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1.4 Os discursos regionalistas

1.4.2 Regionalismo e modernismo: (Entre)cruzando fronteiras

Perpassando ainda sobre os propósitos do regionalismo e a repercussão do modernismo, a priori, além dos autores citados anteriormente, reporto ao livro Modernismo e Regionalismo: os anos 20 em Pernambuco, de Neroaldo Pontes de Azevedo (1984), o qual trata, em pormenores, o confronto em Pernambuco entre o Modernismo e os defensores da vertente regionalista-tradicionalista. Segundo esse autor, essa divergência entre modernistas e regionalistas era reflexo “das disputas entre facções oligárquicas que, em partidos opostos, aspiravam ao comando político do Estado” (AZEVEDO, 1984, p. 175).

Para José Aderaldo Castello (1961, p. 15-17), o modernismo foi um movimento de renovação da cultura brasileira, particularmente no campo literário, responsável por exprimir o caráter crítico de revisão temática e revigorar o caráter legítimo e autêntico do espírito criador da nossa literatura. Neste âmbito, quando o modernismo se encaminhou na direção do nacionalismo, foi na realidade local de cada região do país que ele foi procurar nos conteúdos brasileiros uma nova forma de arte (AZEVEDO, 1984, p. 176). Sendo assim, conforme explica Azevedo, era em torno desse ponto que o modernismo e regionalismo se davam as mãos, embora a postura dos dois movimentos fosse diferente:

A perspectiva dos que defendiam o regionalismo como bandeira era particularmente estática. Não havia a preocupação em extrair a essência brasileira do passado, para o qual eles estavam voltados, e dinamizá-lo, no presente e no futuro. A posição teórica dos modernistas, por sua vez, era no sentido de extrair do passado o que houvesse de essencialmente brasileiro, para retomar a tarefa de criação, no presente, de uma arte brasileira. (AZEVEDO, 1984, p.176).

30 Rodrigues de Carvalho estava fazendo referência ao poema Essa Negra Fulô, de Jorge de Lima (1895 – 1953).

Para José Niraldo de Farias (2003, p. 57), muito embora esse tenha sido um dos primeiros poemas modernistas de Lima, ainda assim foi coroado pelos seus dotes regionalistas.

Com efeito, os confrontos entre as duas correntes de ideias culminavam nos jornais da época, que tomavam um dos lados para divulgar as produções e defender propostas em torno do modernismo e do regionalismo, que agitaram Pernambuco e, consequentemente, o Nordeste no decorrer dos anos 20. Segundo Azevedo, dentre outros periódicos31, os regionalistas ancoravam-se também no Diário de Pernambuco fazendo acusações ao governo federal pela interferência indevida em Pernambuco e promoviam a defesa pelo regional, a nível político, cultural e artístico. Por outro lado, o Jornal do Comércio pertencia na época aos irmãos Pessoa de Queiroz, ligados à família do presidente Epitácio Pessoa, que abrigava a propaganda modernista e confrontava com hostilidade a pregação regionalista. Todavia, em tom de crítica aos dirigentes do jornal, o autor enfatiza que esses últimos tinham como palavra de ordem imitar São Paulo, privilegiar o urbano e proclamar a necessidade de progresso, ou seja, “tudo vazado em metáforas oriundas de realidades marcadas pela pressa, pela rapidez, pela velocidade” (AZEVEDO, 1984, p. 176).

Em consonância aos escritores modernistas, Roberto Ventura (1991) explica que eles procuravam incorporar à escrita a fala do cotidiano e as tradições populares, bem como se preocupavam em romper com o debate entre pares, predominantemente no movimento crítico de Recife, de modo que pudessem conquistar um público mais amplo e diversificado. Neste sentido, o escritor e modernista Mário de Andrade pretendia elaborar uma gramática brasileira e integrou elementos orais e populares à linguagem literária (VENTURA, 1991, p. 130). Mas, no que tange à repercussão do “modernismo” do Rio e de São Paulo, Gilberto Freyre reafirmou seu pioneirismo e relutou em dizer que foi quase insignificante a influência sobre seu grupo. No entanto, Castello (1961, p. 37) afirma que Freyre não se opôs completamente ao movimento modernista, uma vez que ele criticava-o para ressaltar o sentido próprio ou independente das manifestações regionalistas do Nordeste (Recife), ao mesmo tempo em que reconhecia afinidades entre os dois movimentos. Na introdução de Região e Tradição (1941), observava e em restrição apontava alguns pontos em comum, como as reações às convenções clássicas, o espírito acadêmico e o purismo lusitano da língua.

A conservação dos valores tradicionais servia de pretexto para os regionalistas se defenderem contra a onda de “modernismo” que seguia arbitrariamente contrária aos interesses locais. Já os modernistas colocaram, sob a mira da crítica, a tradição bacharelesca

31 Os periódicos Revista da Raça, Frei Caneca e A Província colaboravam como veículos de divulgação das

propostas e produções regionalistas. Sobre demais órgãos de matérias regionalistas e modernistas, ver: (AZEVEDO, 1984, p. 175-187).

da cultura brasileira que havia impregnado a Escola de Recife32. Para Mário de Andrade a

tradição configurava-se como arte a ser preservada. Era um entrave à modernidade. Não obstante, para Gilberto Freyre, “a modernidade surgia como uma ameaça à tradição de cuja preservação depende a identidade brasileira.” (SOUZA, 2007, p. 175). Desse modo, não foi por acaso que Freyre não teceu elogios a Mário de Andrade, além de ter excluído o escritor no que concerne aos estudos acerca do folclore brasileiro.

Neste âmbito, mesmo que aparentemente se aproximasse mais das tendências regionalistas, não se sabe ao certo entre os dois movimentos de qual lado estava Rodrigues de Carvalho. Escreveu durante anos para o Jornal do Comércio, contudo não proferiu nenhuma palavra sobre a pregação modernista. Chegou a sofrer perseguição de Epitácio Pessoa para deixar de ser correspondente do mencionado jornal, mas isso ocorreu em razão de discordâncias político-partidárias entre ambos. Quando escreveu as duas obras aqui analisadas, Carvalho situava-se na encruzilhada de um Brasil imposto pela modernidade. No entanto, norteava-se pela tradição, que segundo o próprio autor era um elo espiritual que ligava “os povos com todos os segredos da poesia” (CARVALHO, 1995, p. 61). Dessa forma, para ele, não só a tradição como também o folclore enraizavam-se juntos na sobrevivência da identidade nacional.