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3.2 O caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol

3.2.2 O(s) processo(s) administrativo(s) de demarcação da Terra Indígena Raposa

seguintes:

Nas imagens de satélite, as lavouras aparecem nitidamente dentro da terra indígena, pela primeira vez, em 1992, apresentando área total de 2.111,83 ha. Em 1997, elas já ocupam, em conjunto, 6.294,8 ha, área aumentada para 7.585,26 ha em 1998 e para 10.348,59 há em 2001, até alcançar 14.444.04 ha em 2005105.

Posto este breve relato a respeito da história da ocupação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, bem como delineados os movimentos de usurpação de terras e restrição da ocupação tradicional indígena por parte de não índios, passa-se, adiante, a relatar a história de seu(s) processo(s) administrativo(s) de demarcação, o processo de retomada do território pelos indígenas.

3.2.2 O(s) processo(s) administrativo(s) de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol

A demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol constituiu-se em uma complicada e imbrincada sucessão de processos, cujas primeiras tentativas remontam ao ano de 1975, quando a FUNAI, em cumprimento ao artigo 198 da Emenda Constitucional n° 01 de 1969, baixou portaria constituindo um grupo de trabalho para proceder à identificação da terra indígena.

Este primeiro grupo de trabalho, entretanto, não concluiu os seus objetivos, tendo a FUNAI, em 1977, nomeado novo grupo de trabalho para realizar o estudo e identificação do território indígena, com o que se iniciou o Processo Administrativo n° 3233/77. Nesta ocasião, já vigia o Decreto n° 76.999/76, primeiro decreto editado com

105 LAURIOLA, Vincenzo; et al. A invasão das monoculturas. Revista Ciência Hoje, v. 41, n. 244, dezembro de 2007. P. 53. Apud: NÓBREGA, op. cit., 2011, p. 79.

a finalidade de regulamentar o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas, como previsto pelo Estatuto do Índio106.

Posteriormente, em face das dificuldades dos trabalhos, foram constituídos, com a mesma finalidade, grupos de trabalho nos anos de 1979, 1984 e 1988.

O primeiro destes grupos apontou em seu relatório final a necessidade de ser demarcada uma área de 1.350.000 hectares, não sendo, no entanto, tal proposta acatada pelo presidente à época da FUNAI107.

O segundo grupo, constituído já na vigência do Decreto n° 88.118/83, teve como antropóloga coordenadora Maria Guiomar de Melo, cujos estudos então realizados – “Relatório sobre a identificação da Área Indígena Makuxi de Raposa Serra do Sol” – apontaram um território total de cerca de 1.577.850 hectares. Esta proposta de demarcação também não foi aceita, muito em decorrência do fato de o Decreto n° 88.118/83 ter atribuído a uma comissão interministerial a tarefa de emitir um parecer conclusivo a respeito da proposta de demarcação advinda da FUNAI, sendo a composição108 de tal comissão notoriamente adversa aos interesses indígenas.

O terceiro grupo de trabalho, constituído em 1986, em uma reunião prévia com a indigitada Comissão que não acolhera os estudos de identificação e delimitação realizados anteriormente pelo grupo de trabalho de 1984, ficou ciente de que seria necessário observar as seguintes condições para que os estudos de identificação e delimitação fossem, nesta nova oportunidade, aprovados:

1.Os limites de áreas indígenas devem ser afastados de limite internacional (faixa de fronteira);

2.As terras indígenas não podem abranger suas margens de estradas ou de rios navegáveis;

3.As terras não devem ser contíguas quando se tratar de mais de uma área indígena;

106 Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo.

107

MOTA, Carolina; GALAFASSI, Bianca. A demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol: processo administrativo e conflitos judiciais. In: MIRAS, Julia Trujillo; et al. (Orgs.) Makunaima Grita: Terra Indígena Raposa Serra do Sol e os Direitos Constitucionais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azogue, 2009. p. 84.

