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1 REVISÃO DA LITERATURA

1.1.4 O olhar do idoso brasileiro

No Brasil, os responsáveis pela transformação do envelhecimento em problema social foram populares anônimos (DEBERT, 2003). No início dos anos de 1990, aposentados e pensionistas tomaram as ruas para protestar. Esse movimento estava sendo articulado na década de 1980, em torno da eleição da Assembleia Nacional Constituinte para a elaboração de prerrogativas relacionadas à seguridade social. Os esforços feitos pela “revolta dos velhinhos” (SIMÕES, 2004, p. 30), como ficou conhecido esse movimento, trouxe à tona a questão do envelhecimento na sociedade brasileira, transformando o idoso em ator social que, conforme Debert (2003), deixou de se limitar aos problemas econômicos, voltando-se também para a preocupação de integração social desse grupo. Ao se articularem, os idosos fizeram o percurso para a construção de sua identidade. Conseguiram atrair a atenção do público e obtiveram legitimação.

A Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) apresenta artigos dirigidos para o idoso. A partir daí, várias leis surgiram. Em janeiro de 1994 o governo federal sancionou a Lei n° 8.842 (BRASIL, 1994), que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, criando o Conselho Nacional do Idoso e dando outras providências. Em 3 de julho de 1996, foi assinado o Decreto n° 1.948 (BRASIL, 1996), que regulamenta a Lei de 1994, versando sobre a Política Nacional do Idoso e assegurando outras providências.

Os idosos ganharam expressão e todas essas conquistas levaram para a mais completa expressão da representação feita pela sociedade brasileira sobre e para o envelhecimento: a Lei n° 10.741, de 1° de outubro de 2003 (BRASIL, 2003), conhecida como o Estatuto do Idoso. Uma conquista do século XXI que teve sua semente plantada no século XX.

Esta Lei trouxe muitos benefícios e aflorou o tema longevidade, mas os desafios não são poucos e vale lembrar que, quando existe o interesse em discutir questões do processo de envelhecimento, o mínimo que se pode esperar é o

cumprimento da legislação. No entanto, o Encontro Nacional de Idosos realizado em outubro de 2005 (CARTA, 2005), que resultou na Carta Aberta à Nação Brasileira, apresenta as manifestações e os sentimentos dos participantes, alertando para vários pontos que não se concretizavam. Este documento afirma que, após 21 meses da sua sanção, o Estatuto do Idoso ainda permanece desconhecido em algumas esferas administrativas federais, estaduais e municipais e, o mais alarmante, é desconhecido pela maioria dos idosos. Argumenta, também, que após reuniões, estudos e discussões, o Poder Público ainda está longe de cumprir a sua parte e demonstra que são os idosos que estão assumindo a responsabilidade de participar da vida nacional para melhorar o rumo de todas as gerações de brasileiros.

Da mesma forma, de acordo com o que foi apresentado nessa Carta, a mobilização em torno das reivindicações educacionais e culturais, é muitas vezes derrotada e desfeita por manobras que minimizam intencionalmente as reais necessidades e supervalorizam, em seu lugar, outras atividades. Mas, numa visão global, a situação dos direitos dos idosos, no que se refere à cultura, esporte e lazer, é menos dramática do que em outras áreas. Essa referência múltipla se dá em função do Capítulo V do Estatuto do Idoso, em seus art. 20 a 25, ao abordarem essas áreas junto com a área da educação.

No setor educacional falta, conforme o documento, o conhecimento das condições sociais do envelhecimento. Faltam programas educacionais específicos para os idosos e não há propostas objetivas em relação à inserção do idoso nos diversos níveis do ensino formal. Em relação aos idosos analfabetos, é feita a solicitação de cursos de alfabetização especialmente dirigidos a essa grande parcela da população, com metodologia adequada a esse segmento. Faltam verbas e, muitas vezes, os recursos existentes são cortados. Também não há equipamentos adequados para os processos de educação de idosos. Em sua maioria, as universidades aberta de terceira idade (Unatis) são pagas e oferecem poucas vagas, ou seja, excluem economicamente e não atendem à grande demanda de idosos interessados.

Na busca de soluções para tais problemas, este documento enfatiza a necessidade de convocar os grupos organizados de idosos para permanecerem mobilizados e chama a atenção da opinião pública para:

• Criar cursos para formação e capacitação profissional destinados àqueles que trabalham em programas voltados para os idosos nas áreas da cultura, esporte, lazer e educação;

• Lutar pela criação de programas de inclusão digital para idosos, introduzindo o uso de computadores e da Internet e o acesso dos idosos a novas tecnologias;

• Pressionar pela criação de um número maior de cursos, universidades e escolas abertas públicas e gratuitas;

• Valorizar a condição ímpar do idoso como transmissor da memória histórica, das tradições e dos valores culturais, através de programas que estimulem o encontro e a troca de experiências entre as gerações.

