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O patrimônio ferroviário: do edifício isolado à paisagem

estabelecendo uma relação

1 PAISAGEM E PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO: ESTABELECENDO UMA RELAÇÃO

1.2 O patrimônio ferroviário: do edifício isolado à paisagem

A partir da década de 1960 o conceito de patrimônio histórico ganhou mais reconhecimento e expandiu o seu campo de atuação não só do ponto de vista tipológico, mas também cronológico e geográfico. A Carta de Veneza de 1964 foi o grande marco desse processo. A partir dela o antigo conceito de ‘patrimônio histórico’, que antes sempre esteve mais associado ao edifício isolado e àquelas obras monumentais de valor histórico e artístico mais relevante, teve o seu entendimento ampliado. A consequência disso foi que muitas obras que antes eram consideradas ‘menores’, como edificações da arquitetura vernacular, edifícios de épocas mais recentes, a exemplo da arquitetura industrial e moderna, além de conjuntos urbanos e paisagens, passaram a ter status de patrimônio cultural.

Os bens vinculados ao processo de industrialização sejam eles edifícios isolados, sítios industriais ou paisagens industriais, foram inseridos nessa nova perspectiva. A importância da preservação desse tipo de patrimônio para as futuras gerações é devido ao seu caráter universal e ao conjunto de valores que condensa, valores estes que dizem respeito não só à história da ciência e da técnica, mas a toda revolução sociocultural que o processo de industrialização desencadeou em escala planetária.

Sendo provenientes de um período extremamente importante para a história da humanidade, os bens legados pela Revolução Industrial não tinham os seus valores culturais reconhecidos justamente por não apresentarem características estéticas marcantes, o que resultou muitas vezes na perda e descaracterização de grande parte do seu acervo.

A consciência da preservação dos bens industriais ganhou força a partir da década de 1960 não só por causa da Carta de Veneza, mas principalmente por causa da demolição de significativos edifícios industriais principalmente da Inglaterra e da França, o que gerou uma grande comoção popular. Essas demolições, reflexo direto das aceleradas transformações urbanas ocorridas naquela época, foram responsáveis pela descaracterização ou destruição não só de edifícios industriais, mas também das paisagens por eles criadas, que eram marcadamente industriais.

A partir de então, especificidades não apenas de ordem tecnológica, histórica e/ou documental desses artefatos começaram a ser identificadas e valorizadas, mas também ganharam destaque questões como a sua inserção no meio urbano, a caracterização de paisagens industriais e as interações sociais estabelecidas no interior e no entorno das atividades produtivas (RUFINONI, 2010).

Após quase seis décadas de discussão sobre a preservação do patrimônio industrial, ainda são poucos os trabalhos e estudos que abordam a questão de uma maneira mais aprofundada e oferecem procedimentos teórico-metodológicos e técnico-operacionais mais consistentes para a abordagem do tema (KÜHL, 2008). Uma das dificuldades encontradas no estudo do patrimônio industrial advém do seu caráter eminentemente interdisciplinar, que requer um grupo de especialistas de várias áreas do conhecimento tais como arqueólogos, arquitetos, engenheiros, historiadores, restauradores e antropólogos, dentre outros.

Outro problema é a demasiada especificidade dos complexos industriais que torna muito difícil a adaptação ou compartilhamento de outros usos associados. A questão das grandes dimensões dos sítios industriais também faz parte dessa problemática, pois muitas vezes eles extrapolam os limites territoriais de um município atingindo

zonas urbanas e rurais, como é o caso da ferrovia, colocando um grande problema de gestão.

O universo que engloba os bens legados pela industrialização é complexo e por isso, deve ser estudado com apurado rigor técnico e uma análise cuidadosa dos seus valores culturais, dada não apenas à sua importância histórica e científica, mas também estética e social. Visando dar mais suporte metodológico na abordagem do

patrimônio industrial o TICCIH8, tomando como base os princípios da Carta de

Veneza de 1964, lançou no ano de 2003 a Carta de Nizhny Tagil, que trouxe definições e princípios de atuação para a conservação do patrimônio industrial, reunindo de forma amadurecida muitas ideias debatidas ao longo de décadas de discussão sobre o tema (KÜHL, 2010).