108 Segundo o §3° do artigo 2° do Decreto 88.118/1983, a proposta da FUNAI deveria ser examinada por uma comissão (composta de representantes do Ministério do Interior, do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários, da Fundação Nacional do Índio e de outros órgãos federais ou estaduais julgados convenientes) que emitiria parecer conclusivo encaminhando o assunto à decisão final dos Ministros de Estado do Interior e Extraordinário para Assuntos Fundiários. A presença de militares neste grupo, como se verá, será determinante para a obstrução, evidenciada neste período, da demarcação da terra indígena em questão.

4.A superfície de uma área indígena não deve ser superior a mais de 100.000 hectares109.

Desta forma, foram evidenciados os fatores que impediram a aprovação, na oportunidade anterior, dos trabalhos de identificação e delimitação da área indígena em questão.

No ano de 1987, foram editados novos decretos regulamentado o procedimento administrativo de demarcação – decretos n° 94.945/87 e 94.946/87. Por meio destes, previa-se a demarcação de terras indígenas do tipo “colônia agrícola” ou “área indígena”, a depender de o povo indígena estar aculturado ou não. Em conformidade com tais decretos, demarcou-se já no ano de 1989, para o povo indígena Ingarikó, considerado não aculturado, uma “área indígena” de 90.000 hectares. Tal ato, no entanto, resultou em reivindicações e protestos pelos indígenas, que queriam que fosse demarcada toda a área reivindicada e de forma contínua, englobando todos os povos indígenas.

Tal demarcação ocorreu realizando o desejo de vários setores – do Governo do Estado, de fazendeiros etc. – que propunham que, se porventura a demarcação de terras para índios fosse realizada, haveria de ser concretizada em pequenos espaços territoriais (em ilhas), o que possibilitaria salvaguardar seus interesses, ou seja, seus títulos particulares de propriedade e seus empreendimentos incidentes na aludida TI. Contudo, havia problemas em torno de tal forma de demarcação:

“[...] um ano antes, a Constituição tinha sido promulgada, passando a estabelecer novas diretrizes para a demarcação de terras indígenas, cujas orientações foram desconsideradas quando da demarcação da terra indígena Ingarikó, realizada em desacordo com a vontade das comunidades indígenas (seccionando a área), desconsiderando os estudos prévios de identificação e delimitação e ainda estabelecendo uma discriminação sem amparo no texto constitucional que garante a todos os povos indígenas, independentemente do maior ou menor contato com a sociedade envolvente, o direito à terra tradicionalmente ocupada”110.

Buscando a adequação do decreto regulamentar do procedimento de demarcação aos comandos da Constituição Federal de 1988, editou-se o Decreto n° 22/1991, o qual previa a realização do estudo de identificação e delimitação por um

grupo técnico interdisciplinar, composto por integrantes do quadro-técnico da FUNAI e

coordenado por um antropólogo. O relatório circunstanciado de identificação e delimitação da terra indígena seria então submetido ao titular do órgão indigenista e, se

109 NÓBREGA, op. cit., p. 87. 110

aprovado, publicado no Diário Oficial da União. Em seguida, o relatório era submetido ao crivo do Ministro da Justiça, ao qual competia, com exclusividade, a declaração dos limites, sendo expurgada a submissão dos trabalhos à famigerada comissão interministerial, que atravancava mais ainda as demarcações.

Em face da nova realidade normativa acima descrita, o titular da agência indigenista houve por bem, em 1992, baixar nova portaria, nomeando um Grupo de

Trabalho Interinstitucional111 para a realização de novos trabalhos de identificação e delimitação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Este grupo apresentou, em 1993, um relatório que apontava a terra indígena com um total de 1.678.800 hectares, área esta que equivalia à pleiteada e apontada desde 1975 pelos chefes indígenas daquela região. Tal relatório foi então aprovado pelo presidente da FUNAI, Cláudio dos Santos Romero, tendo início o processo administrativo n° 889/93.

Após manifestação do Estado de Roraima contestando a realização de tal demarcação, bem como após pareceres de vários órgãos, inclusive do Ministério Público Federal, da Advocacia Geral da União e do Ministro de Estado Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o consultor jurídico do Ministério da Justiça opinou pela constitucionalidade e juridicidade da proposta de demarcação, submetendo seu parecer e, assim, o processo de demarcação ao crivo do novo Ministro da Justiça, Nelson Jobim112.

