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CAPÍTULO II ENTRE O LIRISMO E O PALANQUE: LITERATURA,

2.2 Os grêmios literários

2.2.1 A Padaria Espiritual

2.2.1.1 O periódico O Pão e as críticas a Rodrigues de Carvalho

Ao ter acesso à lista dos trinta e quatro sócios durante as duas fases da Padaria, muito embora alguns biógrafos relatem que José Rodrigues de Carvalho fez parte desta agremiação, seu nome não aparece entre os “padeiros”. Talvez tenha ocorrido alguma confusão dentre os nomes dos intelectuais, uma vez que há um sócio chamado José Carvalho, que muito embora também tenha realizado obras e estudos dedicados ao folclore nordestino, nasceu em Crato/CE.

Por outro lado, Sanzio de Azevedo explica que alguns intelectuais, mesmo que não tenham atuado no grupo como “padeiros”, bem como não apresentassem nome de guerra, ainda assim tiveram suas obras publicadas na Padaria ou mesmo receberam títulos como “Padeiro-Mor Honorário”:

Houve figuras importantes que não foram da “Padaria” é claro. Oliveira Paiva, por exemplo, embora seja às vezes citado como “padeiro”, não pertenceu ao grêmio. Seu romance, porém, foi anunciado na 4ª capa do citado livro de Sabino Batista, com uma das obras a ser publicada pela entidade. Juvenal Galeno, por sua vez, se não foi “padeiro”, com nome de guerra e atuação no grupo, teve a glória de receber o título de “Padeiro-Mor Honorário”, quando se completou 59 anos de idade. (AZEVEDO, 1970, p.29) Não obstante, mesmo que Rodrigues de Carvalho não tenha participado como membro da Padaria Espiritual, o que se sabe é que seu nome sempre circulou junto aos “padeiros”. No Almanach do Ceará53 e Almanach Popular Brasileiro54, onde ambos divulgavam obras,

esboços biográficos, anedotas, textos literários e anúncios, Carvalho e alguns integrantes da Padaria foram colaboradores literários, dividindo as mesmas edições e quando não, seções literárias. Para tanto, essa agremiação planejou organizar e publicar anualmente o Almanack do Ceará, pois se pretendia, segundo o Programa, em artigo de número XXXVII: “Publicar- se-á, no começo de cada ano, um almanaque ilustrado do Ceará, contendo indicações úteis e inúteis, primores literários e anúncios de bacalhau” (AZEVEDO, 1970, p. 11).

Porém, não foi encontrado nenhum registro que comprove a publicação deste Almanack idealizado pela agremiação. No entanto, alguns padeiros, tais como Antônio Sales, Juvenal Galeno, Sabino Batista, José Carvalho, Lopes Filho, Antônio de Castro e Álvaro Martins mantiveram vínculo com outros almanaques da época, publicando sonetos, contos e poesias no Almanach do Ceará e Almanach Popular Brasileiro. Todavia, apesar dessas

53 Almanaque organizado por João Câmara no fim do século XIX.

possíveis colaborações, foi somente no órgão O Pão que Rodrigues de Carvalho se fez mais presente nas falácias entre os “padeiros”.

O Pão foi criado pela Padaria Espiritual como uma espécie de porta-voz para os interesses da agremiação, no intuito de servir como veículo disseminador do pensamento e ideias da agremiação, na medida em que divulgava suas produções literárias, “pois além de sanar os problemas relacionados com a edição em volume, a publicação dos textos nas colunas do jornal também era uma forma de sondar a aceitação do público” (BRITO 2008, p. 61). O Pão teve duas fases imbricadas com as etapas da Padaria, marcada pela sua reorganização, em 1894, e pela entrada de novos membros, tais como Rodolfo Teófilo, José Carlos Junior, X. de Castro e Antonio Bezerra. Na primeira fase (1894-1895) foram publicados seis números55 e na segunda (1895-1896), apresentaram-se trinta números. Ao que

vale salientar este periódico também foi distribuído fora do Estado do Ceará e funcionou, a contento, como órgão de intercâmbio cultural.