Segundo o documento citado, o patrimônio industrial “compreende os vestígios da

cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico” (ICOMOS, 2003). Os complexos industriais, os engenhos, os portos, os meios de comunicação e de transporte (a exemplo das ferrovias), a produção de energia (gasômetros, moinhos de vento e etc.), além dos “locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação” (ICOMOS, 2003), são exemplos de tipologias do patrimônio industrial.

A carta de Nizhny Tagil define a arqueologia industrial9 como o método mais

adequado para o estudo dos bens legados da industrialização e chama a atenção para a importância da identificação, do inventário e da investigação na preservação do patrimônio industrial. O documento apresenta também diretrizes para a preservação legal desses bens, bem como para a sua manutenção e conservação, além de abordar a questão da importância da inclusão dessa pauta na educação em níveis primário e secundário e também na formação profissional em níveis superior e técnico.

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TICCIH - The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage. 9

A Carta de Nizhny Tagil define a ‘arqueologia industrial’ como o método mais adequado para estudar “os documentos, os artefatos, a estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou por processos industriais” (ICOMOS, 2003). Esse método deve ser multidisciplinar e englobar diversos profissionais especializados em diversos campos do saber.

Segundo o documento de Tagil (2003), por serem vestígios de uma época que transformou completamente o modo de viver e de ver o mundo, os bens legados da industrialização se revestem de um valor universal incontestável. Além do valor universal, esses bens condensam outros tipos de valores que são intrínsecos aos próprios sítios, edifícios, maquinaria, paisagens, documentação e registros intangíveis contidos na memória coletiva. Alguns desses valores são: o valor social, o valor científico e tecnológico, o valor estético, o valor de raridade, o valor de uso, o valor histórico e o valor paisagístico (ICOMOS, 2003).

Por décadas o reconhecimento desse tipo de patrimônio sempre esteve mais ligado a valores histórico-documentais ou em qualidades estéticas dos bens identificados, numa abordagem declaradamente mais material. Os valores intangíveis, que diziam respeito às atividades que geraram os espaços industriais e que deram vida a outros valores, sempre foram relegados a segundo plano ou até mesmo esquecidos.

A dimensão material do patrimônio industrial é resultado de um conjunto de atividades cuja finalidade não era a construção de conjuntos arquitetônicos de valor estético. Eram as atividades desempenhadas nos edifícios que geravam as relações sociais, relações que podiam ser apenas de trabalho ou relações afetivas entre os trabalhadores e seus locais de trabalho. Segundo Menezes (apud RODRIGUES, 2010), os valores estão nas relações humanas e não nos objetos, que têm apenas propriedades físico-químicas.

Desse modo, uma abordagem excessivamente material do patrimônio industrial é inadequada, pois reduz os sentidos da herança cultural que se cristalizam nas relações sociais e simbólicas por ele geradas entre os indivíduos e destes com o meio onde trabalham ou vivem. São essas relações de ordem material e imaterial estabelecidas entre os sítios industriais, o meio onde estão implantados e a sociedade que constituem o que entendemos por ‘paisagens industriais’.

Neil Cossons, autor que desenvolveu importantes pesquisas quanto à questão da interpretação dos artefatos industriais como artefatos culturais afirmou que as paisagens industriais contribuem para a configuração da ‘personalidade’ de uma

região (RUFINONI, 2010). Segundo ele, para apreender essa ‘personalidade’ é preciso ir além das características estéticas e formais dos edifícios, para chegar também às características intangíveis da área. É importante ter presente que os elementos dessas paisagens não podem ser tratados isoladamente, mas em conjunto, pois é a escala monumental, a relação dos edifícios com o entorno e o efeito de conjunto, que conferem representatividade às áreas (RUFINONI, 2010).

A questão do estudo dos artefatos industriais no âmbito da paisagem é muito pertinente para uma importante tipologia do patrimônio industrial: o patrimônio ferroviário. A complexidade inerente à ferrovia, que reside tanto na sua estruturação espacial em rede, que se dava em escala territorial, quanto no seu sistema operacional, nas suas técnicas construtivas, nos seus arranjos funcionais, na diversidade de tipologias arquitetônicas e de conjuntos operacionais e na teia de relações simbólicas que a ferrovia tecia em cada lugar por onde passava, torna sem sentido o estudo isolado dos seus elementos, que devem ser abordados em conjunto, numa perspectiva relacional.

