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O processo educativo e a consciência crítica

No documento _DISSERTAÇÃO Armando mestrado (páginas 69-73)

Como apontado antes, o homem, ao nascer, não traz consigo as características, os modos de ser, as aptidões que são características do ser humano genérico. Os produtos do desenvolvimento humano serão apropriados pelos indivíduos na sua convivência social, portanto, a apropriação que o indivíduo faz do mundo humano, se dá pelos outros seres humanos, é mediada pela comunicação na atividade social e se constitui, desta forma, em processo educativo. Como define Leontiev (1978, p. 320): “A apropriação é um processo que

tem por resultado a reprodução pelo indivíduo de caracteres, faculdades e modos de comportamento humanos formados historicamente.”

Esse processo educativo, como processo de apropriação, ocorre nas relações sociais cotidianas de forma particularizada, e de forma mais sistematizada e organizada nas instituições. Nestas, essa organização e sistematização das atividades são caracterizadas por conteúdos ideológicos que reproduzem a ordem social vigente e perpetuam as relações de poder que a engendram. As instituições, nesse sentido, se transformam em instâncias educativas que reproduzem as formas de relações de dominação que mantêm e legitimam a ordem social (DUARTE, 1993, p. 8-10).

Como conseqüência da institucionalização do processo educativo, compreende-se que a apropriação dos bens culturais e o conhecimento reproduzido na escola ocorrem mediados por metodologias de ensino que, em princípio, são portadoras de conteúdos filosóficos e ideológicos e, assim, fundamentam teorias sobre o mundo e sobre o homem, possibilitando a construção de uma determinada visão de mundo. Esta, constituída por esses conteúdos, pode se constituir, ou não, como uma construção teórico-crítica sobre as relações humanas, como consciência crítica, ou não, sobre o gênero humano. Como diz Mészáros (1981, p. 44),

Em outras palavras, no sentido verdadeiramente amplo do termo educação, trata-se de uma questão de “internalização” pelos indivíduos [...] da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas expectativas “adequadas” e as formas de conduta “certas”, mais ou menos explicitamente estipuladas nesse terreno.

Todos os produtos do trabalho, materializados ou idealizados, que assumem tanto a forma cultural objetivada na produção material quanto as formas culturais subjetivadas pelos indivíduos e que constituem as formas de comportamento social e psicológico são transmitidos aos indivíduos como sua “herança social”, mediatizados nas práticas sociais educativas (LEONTIEV, 1978, p. 262-8.).

As condições objetivas de vida e educação são decisivas para o desenvolvimento psíquico da criança, uma vez que é por meio delas que ocorre a assimilação da experiência social que leva à formação das qualidades e capacidades especificamente humanas.

As relações humanas na educação, dessa forma, estão dirigidas a formar na criança o conhecimento e as capacidades, a formar as qualidades morais da personalidade infantil. Isso ocorre com as condições objetivas nas quais a educação e o ensino devem estar adequados, em correspondência ao estágio de desenvolvimento da criança (ZAPORÓZHETS, 1987, p. 230).

A educação é um processo por meio do qual os homens garantem a produção e reprodução do ser humano e, também, a reprodução da sociedade. Essa produção/reprodução não é imediata, espontânea, natural ou individual, porém, mediatizada pelas relações. É historicamente determinada pelas condições nas quais os indivíduos se encontram e, nas quais, eles as criam; como diz Vygotski (2000, p.84-88), sobre a base da transformação da história humana, os homens criam ativamente as circunstâncias que os produzem (MARX, 1977, p. 56; MÉSZÁROS, 2005, p. 44; LEONTIEV, 1978, p. 65).

Dessa forma, o processo educativo não representa um processo de transmissão direta e unidirecional das qualidades e capacidades humanas, ao contrário, ocorre um processo de criação e auto-criação do indivíduo nesse processo.

Pode-se perceber o quanto, no processo educativo, no processo de formação das características humanas - as capacidades desenvolvidas nos indivíduos por meio dos objetos estão vinculadas a um modo de ser inerentes às relações objetais historicamente constituídas, e como isso caracterizará um modo de ser que reproduz os modos historicamente formados. Deve-se considerar que isso ocorre conjuntamente com o caráter ativo e participativo do indivíduo na construção de sua personalidade. Vygotski (2000, p. 88-9) chama a atenção para

esta qualidade da constituição humana que aparece na conduta dos indivíduos, característica que reúne ao mesmo tempo e em um mesmo indivíduo a atividade e a passividade.

Assim, os indivíduos, na relação com os objetos, instrumentos e idéias entre outras coisas, se apropriam da função e do modo de uso, do fim a que se destina o uso, a que interesses estão vinculados a existência desses objetos. Esses dados estão presentes nos próprios objetos, instrumentos e idéias como materialização das ações humanas. Essas características dos objetos se tornam partes características do próprio “ser” dos indivíduos. Também, estas características manifestam-se nas ações dos indivíduos – consciente ou não conscientemente - e correspondem ao lugar ocupado por ele na vida social.

A prática social educativa - uma ação intencional voltada para que indivíduos aprendam determinadas formas de comportamento em relação aos objetos, à produção ou formas de ser e de agir em sociedade -, é uma prática necessariamente mediatizada, ou seja, é necessário, para que tal prática se constitua, uma mediação de outros homens por meio de instrumentos (VYGOTSKI, 2000, p. 148).

Na relação socialmente mediatizada, tanto na forma espontânea quanto na forma intencional, a atividade do sujeito leva a uma internalização das funções psíquicas que são experienciadas socialmente em diferentes situações e momentos. A internalização é, pois, um processo psicológico por meio do qual o homem se apropria dos produtos culturais para seu desenvolvimento, sendo que a posição que o indivíduo ocupa nas relações sociais caracteriza a forma e conteúdo desse processo de internalização que é experienciado (BEATÓN, 2005, p. 245).