O novo Ministro, ao receber e analisar o processo n° 889/93, entendeu que este não se harmonizava com a Constituição Federal de 1988, propondo, desta forma, ao então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, a edição de novo decreto para regulamentar o processo de demarcação de terras indígenas. Editou-se, assim, o Decreto n° 1.775/1996, que incrementava o procedimento com a previsão de uma fase de contraditório. Confira-se o §8° do art. 2° do Decreto n° 1.775/1996:

§ 8° Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar- se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de

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Este grupo de trabalho não era tão só interdisciplinar, ou seja, composto de profissionais de várias áreas do conhecimento, mas também interinstitucional, uma vez que abrangeu tanto servidores da FUNAI, como membros da Universidade, do Conselho Indigenista Missionário e do Estado de Roraima e dos próprios indígenas, indo, pois, além das determinações do Decreto n° 22/1991.

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pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior.

Ao caso da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no entanto, aplicou-se a previsão do art. 9° do referido Decreto:

Art. 9° Nas demarcações em curso, cujo decreto homologatório não tenha sido objeto de registro em cartório imobiliário ou na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda, os interessados poderão manifestar-se, nos termos do § 8° do art. 2°, no prazo de noventa dias, contados da data da publicação deste Decreto.

Dentre as manifestações dos interessados, o Estado de Roraima alegou que a ocupação indígena deveria perdurar, pelo menos, até a data de promulgação da Constituição Federal de 1988113. Desta forma, se, à data da promulgação da Constituição, as terras não estavam sendo efetivamente ocupadas pelos índios, não se poderia reconhecer qualquer direito indígena àquela terra. Esta parece ser a origem da discussão da teoria do fato indígena no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A este requisito, agregou o Estado ainda a necessidade de os índios serem isolados, ou seja, não integrados à civilização. Veja-se:

[...] o Estado contestante sustentou que a ocupação indígena, tradicional e permanente, tutelada pela Constituição Federal, abrange somente as comunidades de índios que vivem em situação de isolamento, não compreendendo os grupos indígenas "integrados na comunhão nacional". Afirmou que, na área em questão, existem nove adensamentos" indígenas em condições de invocar a proteção constitucional, propondo, por isso, que a demarcação se faça em forma descontínua, ilhando as terras ocupadas pelas comunidades de índios isolados. Aduziu que as áreas restantes constituem terras devolutas do Estado, parte delas já transferidas a particulares, cujas posses ou títulos dominiais entende prevalecerem contra eventual posse indígena anterior porque já existentes à data do advento da Constituição de 1988. Ressaltou a existência, na área demarcada, de cidades e vilas a comprovar ocupação parcial da área por particulares e por órgãos públicos114. (Grifo nosso)

A mesma argumentação do Estado de Roraima foi utilizada ipsis litteris pelo Município de Normandia em sua manifestação. Contudo, todas as manifestações dos interessados foram analisadas, pela FUNAI, sem que se constatasse qualquer procedência em tais alegações. Assim, o processo administrativo foi submetido novamente ao crivo do Ministro da Justiça, Nelson Jobim, o qual, após viagem a Roraima na qual se reuniu com os mais variados setores interessados na demarcação, inclusive indígenas e seus apoiadores, exarou o notório Despacho n° 80, no bojo do

113 NÓBREGA, op. cit., p. 95.

114 BRASIL. Despacho n° 80 de 20 de dezembro de 1996. Ministro da Justiça. Diário Oficial da União. Brasília, DF, n. 249, 24 de dezembro de 1996, seção 1, p. 28282.

qual, a respeito das alegações supracitadas do Estado de Roraima e do Município de Normandia, afirmou que:

[...] não encontra fundamento jurídico a fixação do advento da Constituição atual como marco de aferição da ocupação indígena porque as Constituições anteriores, desde a de 1934, já haviam estabelecido a intangibilidade das terras ocupadas pelos índios, sendo ineficazes em relação aos mesmos, pelo menos desde então, todos os atos que tenham por objeto ocupação, domínio ou posse de áreas por eles tradicionalmente ocupadas115.

