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4. Do Sítio ao “Site”: Perspectiva Histórico-Cultural da SEFAZ

4.3. O Posto, o Imposto e o Pasto: Breve História do Fisco

“Antes de haver qualquer órgão representativo dos fiscais no Estado, era dura a vida da fiscalização. Nos improvisados postos dos tempos iniciais, todos trabalhavam armados. Às vezes de revólveres. Às vezes, como mostram fotos antigas, com armas longas como espingardas e até mesmo fuzis pesados. As construções onde eles ficavam, pequenos casebres de madeira, precários, estavam localizadas em lugares ermos, estradas de chão batido, entre fazendas e pequenas localidades interioranas. Não tinham a folga durante todo o período do ano, pois trabalhavam sozinhos. (...) As perseguições políticas eram constantes. (...) ” (SILVA e RESENDE, 2009, p. 34).

Ainda que o relato acima esteja situado nas décadas de 40, 50 e 60, muitos resquícios dessa época ainda foram encontrados pelos auditores fiscais que ingressaram pelo concurso de 1984. Porém, o fato mais marcante talvez tenha sido o resultante do encontro de gerações diferentes. A turma de “fiscais novos”, como eram chamados pelos autodenomidados “fiscais antigos”, era composta na maioria por jovens com idade entre 18 e 25 anos, vindos de lugares muitos distintos e de culturas diferentes. Ao se depararem com um quadro de servidores que tinham, no mínimo, 18 anos de tempo de serviço na SEFAZ, um choque cultural acabou sendo inevitável.

Do ponto de vista da gestão, muitas práticas administrativas antigas enraizadas no serviço público ainda eram adotadas, mas, em geral, os novos servidores conseguiram administrar relativamente bem a situação. A maior parte das reclamações tinha origem nas péssimas condições de trabalho nos postos fiscais de fronteira. Como nos “velhos tempos”, a maioria dessas instalações situava-se em locais de difícil acesso, construídas em madeira e muitas delas sem banheiro. Para se chegar aos postos fiscais, os fiscais precisavam muitas vezes de carona, da ajuda dos pais, parentes e amigos. Os servidores que vieram de outros estados precisavam ainda de um local para morar, e geralmente escolhiam uma cidade mais próxima do local de trabalho. Os auditores que moravam em Vitória e trabalhavam no Posto Fiscal de Santa Cruz, na divisa com o Rio de Janeiro, por exemplo, precisavam se dirigir de madrugada para o Posto Fiscal de Areinha, em Cariacica, para pegarem carona em caminhão. Naquela época, não havia ônibus para lá e para outros postos fiscais, tampouco transporte disponibilizado pela SEFAZ para os auditores fiscais.

Mas histórias como essas ficam amenizadas diante das contadas pelos fiscais da década de 60 sobre épocas em que a cobrança de impostos era feita na base da carabina. Os fiscais eram enviados para fiscalização e tinham de ficar acampados debaixo de bananeiras, na maior parte das vezes armados e preparados para enfrentar situações de muito perigo. Ameaças de morte eram constantes. Muitos desistiam da função. Os pagamentos dos tributos eram feitos em

dinheiro, que deveriam ser levados em sacolas até a SEFAZ. Em Vitória, quando se avistava um navio de longe, os fiscais eram enviados para o Porto para recolherem, em dinheiro vivo, os tributos das mercadorias transportadas, como lembra o auditor aposentado Vandir de Souza, que entre 1959 a 1970, muitas vezes foi designado para recolher valores nas coletorias, que eram transportados em malas ou caixas para Vitória para o pagamento da folha de servidores em atividade e aposentados (SILVA e RESENDE, 2009, p. 34).