De acordo com Sanzio de Azevedo (1970), vários dos componentes da Padaria eram simbolistas, entretanto não havia ligação com a poesia simbolista de Cruz e Sousa e sim diretamente de Portugal, através do livro de Antônio Nobre (1867-1900). Mas, ainda segundo Azevedo, havia poetas desta agremiação que não comportavam designação de simbolista, como foi o caso de Antônio Sales, Álvaro Martins, Antônio de Castro, Sabino Batista, entre outros; todavia, nenhum destes “chegou a ser, pelo menos no tempo da ‘Padaria’, um perfeito parnasiano, tão autenticamente quanto Lívio Barreto foi um verdadeiro simbolista” (1970, p. 29).

Mais comprometido com a estética realista-naturalista, Antônio Sales, em artigo publicado em O Pão sobre o livro Prismas, de José Rodrigues de Carvalho, faz uma análise das três partes da obra – Blocos, Ruínas e Salgueiros, pautando-se em duras críticas. Primeiro, ao examinar o livro, salienta que sua forma é bastante defeituosa, tendo ainda alguns versos “errados e frouxos” ou mesmo compostos por “ritmos imperfeitos”. Em seguida, Sales passa a apontar minuciosamente esses versos adjetivados por ele também como “duro” e áspero” ao ouvido, reescrevendo-os e exemplificando-os, na tentativa de comprovar ao público leitor que:

Por essas amostras vê-se bem que o poeta não é forte em metrificação,e quanto a outros requisitos da fórma, notámos-lhe pobreza de rimas, cousa patente sobretudo nos seus sonetos, onde quase nunca têm os quartetos rimas similares, e pobreza de vocabulário, o que dá lugar á repetição enfadonha de

55 Conforme Newton Gonçalvez (1981), nas primeiras publicações da primeira fase de O Pão não havia matérias

de expressão literária, nem em termos de conteúdo e forma. O periódico apresentava algumas quadras humorísticas, piadas, notícias do movimento turístico e uma incipiente crônica social.

palavras – pyrilampo precito, nimbo, goino, etc. (O Pão, 31 de outubro de 1896)

Os polemistas, mesmo sem que houvesse posições para explicar a causa do conflito, buscavam apontar os erros de seus interlocutores. Roberto Ventura (1991) explica que, mais do que por razões de possíveis diferenças de perspectiva teórica ou ideológica, essas polêmicas se estabeleciam por motivações pessoais e por disputas pelo poder intelectual. Segundo ele, as diferenças eram marcadas em “um sistema intelectual em que estas não são profundas, sendo antes distinções inseridas em modelos de pensamento bastante semelhantes” (VENTURA, 1991, p. 146).

Nos parágrafos adiante, Sales confessa apreciar as concepções e intenções filosóficas utilizadas pelo poeta, mas logo depois o ataca novamente em críticas, fazendo reparos gramaticais, além de mencionar falta de clareza das expressões, imperfeições nas imagens, incoerência entre as estrofes, problemas na metrificação e de afinidade entre as premissas e conclusões. Não obstante, o que se pode notar é que os comentários de Antonio Sales opõem- se com maior veemência às imagens desenhadas por Carvalho, quando referenciados à subjetividade e à imaginação, que afinal descortinavam a falta de objetividade e nitidez evocada pela prosa realista-naturalista e partilhada pela poesia parnasiana:

Luto cor de rosa e palmeiras azues... Em que extranho paiz se darão estas aberrações do colorido? Ou está o poeta soffrendo de daltonismo? [...] As exigencias metricas fazem o poeta resar num collar quando toda a gente que resa o faz num rosario. (O Pão, 31 de outubro de 1896)