No entanto, o que se constata na realidade é que na literatura existente10 o

patrimônio ferroviário não tem sido abordado como paisagem. A grande maioria dos estudos existentes têm se dedicado mais ao campo da arquitetura ferroviária, cujo foco de análise está mais concentrado nas técnicas construtivas, nas tipologias edilícias e na organização espacial das esplanadas, mas não na paisagem.

No ano de 2010 um estudo realizado pela Fundação Cultural de Curitiba procurou suprir essa lacuna no estudo relacionando ferrovia e paisagem. O trabalho resultou no livro ‘Pelos Trilhos: Paisagens Ferroviárias de Curitiba’ (2010), cujo objetivo foi a identificação e registro das paisagens criadas pela estrada de ferro Curitiba- Paranaguá, mais especificamente de três ramais ferroviários. O trabalho enfatizou a importância de caminhar sobre os trilhos e destacou que o ‘olhar’ e o ‘caminhar’ são exercícios fundamentais que permitiram aos pesquisadores “descobrir, entender,

interpretar e criar possibilidades analíticas às paisagens ferroviárias” (CORDOVA,

2010, p. 22).

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Das pesquisas realizadas sobre ferrovia e paisagem em bancos de dados on-line foram encontrados apenas quatro estudos sobre o tema.

Apesar do resultado interessante, o estudo se restringiu apenas à zona urbana de Curitiba, focou em elementos materiais da ferrovia e considerou apenas o olhar técnico no processo de identificação da paisagem. E o que acontece com os outros bens, principalmente as obras d’arte e os núcleos ferroviários localizados também em zonas rurais, como é o caso do trecho da serra das Russas?

Nesses casos, assim como nos ambientes urbanos, os elementos ferroviários não podem ser vistos isoladamente em si, mas em associação com outros elementos como o uso da terra e a relação da população residente com o lugar, dentre outros, ou seja, os aspectos intangíveis da paisagem. Esses aspectos intangíveis, muitas vezes negligenciados nas políticas de proteção do patrimônio, são essenciais para a manutenção da ‘personalidade’ de uma paisagem, e para serem apreendidos é necessário incluir o olhar, a percepção das pessoas.

O caráter amplo e complexo do patrimônio ferroviário gera dificuldades de ordem metodológica para a abordagem da sua conservação. A Carta de Niznhy Tagil (ICOMOS, 2003) diz que nem tudo pode ser preservado e por isso, é preciso selecionar os exemplares mais representativos. Mas, diante da natureza sistêmica do patrimônio ferroviário e da sua complexidade, o que preservar diante deste vasto acervo? A questão torna-se ainda mais complicada porque o patrimônio ferroviário ultrapassa fronteiras geopolíticas, corta regiões inteiras, interliga municípios, está presente em áreas urbanas e áreas rurais, colocando-nos um pertinente problema de gestão.

Por causa dessa problemática não há no Brasil um consenso sobre critérios de preservação para o patrimônio ferroviário nos níveis estadual e federal, gerando interpretações diferenciadas nas diversas instâncias dos diversos estados. Comparado a organismos internacionais, como a UNESCO, o entendimento nacional diverge principalmente no que diz respeito ao reconhecimento de sítios ferroviários, pois, apesar dos avanços, aqui a preservação ainda está muito vinculada ao reconhecimento de edifícios isolados.

No Estado de Pernambuco até o ano de 2001, apenas quatro estações tinham tombamento efetivo: a estação de Garanhuns, a estação de Petrolina (Figura 01), a Estação Central (Figura 02) e a estação do Brum, ambas no Recife. Além desses bens isolados existia também o tombamento de um trecho ferroviário, a Estrada de Ferro Recife/Gravatá, cujo tombamento data de 1986 e apesar de reconhecer um trecho inteiro, é muito vago em relação àquilo que se propôs a proteger, pois não especifica claramente nenhum elemento.

Figura 01: Estação de Petrolina. Figura 02: Estação Central do Recife.

Fonte: Disponível em:

<http://www.petrolina.pe.gov.br>. Acesso em: ago. 2013

Fonte: Inventário do Patrimônio Ferroviário - I

Etapa, IPHAN, 2008.

