de itinerários individuais de aprendizagem ao longo da vida” (UNESCO, 2008, p. 29-30).

Segundo a Unesco (2008), como recurso para se enfrentar os desafios da educação secundária, há uma tendência, em diversos países, de "articulação entre educação geral e educação técnico-profissional e treinamento" (p. 12). Tal modelo será mais facilmente construído "[...] com currículos baseados em competências genéricas e essenciais" (p. 12).

Os conteúdos curriculares ou de aprendizagem abarcarão competências essenciais e outras, opcionais, em função de necessidades específicas da coletividade. Competências essenciais tais como o letramento e a numerização serão reforçadas, desenvolvidas e complementadas com a responsabilidade cívica e a cidadania [...] Os conteúdos disciplinares enfatizados deveriam ser utilizados para consolidar o letramento e a numerização, as habilidades para a vida e a capacidade de aprender a aprender e desenvolver habilidades (UNESCO, 2008, p. 17, negrito não original).

Como destacado no excerto acima, a proposta curricular da Unesco prevê, a grosso modo, duas categorias de conteúdos, uma essencial, nesse caso envolvendo os conteúdos relacionados ao letramento e à numerização, e outra opcional, determinada a partir das necessidades específicas da coletividade. Tal perspectiva assemelha-se muito com o novo ensino médio brasileiro, que como veremos a diante (especialmente no quarto capítulo) mantém como obrigatórias apenas as disciplinas língua portuguesa e matemática e flexibiliza o restante do currículo.

Cabe ainda ressaltar a importância conferida às áreas de conhecimento normalmente exigidas nos exames de larga escala e a ratificação da perspectiva do aprender a aprender como concepção pedagógica adotada e defendida pela entidade.

Ainda sobre a organização do ensino médio, reitera-se a importância de se diversificar os currículos. Essa iniciativa foi adotada por muitos países, sobretudo os europeus, visando a articulação entre educação básica geral e educação técnico-profissional. Portanto, recomenda-se "criar trajetos dentro do ensino secundário formal" (UNESCO, 2008, p. 18, negrito não original).

A Unesco também critica o número grande de disciplinas no ensino médio, por entender que sobrecarrega o currículo e pode reforçar “[...] a tradição prejudicial do aprendizado por meio da memorização e/ou pode dificultar a conexão entre essas disciplinas e os currículos" (UNESCO, 2008, p. 15).

Afirma-se ainda que a globalização e as transformações tecnológicas proporcionaram mais alternativas e oportunidades aos jovens, contudo, estes ainda se encontram inseridos em uma desarticulação social crescente, nesse caso, " [...] os sistemas de educação secundária precisam concentrar-se em conferir aos jovens a capacidade de desenvolver personalidades produtivas, responsáveis, bem equipadas para a vida e para o trabalho na atual sociedade do conhecimento baseada na tecnologia" (UNESCO, 2008, p. 11). Além disso, considerando as mudanças frequentes do mundo contemporâneo, para terem êxito e competirem a altura, os jovens necessitam se adaptarem e reunirem “[..] um repertório de habilidades para a vida que inclui, entre outras, habilidades analíticas e de resolução de problemas, criatividade, flexibilidade, mobilidade e empreendedorismo" (UNESCO, 2008, p. 11).

A concepção de ensino médio e as mudanças defendias pela Unesco visam, conforme expresso nesse documento, formar força de trabalho flexível, sujeitos empreendedores, trabalhadores eficientes, homens e mulheres adaptáveis às mudanças e com personalidades afeitas ao modo de vida capitalista, que nesse documento é caracterizada como sociedade do conhecimento.

É necessário transmitir, de maneira holística, os conhecimentos, habilidades e atitudes que permitirão aos jovens atuarem de maneira eficaz na vida e no trabalho, especialmente, para que sejam capazes de enfrentar os paradoxos e conflitos provenientes das mudanças, na condição de agentes não apenas como receptores de conhecimentos, habilidades e atitudes, mas aprendendo ao longo da vida e sendo membros de uma força de trabalho flexível (UNESCO, 2008, p. 15, negrito não original).

O problema do acesso (ou não) ao ensino superior é tratado como uma questão de escolha/opção, ao mesmo tempo, reforça a defesa do ensino médio como etapa terminal para muitos jovens, em outras palavras, como a maioria não terá oportunidade de acessar o ensino superior, deve-se capacitar esses sujeitos para ocuparem seu lugar (de classe) na sociedade, tornando o sistema mais eficiente.

Ao identificar soluções para as disfunções percebidas na educação secundária, é necessário criar sistemas que sejam mais eficazes em ajudar os jovens a desenvolver seu potencial e ocupar seu lugar na sociedade de maneira produtiva, responsável e como cidadão democrático. Em outras palavras, a educação secundária deveria possibilitar preparação efetiva tanto àqueles que optem pela educação superior acadêmica ou profissional quanto aos que ingressam no mundo do trabalho como estagiários, assalariados ou empreendedores autônomos, enraizando, ao mesmo tempo, habilidades sociais para uma vida produtiva e pacífica nas comunidades interdependentes de hoje (UNESCO, 2008, p. 15-16, grifos não originais).

Como podemos observar, a proposta de ensino médio da Unesco defende fundamentalmente a formação para a empregabilidade (NEVES, 2000), uma formação destituída de conhecimentos clássicos e voltada para a exclusão, em algum momento da vida laboral.

[...] A capacidade de aprender de maneira independente, combinada à formação que não é restringida a uma única carreira, oferecida pela orientação vocacional, assegurará aos indivíduos a flexibilidade necessária para responder às exigências do mercado de trabalho por meio da aquisição de novas habilidades profissionais à medida que as antigas se tornem obsoletas (UNESCO, 2008, p. 24-25).

Tal modelo de educação secundária deveria proporcionar aos jovens múltiplas habilidades que os tornem capazes de se integrarem à força de trabalho – e, se necessário for, a se reintegrar por mais de uma vez ao longo de sua vida profissional –, seja como assalariados ou empreendedores autônomos, de se formarem novamente quando suas habilidades se tornem obsoletas e a participarem de maneira sustentável em seu próprio desenvolvimento econômico e social bem como no desenvolvimento da própria comunidade (UNESCO, 2008, p. 29, negrito não original).

Em síntese, para a Unesco o básico se restringe ao letramento e a numerização, o que justifica a defesa de um modelo minimalista, de caráter pragmático e submisso aos interesses do mercado por mão de obra simples. Propõe itinerários que naturaliza as diferenças de classe e acentua a tendência de terminalidade do ensino médio para a maioria dos jovens. O novo ensino médio brasileiro incorpora, literalmente ou de maneira adaptada, muitas dessas ideias, como exposto no tópico 4.3 deste trabalho. Isso demonstra a influência dessas organizações nos rumos educacionais dos sistemas públicos de educação e a penetração desse ideário.

A seguir, intentamos abordar justamente a atuação do empresariado brasileiro nessa empreitada, qual seja, a disseminação e implementação da agenda do capital para a educação em nosso país.

2.5 A AGENDA DO EMPRESARIADO BRASILEIRO PARA A EDUCAÇÃO: