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Trabalho, componentes psicológicos e processos de desenvolvimento psíquico

No documento _DISSERTAÇÃO Armando mestrado (páginas 59-62)

Vygotski refere o desenvolvimento humano apoiado em uma concepção que é básica para a compreensão da teoria Histórico-Cultural, a unidade complexa dos componentes formadores do psiquismo humano. Esses componentes – em relação complexa e indivisível - representam as duas esferas de existência humana que se apresentam, ora como componentes da vida no seu caráter histórico e social, como a atividade e a comunicação, por exemplo, ora como componentes da vida no seu caráter subjetivo, como a afetividade, a significação e a cognição (BEATÓN, 2005, p. 113).

Compreende-se, neste, que essa relação complexa entre os componentes acontece por meio de um processo dialético entre os diversos componentes da vida humana – condições ambientais, sociais, culturais, biológicas e históricas - que produzem como síntese, do ponto de vista da subjetividade, a consciência; e do ponto de vista objetivo, a organização social produtiva, com a conseqüente objetivação material do trabalho humano e da cultura.

Esse processo de movimento dialético de transformação e desenvolvimento pode ser percebido em sua síntese, ou seja, pelo seu produto. Assim, o produto da atividade humana, como movimento dialético, fundamenta-se no trabalho como atividade produtiva especificamente humana. Sendo assim, é necessário compreender esta forma de atividade como o centro de todo desenvolvimento do psiquismo e de suas relações com o mundo social. DAVIDOV (1988, p. 38-9) faz uma conceituação clara sobre o que representa para esta teoria, o trabalho:

A psicologia soviética considera que no processo de desenvolvimento histórico- social do homem, o trabalho foi a base geneticamente inicial do todos os tipos de sua atividade material e espiritual, os que têm, por isso, uma estrutura comum com o trabalho. Em todos os tipos de atividade o processo de obtenção de seu desenvolvimento objetal está precedido pelo surgimento na cabeça do homem da necessidade, a tendência, a imagem interna, a representação e a finalidade que permitem no plano ideal prever, antecipar e provar as ações possíveis dirigidas a alcançar o resultado que satisfaz a necessidade. (tradução nossa)

Sabe-se, com isso, que o homem se apresenta como síntese das múltiplas determinações, da complexa e unitária relação entre seus diversos componentes (MARX,

2004 p. 83-4; 108). No entanto, Vygotski compreende esse movimento de construção e auto- construção da vida como o caráter ativo que no homem está presente como condição para a criação das condições da vida social e psíquica.

De acordo com Vygotski, o homem não está passivo diante das determinações da complexidade da vida, pois participa como pólo criador de suas próprias condições e desenvolvimento. Vygotski (2000, p.77) apresenta, então, um novo enfoque para se compreender o desenvolvimento humano, que:

[...] consiste em que é o próprio homem quem cria os estímulos que determinam suas reações e utiliza esses estímulos como meios para dominar os processos de sua própria conduta. É o próprio homem quem determina seu comportamento com a ajuda de estímulos-meio artificialmente criados. (tradução nossa)

Essa concepção é fundamental para que se possa compreender o surgimento das organizações sociais e o conseqüente surgimento das formações culturais e psíquicas superiores; e a organização com base no trabalho, como “processo entre o homem e a

natureza, um processo no qual o homem medeia, regula e controla por sua própria ação seu metabolismo com a natureza.” (Marx apud Markus, 1974, p. 11; tradução nossa).

Assim, com esta concepção de homem como produtor e produto de sua atividade vital, como conteúdo nuclear que orienta a construção teórica do enfoque Histórico-Cultural, explicita-se adiante algumas características essenciais à compreensão desta teoria.

Uma das características é o caráter instrumental da atividade humana. O trabalho do homem é realizado pela utilização ou aplicação de instrumentos. O instrumento é apresentado como elemento da principal característica que diferencia os homens dos animais no processo de desenvolvimento, pelo fato de que esse desenvolvimento apresenta a qualidade de ser mediado – esta qualidade será descrita mais adiante.

Segundo Leontiev (1978, p. 82), de certo modo, o instrumento é uma objetivação humana que representa “a primeira verdadeira abstração consciente e racional”, sendo, portanto, portador da atividade humana que contém em si todo o processo de “generalização

consciente”, que constitui a história da formação das capacidades psíquicas desenvolvidas

nesse processo de produção e utilização instrumental, estas que se transformarão, como dito antes, no poder de realização, para o indivíduo, das suas relações humanas.

Como produto das práticas sociais de produção, o instrumento não adquire somente uma forma material. Nele estão contidas as formas de relação social, os modos de agir e de pensar o real em sua relação objetiva e subjetiva. O instrumento é constituído e

constituinte de significados decorrentes de determinada prática, e assim determina alguns aspectos do psiquismo humano quando de sua utilização, porque a estrutura da atividade intelectual do homem se engendra por meio da atividade prática, e em inextrincável interdeterminação, na qual, segundo Leontiev (1978, p. 136): “Mediatizando a atividade do

homem, o instrumento reorganiza-a [a atividade intelectual] de tal maneira que mesmo os processos mais elementares que a constituem se transformam.”(tradução nossa)

Desta forma compreende-se que a atividade produz “meios” pelos quais o homem altera a natureza objetiva, alterando, da mesma maneira, sua natureza subjetiva. Essa qualidade de produção mediatizada da vida humana não aparece, no entanto, como uma qualidade intrínseca dos instrumentos que se nos apresentam como elementos mediadores.

Para compreendermos a mediação dada por objetos e instrumentos é necessário compreendê-la a partir da complexidade das relações que constituem determinada formação situacional, incluindo, da mesma maneira, os outros indivíduos humanos presentes nessas relações.

A mediação não é uma qualidade de determinado instrumento, objeto ou outro indivíduo, e sim, que esses instrumentos, objetos e outros indivíduos adquirem em determinado conjunto de relações essa qualidade. Os instrumentos aparecem aos sujeitos como possibilidade, como meio para um determinado fim em função de uma determinada situação. Como explica Beatón (2005, p. 219), “todo processo de mediação para um genuíno

pensamento dialético é sempre uma relação biunívoca, em duas ou múltiplas direções”.

(tradução nossa)

Por isso já se pode perceber a amplitude deste conceito de mediação, porque: primeiro, indica que é um processo, portanto, necessita de uma dada relação que envolve continuidade e unidade, ter um determinado curso, seqüência de fatos e operações; segundo, para ser mediação – também como meio de transformação – deverá haver a qualidade de ser

dialética, ou seja, que neste processo os objetos e sujeitos envolvidos se constituirão com

novas formações, adquirirão novas qualidades; e terceiro, apresenta a questão da

complexidade na qual compreendemos que a mediação não é um processo que ocorre

individualmente. Para que ocorra a mediação, é necessário que existam dois ou mais elementos que se inter-relacionam direcionados a múltiplas finalidades, é necessário que haja uma atividade.

Assim, ao se pensar sobre a atividade educativa, deve-se compreendê-la como principal processo social pelo qual tem início o desenvolvimento na vida dos indivíduos humanos. A atividade educativa contém uma história social que representa a história do gênero humano e produz em cada indivíduo uma história particularizada no seu desenvolvimento, na formação de sua consciência.

No documento _DISSERTAÇÃO Armando mestrado (páginas 59-62)