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1.2 Sopros Liberais no Brasil

1.2.2. O papel das sociedades secretas

Alexandre Barata alerta que a historiografia brasileira no colonialismo trata o tema da maçonaria como um paradoxo: ou ela é muito citada como ferrenha defensora da Independência ou é pouco conhecida, relegando sua participação nos acontecimentos.275 A atuação maçônica ganhou corpo na nação luso-brasileira na década de 1820, com a Revolução Portuguesa, cujo espaço servia para a discussão e propagação de ideias políticas. Referidos posicionamentos ganhavam expansão fora das reuniões maçônicas, por intermédio dos periódicos e panfletos, vários deles escritos ou dirigidos por maçons. À guisa de exemplo, destacamos o Correio Braziliense, escrito por Hipólito José da Costa; o Revérbero Constitucional Fluminense, editado por Joaquim Gonçalves Lêdo e Januário da Cunha.

273

JÚNIOR, Caio Prado. Op. Cit..p.53.

274

SOUSA, Alberto. Op. Cit.Vol. 2. p. 808

275

BARATA, Alexandre Mansur. Sociabilidade Maçônica e Independência do Brasil (1820-1822).

Independência no papel: a imprensa periódica. In: História e Historiografia. Org: István Jancsó. São Paulo:

A partir de 1822 as atividades intensificaram ainda mais, destacando a loja “Grande Oriente do Brasil”, que adotou política mais cautelosa e rigorosa na escolha dos seus

membros, preferindo àqueles favoráveis à causa da Independência do Brasil, ainda que fosse ela apenas no seu sentido econômico, sem significar ruptura com os liames portugueses.

Ostentar uma nação constitucional era o ponto de convergência entre Lêdo e Bonifácio, não tardando vincular a pátria à figura de D. Pedro.

“A Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz foi fundada por José Bonifácio de

Andrada e Silva, em 2 de junho de 1822. O cargo maior de arconte-rei foi ocupado por D. Pedro e José Bonifácio, como seu lugar-tenente”. 276 A Loja Grande Oriente do Brasil foi fundada em 17 de junho de 1822, aclamando o nome de José Bonifácio para grão-mestre; suspeita-se, muito mais pela sua aproximação com o regente do que necessariamente pelas suas convicções maçônicas. Segundo relatos, foi Gonçalves Lêdo quem realmente assumiu a grão-maestria da Loja em virtude das ausências de Bonifácio para cuidar de assuntos de interesse do império, dado que era Ministro de D. Pedro.

“Para os maçons, imersos no caldo de cultura ilustrado, expandir a noção que o

homem virtuoso é o que é útil para os concidadãos, talvez fosse seu maior desafio. E para alcançá-lo, era necessário superar os “vícios”, ou seja, fanatismos, tiranias, supertições, ignorância. Vícios que eram percebidos como obstáculos à construção

de uma sociedade melhor, mais “civilizada”, mais “progressista”.277

A influência de Bonifácio no governo de D. Pedro pré e pós-independência é tão

destacada pelos historiadores que Therezinha de Castro afirma ter ele dominado “por

completo o gabinete de D. Pedro, dada sua cultura, personalidade marcante e íntima ligação

que mantinha com as sociedades políticas secretas” 278

.

As sociedades secretas, destacando a Maçonaria e a Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz, tiveram expressiva atuação na seara político- brasileira, exercendo trabalho “discreto e

276

BARATA, Alexandre Mansur. Op. Cit.p. 691.

277

Ibid., p. 680.

278

CASTRO, Therezinha. José Bonifácio e a Unidade Nacional. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1984. p. 56.

eficaz do proselitismo racionalista, ensinando civismo, disseminando informações e

inculcando ideias”.279

Justifica-se a relevância e o alcance do papel desempenhado, pois,

“numa terra balda de imprensa, de escolas e de outros meios de livre debate das ideias, estas cresciam à sombra das sociedades secretas.” 280

Segundo relatos da referida historiadora, a maçonaria teve seu berço na Inglaterra absolutista, dividindo-se em azul - adepta do regime monárquico afastado do absolutismo - e a vermelha, de origem francesa e partidária ao republicanismo 281, figurando como grande responsável pelas revoluções nesse sentido.

Em missiva de Frei Caneca registrada por Célia de Barros Barreto, escreve o religioso que apesar de as sociedades secretas trazerem objetivos outros, desenvolve um apostolado

“puramente político; porque seu fim é constituir o Império do Brasil”. 282

Disserta Barros Barreto que, dentre as sociedades secretas, a maçonaria era detentora de maior prestígio, dado seu caráter cosmopolita, por ter sido importada de Portugal e alastrado por toda a colônia. Assentava suas bases filosóficas em ideais liberais e

democráticos, de concepção “individualista tomada à ilustração do século XVIII” 283

, manifestando-se politicamente enquanto instituição acerbamente contrária ao absolutismo e consentâneos à defesa dos interesses da burguesia. Reputa-se à maçonaria o emblemático lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Entende Célia de Barros que a maçonaria buscou se fazer presente na política em situações que fosse possível atacar frontalmente o absolutismo:

“Assim, não apenas irá transformar seus membros revolucionários, mas tentará atrair

pessoas capacitadas a exercer poderes políticos. Desse modo, em nosso país, D. Pedro I torna-se maçom, não tanto porque faça seus os ideais maçônicos, mas porque a maçonaria interessa fazê-lo maçom”. 284

279

SALDANHA, Nelson Nogueira. Op. Cit.p.89.