No que toca à proposta, feita pelo Estado de Roraima, de realizar a demarcação em ilhas e somente para os índios em situação de isolamento, afirmou o Ministro da Justiça que, “mesmo que se a ampliasse, estendendo-a também aos núcleos de índios não isolados, continuaria, ainda assim, frontalmente contrária ao preceito constitucional, pelas razões expostas no laudo citado”. Além disso, aduziu que, “antes de se constituir, no entanto, somente numa exigência antropológica, a delimitação de uma área contígua configura um imperativo constitucional na medida em que consta explicitamente da Carta Magna o reconhecimento e proteção às terras necessárias à reprodução física e cultural dos grupos indígenas”116.

Por fim, o referido despacho propõe uma série de ajustes da demarcação, como: 1) o refazimento das linhas divisórias, com base no laudo de 1981, de forma a excluir as propriedades privadas tituladas pelo INCRA a partir de 1982; 2) exclusão da sede de recém-criado município de Uiramutã, bem como de algumas vilas; 3) exclusão da fruição indígena exclusiva sobre as vias públicas e respectivas faixas de domínio público.

Retornando os autos à FUNAI, para realização das providências determinadas pelo Ministro da Justiça, o presidente da agência indigenista, com base em parecer elaborado por um antropólogo dos quadros do órgão, encaminhou pedido de reconsideração das providências determinadas no Despacho n° 80/1996 ao novo Ministro da Justiça, Renan Calheiros. Este, com base em parecer de consultor jurídico de seu Ministério, ordenou que as determinações do Despacho n° 80 ficariam reservadas para posterior solução e, assim, baixou a Portaria declaratória n° 820 de 11 de dezembro de 1998, estabelecendo a posse permanente e o usufruto exclusivo dos índios da Terra Indígena Raposa Serra do Sol num território contínuo de 1.678.800 hectares.

115 BRASIL. Despacho n° 80 de 20 de dezembro de 1996. Ministro da Justiça. Diário Oficial da União. Brasília, DF, n. 249, 24 de dezembro de 1996, seção 1, p. 28282.

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Realizada a demarcação física da área (com a colocação de marcos físicos, placas, abertura de picadas na mata e utilização de outras formas de sinalização), autuou-se o processo administrativo n° 772/99 para que fosse submetido ao Presidente da República e, assim, fosse homologada por decreto a demarcação.

No entanto, aqui começa uma reiterada concessão de liminares suspendendo os efeitos da Portaria n° 820/1998, isto porque, neste período, também se iniciavam os trabalhos de “desintrusão” da área, ou seja, a expulsão dos não índios.

Em 18 de junho de 1999, foi concedida uma liminar pelo Ministro Aldir Passarinho, do STJ, nos autos do Mandado de Segurança n° 6.210, o qual foi impetrado pelo Estado de Roraima em face da Portaria n° 820. Esta decisão monocrática do Ministro suspendia os efeitos da demarcação quanto aos núcleos urbanos e rurais constituídos antes da edição do ato coator. Em 27 de novembro de 2002, o referido Mandado de Segurança foi julgado pela Primeira Seção do STJ, quando, sob a relatoria da Ministra Laurinda Vaz, foi extinto sem resolução de mérito, sob a fundamentação de que “a pretensão do Estado federado de se insurgir contra a portaria ministerial em causa somente subsistiria se houvesse prova documental e pré-constituída que comprovasse, de plano, a existência de liquidez e certeza de direito subjetivo a ele pertencente, não evidenciando o alegado cerceamento de defesa nem eivas de ilegalidade susceptíveis de anularem o despacho ministerial questionado”117.

Superado este óbice judicial, em 31 de março de 2004, a FUNAI remeteu novamente ao Ministério da Justiça o processo de demarcação, bem como nova minuta de Decreto de Homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. No entanto, no início de março deste mesmo ano, nos autos da Ação Popular n° 1999.42.00.000014-7 (nova numeração 1463.19.99.401420-0), proposta por Silvino Lopes e outros, perante Seção da Justiça Federal no Estado de Roraima, foi concedida liminar suspendendo mais uma vez os efeitos da Portaria n° 820/1999, quanto aos núcleos urbanos e rurais já constituídos, equipamentos, instalações e vias públicas, bem como quanta à retirada dos não índios da área. Tal decisão foi posteriormente confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (onde, em sede de agravos de instrumento118, foram ampliados os

117 BRASIL. STJ. Mandado de Segurança n° 6.210, Rela. Min. Laurinda Vaz. Diário da Justiça de

06.10.2003. Disponível em:

http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199900168852&pv=010000000000&t p=51. Acesso em: maio de 2012.

