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O Postulado 5 de Euclides e Formulações Equivalentes

O quinto postulado de Euclides foi o mais polêmico de todos. Du- rante muito tempo pensou-se que ele poderia não ser um postula- do e sim uma conseqüência dos outros postulados. Euclides, em seus Elementos, demorou a usá-lo. De fato, muita geometria pode ser desenvolvida sem esse postulado, o que, na visão axiomática moderna estabelecida por Hilbert, é chamado hoje em dia de geo- metria neutra.

Começaremos enunciando o postulado como formulado por Euclides nos Elementos, e depois veremos algumas formulações equivalentes. Antes, vejamos uma definição.

Definição 2.14. Sejam r e s duas retas distintas e seja t uma reta que cruza r em P e s em Q. A reta t é chamada transversal às retas

r e s.

Estas retas determinam oito ângulos com vértices P e Q (quatro pares de ângulos opostos pelo vértice) com denominações especí- ficas. Observe a figura a seguir:

A F B C D E Q P t r s

Figura 2.27 - APQ e DQP são alternos internos

Os ângulos dos pares

• (∠APQ,∠DQP) e (∠CPQ,∠FQP) são

chamados alternos internos. Os ângulos dos pares

• (∠APB,∠FQP), (∠CPB,∠DQP), (∠APQ,∠FQE) e (∠CPQ,∠DQE) são chamados correspon-

dentes.

Veja no final deste capítulo a bibliografia comentada 2 (Hilbert) para saber mais sobre este autor.

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Os ângulos cujos lados contêm o segmento PQ são denominados

ângulos internos resultantes da intersecção da transversal t com as retas r e s.

Postulado 5 (Euclides). Se duas retas são interceptadas por uma transversal de modo que a soma de dois ângulos interiores (in- ternos) de um dos lados da transversal seja menor do que dois ângulos retos, então estas duas retas se cruzam naquele lado da transversal. A F M Q P t r s

Figura 2.28 – APQ +F QP <180º: r e s se cruzam em M.

Apesar de não falar em paralelas, o Postulado V de Euclides pos- sui formulações equivalentes que falam explicitamente em tais retas. A mais conhecida é a versão de John Playfair (1795), algu- mas vezes denominada Postulado de Playfair, embora já tives- se sido citada por Proclus (410–485 d.C.). Vamos nos referir a ela como “Axioma das Paralelas”. Outra versão é um importante re- sultado que será usado freqüentemente neste texto, e que deno- minaremos “Teorema das duas Paralelas Interceptadas por uma Transversal”. Uma outra versão refere-se à “distância entre duas retas paralelas”.

Axioma das Paralelas (Playfair). Por um ponto P fora de uma reta r passa uma, e somente uma, reta paralela a r.

Teorema das Duas Paralelas Interceptadas por uma Transver- sal. Duas retas paralelas interceptadas por uma transversal pro- duzem ângulos alternos internos congruentes (veja figura).

t

r

s

α

β

Figura 2.29 – Teorema das duas paralelas:  = .

Teorema da Distância de Duas Paralelas. Se duas retas r e s são paralelas, então todos os pontos de r estão à mesma distância de s. Não vamos provar agora estas equivalências, mas cabem aqui al- gumas observações. A existência de uma paralela a uma reta por um ponto fora dela é um resultado que pode ser demonstrado a partir de outros axiomas anteriores (a geometria elítica, onde não há paralelas, não é consistente com aqueles axiomas). A geome- tria hiperbólica, onde por cada ponto fora de uma reta passa mais de uma paralela, é consistente com aqueles axiomas.

A recíproca do teorema das duas paralelas também é um resulta- do independente do axioma das paralelas, mas, em nossa aborda- gem, ele será uma conseqüência desse axioma. Ele é um critério muito útil de paralelismo e será usado freqüentemente no presen- te texto:

Recíproca do Teorema das Duas Paralelas – Se r e s são duas re- tas que, interceptadas por uma transversal t, produzem ângulos alternos internos congruentes, então elas são paralelas.

Devido à sua importância em tudo que faremos neste texto, va- mos re-enunciar os dois resultados em um único teorema:

Teorema 2.2. Duas retas são paralelas se, e somente se, qualquer transversal que as intercepte produzir ângulos alternos internos congruentes.

Veja no final deste capítulo a bibliografia comentada 3 (Greenberg) para saber mais sobre este tema.

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Observe que ângulos alternos internos congruentes implicam em ângulos correspondentes congruentes e reciprocamente, pois ângulos opostos pelo vértice são congruentes. Confira na figura abaixo: t r s α α α α β β β β

Figura 2.30 – Duas paralelas interceptadas por uma transversal produzem no máximo dois ângulos distintos

Note ainda que, na figura acima, se  =90°, então  =90°.

Enunciamos a seguir algumas conseqüências do axioma das pa- ralelas (e equivalentes), cujas demonstrações serão deixadas como exercícios.

Sejam

1) r e s retas paralelas. Se t é uma reta que intercepta r,

então t também intercepta s.

Duas retas paralelas a uma terceira são paralelas entre si. 2)

Se

3) r e s são perpendiculares a t, então r e s são paralelas ou

são coincidentes. Se

4) r e s são paralelas e se r é perpendicular a t, então s tam-

bém é perpendicular a t.

Para finalizar esta seção, observamos que a notação r//s será uti-

lizada para indicar que a reta r é paralela à reta s.