Em 2001, a FUNDARPE publicou um edital para o tombamento de cinquenta e quatro edificações do patrimônio ferroviário edificado no Estado de Pernambuco pertencentes à RFFSA. No mesmo ano, foi dado início o trabalho de levantamento fotográfico das esplanadas e das edificações remanescentes. Na ocasião, foi constatado que o acervo ferroviário do Estado era muito mais amplo do que o citado no edital e que muitos edifícios importantes tinham sido excluídos do processo de tombamento, evidenciando a fragilidade e vulnerabilidade do documento.

Diante desse fato, em outubro de 2006, temendo não deixar nada de fora, foi

publicado um novo edital que tombou de forma ‘temática’ todo o Patrimônio

Ferroviário Edificado no Território do Estado de Pernambuco que pertence ou pertenceu à Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA. Esse edital incluiu no bojo da proteção além das edificações, as linhas férreas com os seus leitos, trilhos e

dormentes e as obras d’arte, ou seja, literalmente todos os elementos ferroviários, o que é inviável sob o ponto de vista da gestão. Sob o ponto de vista jurídico o tombamento temático é também inconsistente, pois não especifica e descreve a propriedade daquilo que deve ser protegido.

A partir de 2011, tendo em vista a ameaça de destruição de uma importante esplanada ferroviária localizada na área central da cidade do Recife, a FUNDARPE definiu algumas diretrizes de preservação para o patrimônio ferroviário no estado. As diretrizes expressam o amadurecimento do órgão em relação ao patrimônio ferroviário, pois sugerem que a leitura do seu acervo seja feita tendo como base o seu caráter de conjunto, que deve ser compreendido a partir dos seus percursos em rede, tanto em âmbito local como regional. Esses percursos, que nunca deveriam ser interrompidos tendo em vista a possibilidade de revitalização da Rede, são o fio condutor que une as edificações ao lugar onde estão inseridas, entendendo a ferrovia na paisagem. No entanto, por serem recentes, essas diretrizes não foram aplicadas dentro de uma política efetiva de proteção do patrimônio ferroviário no Estado.

Em âmbito federal a problemática de reconhecimento dos bens ferroviários persiste.

Desde que a RFFSA foi extinta por meio da lei 11.483 em 200711, o IPHAN tem

adotado medidas contínuas de proteção desse acervo e tem tentado adotar diretrizes metodológicas, ainda que sem muitos avanços, para a sua conservação. No ano de 2008, por meio da Portaria nº 208, o IPHAN instituiu a Coordenação Técnica para o Patrimônio Ferroviário, que teve como objetivo “promover discussões acerca das questões conceituais e estabelecer procedimentos para lidar com as atribuições resultantes da Lei nº 11.483/2007 e dos decretos nº 6.018/2007 e nº

6.769/2009” (Disponível em http://portal.iphan.gov.br. Acessado em março de 2013).

A realização de inventários de conhecimento, que se iniciou logo após a promulgação da lei nº 11.483/2007, foi a primeira medida tomada pela instituição para poder conhecer de fato a natureza, a abrangência e o estado de conservação dos bens da Rede Ferroviária destinados à União para a salvaguarda.

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A lei nº 11.483 de 2007 atribuiu ao IPHAN a salvaguarda dos bens da extinta RFFSA que possuírem valor histórico-cultural.

O instrumento do ‘Inventário’, assim como recomenda a Carta de Nizhny Tagil (ICOMOS, 2003), foi aplicado em todas as regiões do país onde existiu a ferrovia e desempenhou um papel importante no conhecimento do universo ferroviário brasileiro. Mesmo se tinha apenas um caráter quantitativo, o trabalho de inventariança serviu para mensurar a realidade existente, o estado de conservação e de preservação dos bens materiais e documentais do acervo ferroviário.

Em Pernambuco a superintendência local realizou um inventário de conhecimento entre os anos de 2008 e 2009, que foi dividido em duas etapas devido à vastidão do acervo existente. A primeira etapa englobou o levantamento dos conjuntos ferroviários, dos bens móveis e integrados e do acervo documental (bibliográfico e arquivístico). A segunda etapa foi destinada ao levantamento das obras d’arte ferroviárias, do material rodante, dos trechos ferroviários mais significativos e dos equipamentos de sinalização e manobra. Após a realização do Inventário, o IPHAN deu continuidade às ações de preservação através da divulgação, identificação, valoração e conservação dos bens ferroviários, realizando ainda workshops,

palestras e o projeto de restauro de algumas estações12, estrategicamente

selecionadas.