• Exigir a abertura dos horários e espaços especiais nos meios de comunicação, como prevê o Estatuto, com finalidade educativa, artística, cultural e informativa quanto ao processo de envelhecimento;

• Incluir a educação para o envelhecimento nas grades curriculares do ensino fundamental, do ensino médio e da educação superior.

Nas considerações finais encontra-se a argumentação: “Salta à vista a conclusão de que o Estatuto do Idoso ainda é um desconhecido” (CARTA..., 2005) mesmo nos grandes centros onde a prática de políticas públicas já é implantada. Dessa maneira, é questionado como deve ser, então, nas regiões mais remotas. Em vista disso, é convocada a mobilização dos idosos e suas organizações, de todas as forças da sociedade brasileira, empenhadas na criação e efetivação de uma política de envelhecimento, para que o Brasil possa se preparar para o fenômeno do envelhecimento populacional das próximas décadas.

A Carta solicita a realização de esforço na divulgação e discussão do Estatuto do Idoso em escolas, faculdades, órgãos públicos, locais de atendimento e de trabalho, bem como nas comunidades. Esse esforço deve ser voltado para que os direitos e deveres, estabelecidos pelo Estatuto, passem a ser conhecidos e praticados por todos os brasileiros, tornando possível criar uma vida de melhor qualidade para todas as gerações.

Adverte, também, ser fundamental que o governo e toda a sociedade brasileira reconheçam que os cidadãos da Terceira Idade constituem o mais valioso patrimônio de qualquer país que aspire a ser uma nação verdadeiramente

desenvolvida, não somente do ponto de vista econômico, mas ainda do social, do político e do cultural. Os idosos são os depositários da memória cultural do povo: a memória das lutas em prol da democracia, em seu sentido mais radical, de liberdade igualdade e justiça.

Finalizando este documento encontra-se a seguinte frase que dispensa interferência: “Já fizemos muito durante nossas vidas, mas ainda temos muito para contribuir” (CARTA..., 2005). Fica evidente que a população de idosos está fazendo a sua parte para manter as conquistas e, principalmente, para se fazer presente em nossa sociedade, não somente como pessoas que vivem mais, mas como pessoas que vivem melhor e que procuram transpor os obstáculos.

Debert (1994), em seu estudo sobre gênero e envelhecimento, argumenta que o público masculino costuma estar mais mobilizado para questões que remetam à luta pelos direitos do cidadão, por meio da militância nas associações de aposentados e pensionistas. Para a autora, as mulheres idosas são mobilizadas pela luta por mudanças culturais amplas. No caso do encontro dos idosos que resultou na Carta Aberta à Nação Brasileira, fica claro que a união se deu independente de gênero. O objetivo era uno: a busca do cumprimento do que lhes foi reconhecido como direito. Portanto, as diferenças de gênero deixaram de existir. Neste encontro ficou acentuado que, ao lutar pelos direitos individuais, os idosos estavam reivindicando uma sociedade mais justa. Percebe-se que os idosos solicitam apenas o que a lei lhes garante, mas que não está sendo devidamente cumprido: respeito e cidadania. Esta parcela populacional precisa e deve ser tratada com igualdade. As mudanças demográficas trouxeram visibilidade para os idosos, mas, apesar de ser um começo, não é suficiente. É necessário ação.

A população de idosos brasileiros cresce cada vez mais e o cidadão, inclusive o ainda não idoso, precisa preservar as conquistas adquiridas e lutar para que seja possível envelhecer com dignidade. Este tipo de atitude nos remete ao pensamento de Durkheim (1972), que afirma ser a socialização que faz com que o ser se humanize. Ao elaborarem a Carta à Nação Brasileira, os idosos se negaram a aceitar que nada mais têm a fazer além de esperar o descanso final. Eles pautaram sua existência como cidadãos que envelheceram, mas que têm muito a contribuir.

O envelhecimento populacional é resultado de fatores que surgiram no processo de mudanças sociais, que vão desde as conquistas da liberdade até as novas relações de poder, a distribuição de riqueza, novos padrões culturais,

sistemas de controle da vida humana e conquistas na medicina. Esses fatores unidos formam, conforme Santos (1995), a teia complexa da sociedade pós- moderna. Vivemos em um período de intensas transformações quando a abordagem da sociedade em rede, apresentada por Castells (2006), faz um sentido amplo e reflexivo. Para este autor as redes são estruturas abertas, capazes de expandir-se de modo ilimitado, integrando novos nós, desde que compartilhem valores e objetivos próximos. No que tange à abordagem do envelhecimento humano, os desafios a serem alcançados, não só pelos idosos, mas por toda a sociedade, devem ser compartilhados. Dessa maneira seremos uma rede capaz de expandir informações, decisões, argumentações e ações voltadas para um futuro em que se possa viver essa etapa da vida de modo mais satisfatório. Para Novaes (1997) envelhecer não é seguir um caminho já traçado. Envelhecer é construir permanentemente o caminho a ser percorrido. Que este caminho possa, então, ser percorrido por todos nós. A educação pode possibilitar não só o conhecimento, mas a socialização de maneira a contribuir para que esta parcela populacional possa continuar participando ativamente.

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