118 BRASIL. TRF 1ª Região, Agravos de Instrumento n° 2004.01.00.011116-9 e n° 2004.01.00.010111-0. Rel. Desa. Federal Selene Maria Almeida. Diário da Justiça de 28.05.2004. Disponível em: http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php. Acesso em: maio de 2012.

efeitos da liminar) e pelo Supremo Tribunal Federal (onde, em sede de suspensão de liminar119, foi mantida a medida de urgência). Tal liminar perdurou até abril de 2005, quando a Reclamação n° 2833/RR, a seguir descrita, foi extinta no STF.

A terceira ação judicial em torno da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é justamente a Reclamação n° 2833/RR, ajuizada pelo Ministério Público Federal em 28 de setembro de 2004, tendo por objeto preservar a competência do STF para julgar questões afetas a tal demarcação, uma vez que esta envolveria conflito federativo entre a União e o Estado de Roraima, o que atrai a competência do Supremo. Tratava-se, em verdade, de uma estratégia do Ministério Público pela qual buscava concentrar todas as ações relativas à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol na Corte Máxima do país, onde estariam menos sujeitas às influências políticas locais e, ainda, seriam analisadas de forma “mais técnica”120.

Após a concessão de liminar, ainda em 2004, suspendendo todos os feitos relativos à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a Reclamação 2833/RR foi, em 14 de abril de 2005, julgada procedente e, dessarte, avocados ao STF todos os processos que envolviam esta demarcação, os quais foram, no mesmo ato121, julgados carentes de objeto, uma vez que a Portaria n° 820/1998 fora revogada, em 13 de abril de 2005, pela Portaria n° 534/05.

A edição da Portaria n° 534/2005122 constituiu uma estratégia da FUNAI e do Ministério da Justiça para desvencilhar a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol dos inúmeros processos que contestavam a Portaria n° 820/1998. Além disso, esta nova portaria continha previsões distintas do ato anterior, haja vista tentar uma harmonização entre os direitos constitucionais dos índios e as situações que controvertiam a demarcação. Desta forma, a nova portaria excluiu da demarcação as áreas: 1) do 6° Pelotão Especial de Fronteira; 2) dos equipamentos e instalações públicos existentes; 3) do núcleo urbano da sede do Município de Uiramutã; 4) das linhas de transmissão de energia; e 5) dos leitos das rodovias públicas estaduais e

119 BRASIL. STF, Suspensão de Liminar n° 38-1/RR, Rel. Min. Ellen Gracie. Julgado em 29.06.2004. Diário da Justiça de 02.08.2004. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28SL%24.SCLA.+E+38.NUME .%29+OU+%28SL.ACMS.+ADJ2+38.ACMS.%29&base=baseAcordaos. Acesso em: maio de 2012. 120 NÒBREGA, op. cit., p. 112.

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BRASIL. STF. Recl. 2833/RR. Rel. Min. Carlos Ayres Britto. Julgado em 14.04.2005. Publicado no Diário da Justiça em 26.04.2005. Disponível em: http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e- publicacoes/jurisprudencia-1/ competencia/stf/Rcl _2.833-0-RR.pdf. Acesso: 10 de maio de 2012. 122 BRASIL. Portaria n. 534, de 13 de abril de 2005. Ministério da Justiça. Diário Oficial da União. Brasília, DF, n. 72, 15 abr. 2005, seção 1, p. 59.

federais. Além disso, reconheceu a incidência do art. 20, §2°, da Constituição123, em trechos desta Terra Indígena que assim se adequem.

Imediatamente após a edição da Portaria 534/2005, o Presidente da República, em 15 de abril de 2005, homologou a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Contudo, a homologação não fez cessar a propositura de novas ações judiciais contestando a demarcação.

Assim foi que, em sede da Ação Cautelar n° 2009-3/RR, o STF, em 09 de abril de 2008, determinou a suspensão de ações de retirada dos não índios da Terra