Otacílio de Queiroz justifica as críticas sofridas por Rodrigues de Carvalho pela Padaria Espiritual, tendo como pretexto o lugar de origem do autor e as precárias condições intelectuais oferecidas pela sua “pequena província”:

(...) o Ceará era fértil áqueles tempos em academias, associações e grêmios literários e a Padaria, datando de 1892, congregava nomes tais como Adolfo Caminha, Rodolfo Teófilo, Antônio Sales e Oliveira Paiva. Podemos imaginar a desigualdade dos lutadores. Rodrigues de Carvalho, chegado de sua pequena província, sem guias espirituais autênticos, sem bibliotecas, mestres que lhe abreviassem as dificuldades, sem leituras bem orientadas nem prestígio, decerto no mas ingente autodidatismo, só poderia ali realizar, no caso, uma proeza de valor isolado como ainda sói ocorrer em relação a muitos, que mourejam em determinadas províncias, sob a precariedade do mesmo autodidatismo. (QUEIROZ, 1968, p. 17)

Em contrapartida, Carvalho também recebeu ponderações positivas neste mesmo órgão da agremiação, a exemplo de sua obra Coração, que muito embora tenha sido abordado

pelo uso incorreto de expressões e, sobretudo, de concordância, Antônio Sales, o Moacyr Jurema56, elogia o poemeto ressaltando que o mesmo causou uma boa impressão de leitura,

“onde há formosos [versos] alexandrinhos e brilhantes imagens” (O Pão, 1 de fevereiro de 1895). E, concluiu o artigo, felicitando a obra como “uma bonita amostra do talento poético do Sr. Rodrigues de Carvalho, com o qual nos congratulamos” (O Pão, 1 de fevereiro de 1895).

Destarte, todas as suas quadrinhas publicadas em O Pão foram aproveitadas e posteriormente publicadas na primeira edição do Cancioneiro do Norte, que logo ganharam espaço em outras antologias e atualmente são consideradas patrimônio poético do folclore nacional. Neste sentido, Leonardo Mota inclui Rodrigues de Carvalho entre estudiosos e folcloristas renomados que contribuíram de maneira inédita para a Padaria e de sobremaneira aos estudos folclóricos do país:

Pondo de lado o que é encontrável em Sílvio Romero (Cantos Populares do Brasil, 1883), tenho em consideração apenas os versos que, publicados n’O Pão, figuraram em Rodrigues de Carvalho (Cancioneiro do Norte, 1903), Pereira da Costa (O Folclore pernambucano, 1908), Osório Duque Estrada (O Norte, 1909), Simões Lopes Neto (Cancioneiro Guasca, 1910), Carlos Góis (Mil quadras populares brasileiras, 1916), Afrânio Peixoto (Trovas brasileiras, 1919), Gustavo Barroso (Ao som da viola, 1921) e América do Brasil (Cancioneiro de trovas do Brasil Central, 1926). (MOTA, 1938, p. 83) (grifo meu)

Os destaques dados às obras de Rodrigues de Carvalho acompanharam as duas fases do Pão, jornal este que, segundo Leonardo Mendes (2012), chegou ao fim em outubro de 1896, devido às condições precárias quanto à circulação regular dos periódicos, aliada ao pouco interesse demonstrado pela população em relação à habitual leitura de textos literários.

No entanto, mesmo diante de todas as dificuldades que atravessaram essa agremiação, a Padaria Espiritual é considerada uma das experiências culturais mais importantes do Ceará, pois de acordo com Luciana Brito, ela foi responsável pela reunião de escritores que ajudaram a compor parte significativa da atividade literária e da imprensa na província, bem como “participaram dos debates políticos, econômicos e sociais que ocorreram na região” (2008, p. 51). Além disso, foi a Padaria que juntamente com o Centro Literário deu impulso à criação dos chamados “Novos do Ceará”, um grupo de intelectuais que em sua maioria eram oriundos do interior e estavam literalmente envolvidos pelas atividades letradas em Fortaleza.