Dos auditores que ingressaram em 1984, as mulheres, particularmente, passaram por situações muito complicadas, ao terem de trabalhar em postos fiscais em escalas noturnas, dividindo as instalações com os homens, que eram a maioria, quando não muitas vezes eram obrigadas a permanecerem solitárias na vigilância em fronteiras. A fiscalização baseava-se principalmente na vigilância das mercadorias gado e café, fontes principais de receita tributária. Ou seja, lidavam diariamente com caminhoneiros, vaqueiros, produtores rurais e com atravessadores interessados em passar pelo posto fiscal sem o pagamento dos impostos sobre suas mercadorias. Às vezes eram inclusive destacadas para impedir que bois fossem jogados ao rio pelos comerciantes para fugirem da passagem no posto fiscal e do pagamento dos impostos. “Literalmente uma vida de posto, imposto e pasto”, como disse Vera, nome fictício de uma participante da pesquisa.

Mas a inserção das mulheres nas atividades em postos fiscais representou uma reviravolta no modelo de fiscalização até então. De uma hora para a outra, as atividades que antes eram exercidas por meio da truculência, da “caneta pesada” e às vezes até mesmo com o uso de armas, passou a ser realizada também por “garotas” e “mães”, que dividiam aposentos com homens, assim como os banheiros e demais instalações, quando havia.

Em 1988, um grupo de aproximadamente 100 concursados aprovados no concurso de 1984 conseguiram, por meio de ação judicial, o direito de serem nomeados. Esse grupo de fiscais deu mais vigor ainda à categoria. O ingresso deu-se num momento de grande conturbação reivindicatória, que desencadeou no que ficou conhecido como “A Greve de 88”, que durou cerca de 40 dias. Esse movimento é considerado um marco na história do fisco estadual, pois desencadeou mudanças significativas na área da Receita. A partir de então, houve maior preocupação da instituição com condições de trabalho, valorização do cargo e capacitação.

Com o advento do Plano Real, em 1994, a situação melhorou, pois o fim da inflação galopante trouxe ganhos reais na remuneração. Isso possibilitou à própria categoria buscar

mais investimentos em formação educacional, principalmente em cursos de pós-graduação. Houve também uma corrida de servidores para a região metropolitana de Vitória, o que possibilitou que muitos ocupassem cargos de direção na SEFAZ.

No ano de 2002, passados quase vinte anos do concurso de 1983, a SEFAZ decidiu pela realização de um novo concurso. Devido à falta de consenso interno no âmbito da gestão da SEFAZ e do governo estadual sobre o concurso e sobre a necessidade ou não de se contratar novos auditores, os auditores classificados foram admitidos apenas três anos depois, em 2005. O concurso corria o risco sério de perder a validade, mas os aprovados, do Espírito Santo e de várias partes do Brasil, mostraram-se aguerridos. Organizaram-se e pressionaram para que os aprovados fossem admitidos, o que aconteceu no ano de 2005.

Esses novos servidores revigoraram a SUBSER. Atualmente já ocupam postos chaves na instituição e são conscientes do importante papel que lhes cabe de conduzir o processo de transmissão da Administração Fazendária, hoje sob o comando da geração de 1984, para as futuras gerações de auditores fiscais que lhes seguirão. Hoje, a geração do concurso de 1984 ocupa quase a totalidade dos cargos no âmbito da SUBSER e o ano de 2009 é considerado um marco, pois pela primeira vez na história os cargos de Secretário de Estado da Fazenda e de Subsecretário de Estado da Receita foram, e continuam sendo em 2010, ocupados por auditores fiscais de carreira, e em atividade, ambos do concurso de 1984.

Existe no âmbito da SUBSER conscientização coletiva de que os próximos anos serão cruciais para o futuro da instituição. Os processos de tributação, fiscalização e arrecadação de tributos passam por grandes modificações em todo o Brasil. Para fazer frente a essa situação, a partir do ano de 2010, a SEFAZ dará início a um projeto de modernização previsto para durar até o ano de 2016. Muitas medidas que fazem parte desse projeto já foram ou estão sendo implantadas. O projeto abrange financiamento para modernização dos processos de trabalho e da gestão fazendária. Prevê investimentos maciços em tecnologia de informação e, principalmente, na alta qualificação do quadro de pessoal, com o objetivo de preparar a instituição para os desafios decorrentes do intenso desenvolvimento do Espírito Santo. Momentos marcantes dessa história foram contados pelos auditores que fizeram parte do grupo de pesquisa e estão registrados no capítulo seguinte.