A fase que se seguiu à realização dos inventários e que dura até hoje é de avaliação qualitativa do acervo levantado, procurando estabelecer escalas de interesse e de prioridades para a preservação. A aplicação do instrumento do inventário por si só pré-estabelece um grau de relevância e de interesse do acervo ferroviário pela instância federal, mesmo que o bem não tenha ainda status de tombamento.

A questão da não utilização do instrumento de tombamento para a preservação do patrimônio ferroviário é um ponto que merece ser aprofundado. Por ter sido incluído no Programa Nacional de Desestatização (PND) o patrimônio da Rede Ferroviária

ficou sujeito à lei nº 10.413/200213, que previu a desincorporação dos bens

tombados das empresas privatizáveis e alteração da sua propriedade, que passaria

12

As estações selecionadas para o projeto de restauro foram as estações de Camaragibe, São Lourenço da Mata, Paudalho e Pombos.

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Determina o tombamento dos bens culturais das empresas incluídas no Programa Nacional de Desestatização.

“a integrar o acervo histórico e artístico do país” (Disponível em http://portal.iphan.gov.br. Acessado em março de 2013). Ou seja, a lei alterou a propriedade do bem, repassando-o para a União, mas não determinou especificamente qual a instituição que seria responsável por ela. Essa questão gerou um grande impasse, pois o Decreto Lei nº 25/1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, não alterou a propriedade de um bem tombado, impôs-lhe apenas restrições quanto ao seu exercício. Outro impasse com relação à questão do tombamento se dá porque a instrução deste exige um apurado e complexo estudo técnico do bem a ser protegido. A complexidade do processo de tombamento não é viável para bens de larga escala, como é o caso do patrimônio ferroviário.

Tendo em vista essas questões, em 2010 o IPHAN publicou a portaria nº 407, que instituiu a ‘Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário’ e estabeleceu parâmetros de

valoração visando à proteção da ‘memória ferroviária’, tema escolhido como eixo

central para a preservação do Patrimônio Ferroviário em âmbito nacional. Essa portaria, apesar de trazer informações práticas sobre procedimentos administrativos para o tratamento dos bens ferroviários dentro da instituição, não contribuiu muito no tocante à definição de conceitos e critérios de valoração que pudessem auxiliar na criação de uma metodologia de abordagem e proteção dos bens.

A ‘Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário’, que veio substituir o instrumento de

tombamento, teve como escopo o controle e gestão dos bens de reconhecido valor artístico, histórico e cultural inscritos na lista. Esses bens, uma vez inscritos, gozariam de proteção correlata a um bem tombado. A gestão da lista competiria à uma comissão de especialistas denominada Coordenação Técnica do Patrimônio Ferroviário.

A primeira lista foi publicada por meio da portaria nº 441, de 13 de dezembro de 2011, e trouxe a seleção de 364 imóveis elencados entre os anos de 2007 e 2010 (Figura 03). Constam na lista bens imóveis de diversas tipologias como terrenos, estações, armazéns, oficinas, casas residenciais e pátios ferroviários. O que chama atenção, no entanto, é que a grande maioria são bens isolados e quando inscritos como parte de um conjunto, a Lista o faz de forma individual, ou seja, considerando

a singularidade de cada bem em si e não a relação dele com o conjunto do qual faz parte. Esse fato demonstra a dificuldade do reconhecimento na prática do caráter de conjunto desses bens.

Figura 03: Mapa do Brasil com a indicação da quantidade de bens inscritos na Lista do

Patrimônio Cultural Ferroviário por região.

Fonte: Mapa elaborado pela autora tendo como base o mapa das regiões brasileiras do IBGE

disponível em: < http://www.geoensino.net >. Acesso em: jul. 2013

Outra questão é que de todos os bens elencados apenas dois, uma Grua (ou guindaste) no Rio de Janeiro e uma ponte do Ceará, fogem, por assim dizer, ao arquétipo marcadamente imobiliário da Lista. Trechos ferroviários inteiros, com a via