• Nenhum resultado encontrado

Com o advento da microbiologia no Brasil, no final do século XIX, as controvérsias sobre a influência do meio na transmissão de doenças se aprofundam e os fatores climáticos começam a ganhar força ao serem apresentados como causa e contribuição para a existência de germes (REBELO, 2007, p. 168). Com o avanço da microbiologia, baseando-se na ambiguidade entre o moral e o técnico, uma nova higiene surge privilegiando medidas cientificamente fundamentadas, onde os primeiros higienistas se preocupavam com o contágio e com outras questões sanitárias, “tais como as condições de vida precária, a prostituição, o alcoolismo, a alimentação, a escola” (REBELO, 2007 apud., CAPONI , 2002, p.177).

Nos anos de 1920, médicos e intelectuais passaram a reforçar a influência de fatores ambientais como responsáveis pela degeneração do brasileiro (CARRARA, 2004, p. 436). Por outro lado, no Brasil, nesta mesma década, a eugenia24 por ser congruente às ciências

24 Segundo definição de Francis Galton, a eugenia é “a ciência que lida com todas as influências que melhoram

sanitárias era interpretada por alguns como um novo ramo da higiene, de modo que os eugenistas brasileiros enfatizavam mais o discurso de reforma sanitária do que genética, além de não realizarem as distinções entre natureza e cultura (REBELO, 2007, p. 172).

Apoiando-se na noção de meio ambiente e suas relações com os seres vivos, Rodrigues de Carvalho (1967, p. 29), ao dissertar sobre o cruzamento do latino com o africano, de mistura com o índio e questionando sobre a possibilidade de dar um resultado matemático sempre igual, respondia que não seria possível sem as exigências da saúde, seleção, trabalho e educação moral. Para Carvalho, todos esses fatores estavam adstritos ao meio ambiente, inclusive a hipótese de que os indivíduos nascidos no nordeste estariam diminuindo de porte. Segundo ele, isso ocorria não por motivo de ancestralidade e sim pela questão do meio (também social) e dos elementos associativos:

Os rapazes atingem, em regra, a um metro e sessenta e três centímetros. No exército distinguem-se os batalhões compostos de nortistas pelo tamanho dos soldados. As mulheres ficam nanicas, na expressão da ironia popular. Por que êsse fenômeno de degradação racial? Não é isto por motivo de ancestralidade. Sim por questão dessa tortura do meio e dos elementos associativos: o homem é doente de impaludismo, bôba e sífilis; usa álcool com excesso; alimenta-se parcamente; a natureza é extenuante pelo calor excessivo e constante; há falta de higiene, de confôrto, de descanço metodizado. As preocupações do espírito analfabetizado são a luta pelo pão. São elementos opressivos ainda: a defesa contra o poderoso ou contra o banditismo; as eventualidades dos fenômenos climatérios; o desconfôrto; a luta cruel e inconsciente com o meio hostilíssimo sob todos os aspectos em suma. (CARVALHO, 1967, p. 29-30).

Neste segmento, junto à noção de raça, o meio aparece como um elemento imprescindível como argumento no pensamento brasileiro da época. Conforme o sociólogo Renato Ortiz (2006, p. 16), a história brasileira necessitava de termos deterministas para explicar a natureza indolente do brasileiro e as manifestações tíbias e inseguras da elite intelectual. Desta forma, as noções de raça e meio foram indispensáveis para a construção de uma identidade brasileira enveredada pelo nacional e o popular.

Ademais, para além da referência ao meio e sua interação com o habitat natural, Rodrigues de Carvalho destacou o fator biológico. Conforme o autor, se caso predominasse exclusivamente o elemento negro, o aviltamento ou decadência de parte, de forças e da resistência orgânica não atingiriam a semelhante abatimento, pois “os fatos biológicos predominantes no Brasil-Norte não são promissores para a conservação de uma raça forte” (CARVALHO, 1967, p. 31). Sendo assim, do mesmo modo que outros autores daquele Nancy Stepan, a “eugenia no Brasil deve ser vista como parte de um entusiasmo generalizado pela ciência como ‘sinal’ de modernidade cultural” (2004, p. 337).

período, ele também se preocupava com a herança biológica e sucessivamente, com os fatores relacionados ao meio em que se “naturalizavam”.