Exercícios Resolvidos

Provar o axioma das paralelas (

1) Playfair) a partir do postula-

Resolução: Sejam r uma reta e P um ponto fora de r. Seja s uma reta paralela a r passando por P (lembre-se que estamos admitin- do a existência da paralela). Vamos provar que s é a única paralela a r por P. Observe que, do paralelismo de r e s e do postulado 5 de Euclides, temos para uma transversal passando por P (veja figura):

180  + ≥ ° e  + ≥180°. t r s P δ α β γ Figura 2.31 – r//s implica em  + ≥180° e  + ≥180°

Mas, então, como  + =180° e  + =180°, temos que se

180

 + > °, então  + <180° e r e s não seriam paralelas.

Segue-se que  + =180° e  + =180°.

Suponha agora que u seja outra reta qualquer passando por P.

t r s u P α γ ε

Figura 2.32 – Aqui  + <180° e portanto u e r não são paralelas.

Então  < (ou  < com  do mesmo lado de ) e daí temos

180

 + < °. Segue-se, do Postulado 5, que u e r se interceptam. Portanto s é a única paralela a r.

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Provar que, se

2) r e s são retas paralelas, e se t intercepta r,

então t também intercepta s.

Resolução: Seja P o ponto de intersecção de t com r. Suponha que

t não intercepte s. Então, por P, passam duas paralelas à reta s: as

retas r e t. Isto contradiz o axioma das paralelas.

Provar que, se dois ângulos quaisquer possuem os dois la- 3)

dos respectivamente paralelos ou os dois lados respectiva- mente perpendiculares, então eles são congruentes ou são suplementares.

Resolução: Sejam AOB e ∠CO D′ dois ângulos quaisquer tais

que OA é paralelo a O C′ e OB é paralelo a O D′ . Então dois ca-

sos podem ocorrer (veja as figuras):

A B C O O' D P M N

Figura 2.33 - AOB e CO D são congruentes

A B C O O' C' D P M N

Figura 2.34 - AOB e CO D são complementares

Na figura 33, o lado O D′ de ∠CO D′ intercepta o lado OA em P,

e M PN =CO D′ (correspondentes). Mas M PN =AOB (corres-

Na figura 2.34, o suplemento de ∠CO D′ , o ângulo ∠C O D′ ′ , é

que é congruente a ∠AOB. Logo, ∠CO D′ e ∠AOB são suple-

mentares (faça figuras para o caso em que os dois ângulos são obtusos).

Suponha agora que OA seja perpendicular a O C′ e OB seja per-

pendicular a O D′ . Neste caso, transporta-se ∠CO D′ de modo

que O′ coincida com O e os lados do ângulo transportado se

mantenham paralelos aos lados de ∠CO D′ . Basta então aplicar o

exercício proposto 1 da seção 2.5.

Exercícios Propostos

Prove o teorema das duas paralelas interceptadas por uma 1)

transversal a partir do Postulado 5 de Euclides.

Prove que duas retas paralelas a uma terceira são paralelas. 2)

Prove que, se

3) r e s são duas retas distintas perpendiculares

a t, então r e s são paralelas entre si. Prove que, se

4) r e s são paralelas e se r é perpendicular a t,

então s também é perpendicular a t. Prove que, por um ponto

5) P fora de uma reta r, passa no má-

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Resumo

Neste capítulo conceituamos ângulo e chegamos à medida de ân- gulo através de um ângulo natural padrão que é o ângulo reto. Dis- cutimos também os postulados 4 e 5 de Euclides e estabelecemos alguns resultados fundamentais sobre paralelismo. Devido ao seu caráter mais conceitual, poucos exercícios foram aqui resolvidos ou propostos. Nos próximos capítulos veremos diversas conseqüências deste capítulo.

Bibliografia Comentada

HEATH, T. L.

1) Euclid’s elements. New York: Dover, 1956.

É a tradução, em inglês, do mais famoso livro de matemática, um dos mais editados no mundo. O “Elementos” é composto de treze livros que tratam de diversas áreas da matemática, desde a geometria até a álgebra. Todos os fundamentos da geometria euclidiana estão aí colocados, com diversos resultados demonstrados.

HILBERT, David.

2) Fundamentos de geometria. Lisboa: Gradi- va, 2003.

A visão moderna da geometria euclidiana segundo o grande matemático alemão David Hilbert. Nele os axiomas são escolhidos de forma a permitir um rigoroso desenvolvimento da geometria sem que sejam necessárias as “noções comuns” e outras imprecisões dos “Elementos” de Euclides.

GREENBERG, M. J.

3) Euclidean and non-euclidean geometries. New York: W. H. Freeman, 1974.

Uma variação do livro de Hilbert, com um estudo sobre as geometrias não euclidianas.

Triângulos

Este capítulo é bem mais denso em resultados do que o capítulo anterior. Seu conteúdo é de extrema importân- cia na geometria plana e espacial e, juntamente com os capítulos de semelhança e área, cobre uma grande parte dos resultados centrais da geometria euclidiana. Basica- mente, estudaremos congruência de triângulos e todos os resultados sobre triângulos daí decorrentes, passando pelo estudo de tangência e de ângulos na circunferência. Abordaremos também, pela primeira vez, problemas de construção geométrica com régua e compasso. Tais pro- blemas estão espalhados ao longo de todo o capítulo como aplicação do desenvolvimento do conteúdo. Iniciaremos o capítulo com uma breve introdução a essas construções.

3.1 Construções com Régua e