280

FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Op. Cit.1960. p. 22

281

CASTRO, Therezinha. Op. Cit.p. 67.

282

BARRETO, Célia de Barros. História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II. Org. Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: Editora Difusão Europeia do Livro, 1962. p. 193.

283

Ibid., p. 193.

284

A maçonaria teve excelente receptividade no continente americano por trazer em seu arcabouço o rompimento com o absolutismo, tão praticado nas colônias que se viam oprimidas pelas metrópoles. No Brasil, a sociedade também se revestiu do seu viés revolucionário, sem servir, contudo, ao propósito da burguesia, tal qual ocorria nas lojas europeias, por ser uma classe praticamente inexistente. Atendia, assim, aos filhos dos proprietários de terras que inevitavelmente refletiam a ilustração sob o prisma dos seus interesses.

A historiadora entende que a maçonaria foi uma das grandes responsáveis pela emancipação brasileira por ter servido de local onde os brasileiros discutiam a filosofia iluminista, reconhecendo-se na precária condição de colônia. 285 A dura tomada consciencial desencadeou várias revoluções emancipadoras, tal qual a Inconfidência Mineira e a Revolução Pernambucana de 1817 286.

O movimento independente por intermédio das sociedades secretas e, principalmente, da maçonaria, levou D. João VI a expedir um Alvará em 30 de março de 1818 condenando todas as sociedades secretas e seus respectivos membros, por considerá-las conspiratórias contra o Estado. 287 Apesar dos insucessos revolucionários, elas crescem em prestígio e

periculosidade ao absolutismo. “No entanto, essa organização e esse poder alcançados pela

maçonaria não conseguem manter entre os membros um acordo sobre a fórmula pela qual se

faria a independência”. 288

José Bonifácio, por exemplo, não era defensor da linha republicana, mas sim adepto à união dos dois reinos, conforme dito acima, reunidos sob a bandeira da monarquia moderada.

285

BARRETO, Célia de Barros. Op. Cit.. p. 198.

286 Segundo entendimento de Afonso Arinos, a Revolução de 1817 foi considerada a “primeira e violenta

manifestação externa do liberalismo e do constitucionalismo no Brasil do século XIX”, com inegável influência

maçônica e liderada por importantes nomes como José Mariano Carneiro da Cunha e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e Silva. A junta revolucionária criou um governo provisório que atribuiu a este último a redação de projeto de Constituição da província pernambucana, com bases republicanas. In: FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Op. Cit.1960.p 23.

287

Referido Decreto foi objeto de discussão na Constituinte de 1823, sendo revogado na sessão do dia 20 de maio. O deputado Moniz Tavares chega a fazer comentários que a determinação do fechamento das sociedades secretas, violento ato tirânico, seria o mesmo que permitir a abominável escravidão do povo. In: Annaes do

Parlamento Brazileiro – Assembleia Constituinte de 1823 – Tomo Primeiro. Rio de Janeiro:Typographia de

Hyppolito José Pinto & Cia, 1876. p. 62.

288

As facções transformam-se, então, em verdadeiros partidos políticos à caça de filiados, ao mesmo tempo em que se tornam palco de acerbas lutas políticas.

A briga que marcou o movimento da Independência e da história do Brasil coube ao então ministro José Bonifácio e Joaquim Gonçalves Lêdo. O primeiro já era parte integrante do governo de D. Pedro, ao passo que o segundo buscava conseguir a confiança e o gracejo do monarca 289.

Forçoso entendermos que dividindo a atenção entre os dois “partidos”, o Regente

passou a ser figura de relevo nas conversas da independência. Durante este período de divergência interna na maçonaria, a Constituinte foi convocada para elaborar a nova Constituição, estendendo essa discordância às discussões em torno da nova Carta. Veremos mais adiante que essa discussão fez com que os portugueses acabassem ganhando espaço junto a D. Pedro, de forma a se fazer prevalecer, ainda que às ocultas, o absolutismo. 290

“A 28 de maio José Bonifácio é eleito Grão – Mestre do Grande Oriente do Brasil”,291

vindo a ser substituído por D. Pedro por meio de uma manobra de Lêdo e seus sectários, em 14 de setembro de 1822, com o intuito de buscar apoio no governo imperial. Em troca do almejado poder, o arranjo político fez fenecer, temporariamente, o ideal republicano, calando as vozes dos responsáveis pela sua instauração.