Embora enveredasse a falta de higiene e a educação como algumas das principais causas elencadas ao fenômeno que ele chama de “degradação racial”, Rodrigues de Carvalho ridicularizava o processo de eugenia como uma questão de moda e acentuava a importância da saúde, da alimentação e da boa moral no que diz respeito à crítica ao aperfeiçoamento das raças:

É de pura fantasia essa teoria de que o aperfeiçoamento das raças depende dos processos de eugenia. Uma questão de idéias de moda. Todo jornalista, ou intelectual de gabinete, que se preze, sente-se bem citando Galton, como ha algumas décadas era de bom efeito citar Spencer, Augusto Comte e companheiros. Estão na “agulha”, como a bala de rifle, aquêle e êsses nomes: Freud, Frank, Hankins, Keith e Jennings. Muito bem. Mas o segrêdo da criação continua impenetrável, como do mistério dizia Kant: “... o resto é silêncio...”. O essencial, mesmo sem exame a microscópio, é que os indivíduos gozem de boa saúde, sejam selecionados sob êsse ponto de vista nas relações do casamento. Sejam bem alimentados; trabalhem consoante as aptidões; eduquem os dons de espírito de modo que a boa moral exista como um ponto cobiçado a atingir. (CARVALHO, 1967, p. 29).

Deste modo, Rodrigues de Carvalho fazia uso dos determinismos climáticos, raciais e geográficos25, na medida em que lhe era conveniente utilizá-las, pois conforme Lilia

Schwarcz foi neste paradoxo que a elite brasileira reelaborava as ideias deterministas adotando ora o darwinismo social, sem que se problematizassem as implicações negativas da miscigenação e ora o evolucionismo social, respaldando-se somente na perspectiva de que raças humanas estavam em constante evolução e “aperfeiçoamento”, obliterando-se da ideia de que a humanidade era una (SCHWARCZ, 1993, p. 18).

Para Renato Ortiz, por conseguinte, a lógica que preside o pensamento dos intelectuais se decompõe em dois momentos. No primeiro, atribui a escolha entre os diferentes objetos a serem sincretizados em detrimento às teorias disponíveis. Já o segundo, concentra-se no interior dessas teorias, selecionando os elementos considerados pertinentes pelo sistema- partida, no caso a problemática racial (2006, p. 33). Neste âmbito, de acordo com o autor, vivia-se naquele período um momento de indecisão, fazendo com que os intelectuais das classes dominantes reproduzissem, ainda que em níveis diferenciados, “uma exigência

25 Segundo Lilia Moritz Schwarcz (1993, p.58), paralelamente ao evolucionismo social, a escola determinista

geográfica e o determinismo de cunho racial tornaram-se bastante influentes. A primeira, que tinha como maiores representantes Ratzel e Buckle, argumentavam que o desenvolvimento cultural de uma nação seria totalmente condicionada pelo meio. Já o determinismo de cunho racial, também denominado de “darwinismo social” ou “teoria das raças”, enaltecia de maneira pessimista a miscigenação, naturalizando as diferenças sociais e responsabilizando a natureza pelas desigualdades instituídas.

histórica que transparece claramente no interior do discurso ideológico elaborado” (ORTIZ, 2006, p. 35).

Contudo, Carvalho não se prendeu somente à questão racial. Além de estudar o meio físico e sua influência sobre o “ambiente moral”, ele também se preocupou em delinear as “múltiplas modalidades do espírito do nortista”, que segundo o próprio autor se revelam nas suas crendices e folganças. Para Rodrigues de Carvalho era preciso oferecer ao povo o resultado de sua própria vocação artística, sendo essa fruto da “espontaneidade anônima, característica do espírito meridional do brasileiro”. (CARVALHO, 1995, p. 47)