Nas relações sociais determinadas pelos interesses de classe, a internalização ocorrerá marcada pelas características próprias dessas relações e dirigidas para a reprodução desses interesses, os quais nem sempre estão voltados ao pleno desenvolvimento humano para a maioria dos indivíduos da sociedade (MÉSZÁROS, 2005, p.51-53).

A existência de uma intencionalidade ativa dos adultos na formação da criança, ou seja, que os adultos realizem ações em suas atividade que são marcadamente intencionalizadas para um determinado fim no processo de educação, não implica a passividade da criança em relação a essa sua formação. O caráter ativo é parte das qualidades inerentes da passagem no homem de espécie a gênero humano, o que é indicado, no processo de internalização, por aquelas transformações individuais da objetividade vivenciada pelo indivíduo (BEATÓN, 2005, p. 245). O caráter ativo é parte da possibilidade auto-criadora na

formação da auto-consciência das determinações da vida do homem, por meio do trabalho (BOZHÓVICH, 1987, p.252).

Assim, quanto ao desenvolvimento ontogenético do indivíduo, no processo de desenvolvimento da criança e de sua personalidade, durante esse processo ela deverá mudar a forma reativa de sua relação com o meio, momento em que também se altera a “estrutura sistêmica” de produção da consciência. Bozhóvich (1987, p. 252) explica que:

Como traço fundamental deste desenvolvimento assinalamos o surgimento, no homem, da capacidade de se comportar independentemente das circunstâncias que atuam sobre ele de forma imediata (e inclusive contra elas), guiando-se por objetivos próprios, conscientemente planejados. O surgimento de tal capacidade condiciona o caráter ativo, e não reativo, do comportamento do homem e o faz não o escravo das circunstâncias, senão o dono delas e de si mesmo. (tradução nossa)

No entanto, apesar de o homem ter consciência de estar em uma determinada atividade, isso não garante que tenha consciência plena das determinações sociais, historicamente constituídas, para as suas ações. A consciência desse sujeito pode ser uma consciência alienada de sua própria constituição (MARX, 1977, p. 36-7).

Essa condição de alienação da consciência caracteriza, de forma geral na sociedade de classes e na forma como nessa sociedade se dá a divisão social do trabalho, o lugar, a posição em que se encontram os indivíduos, restringidas que se tornam as suas possibilidades de desenvolvimento (MÉSZÁROS, 2005, p. 43-4; MARKUS, 1974, p. 35).

Nesse sentido, o processo educativo na sociedade de classes tem se prestado para a efetivação nos indivíduos de uma determinada consciência que os posiciona em relação à vida em sociedade, de uma forma que a partir desta posição o sujeito estabelece relações limitadas às possibilidades de realização de sua autoconsciência. Esta, como explica Heller (1991, p. 56), poderia fazê-los superar a espontaneidade da consciência de si como particularidade unilateralmente desenvolvida, ingênua e alienada. Assim Heller afirma sobre a autoconsciência:

[...] somente o indivíduo tem consciência de si, tem auto-consciência: quer dizer, a autoconsciência é a consciência do eu mediada pela consciência da genericidade. Quem é autoconsciente não se identifica espontaneamente consigo mesmo, senão que se mantém à distância de si mesmo. O indivíduo se conhece a si e a suas circunstâncias. Sabe, ou ao menos quisera saber, quais de suas faculdades em seu desenvolvimento estão mais em acordo com a genericidade, com o desenvolvimento genérico, quais têm “mais valor”. (tradução nossa)

São as atividades com fins educativos que determinam as possibilidades de apropriação, por meio do processo de internalização, daquelas formas historicamente

constituídas e necessárias para que a criança possa dominar os procedimentos antes de realizá- los de maneira autônoma.

A intencionalidade na constituição das atividades, a intencionalidade na seleção de seus conteúdos objetivos e ideacionais no processo educativo, indicará as possibilidades para que o caráter ativo nos indivíduos se manifeste e desenvolva, de forma plena ou não, na constituição da autoconsciência e da autonomia.

Portanto, devemos considerar a consciência (o psiquismo) no seu devir e no seu desenvolvimento, na sua dependência essencial do modo de vida, que é determinado pelas relações sociais existentes e pelo lugar que o indivíduo considerado ocupa nas relações sociais (LEONTIEV, 1978, p.89). (tradução nossa)

As atividades com fins educativos são as bases para uma mudança na “posição vital” da criança, na mudança do lugar que ela ocupa na sociedade; elas determinam as novas possibilidades de estabelecimento de inter-relações com os outros indivíduos. Essas possibilidades de novas formas de inter-relações adquirem o sentido educacional, não no sentido restrito da aprendizagem instrumental, senão que se referem à correspondente organização geral da vida e da atividade da criança (ZAPORÓZHETS, 1987, p. 238).

Portanto, quando aqui se fala de desenvolvimento humano, pensa-se justamente neste processo de desenvolvimento do psiquismo que caracteriza o “ser” humano, percebendo este como movimento entre a atividade social e a atividade mental. Compreende-se que o desenvolvimento psíquico reflete o desenvolvimento da atividade social e individual, e se nos apresenta como desenvolvimento constante da consciência como sua forma mais extensa de manifestação (PETROVSKI, 1986, p. 43). Como afirma Davidov (1988, p. 12), “O

desenvolvimento psíquico do homem é, antes de tudo, o processo de formação de sua atividade, de sua consciência e, claro, de todos os processos psíquicos (processos cognoscitivos, emoções, etc.) que a ‘servem’”. (tradução nossa)

No documento _DISSERTAÇÃO Armando mestrado (páginas 69-73)