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O processo de elaboração do plano diretor de Santo André (SP)

CAPÍTULO 4. O PLANO DIRETOR DE SANTO ANDRÉ (SP)

4.2. O processo de elaboração do plano diretor de Santo André (SP)

A elaboração do plano diretor já aparece como promessa do prefeito da cidade em 2001, ano de aprovação do Estatuto da Cidade 100.

No âmbito interno do governo algumas decisões são tomadas a fim de se construir pressupostos comuns às diversas Secretarias Municipais. O plano diretor não englobaria todo e qualquer tema (exemplo: saúde, educação, etc.), mas tão somente aqueles relacionados ao território: deveria ser auto-aplicável e elaborado a partir de um processo participativo de caráter

99 Cf. Vanessa Gayego Bello Figueiredo. Estratégias urbanas em busca do desenvolvimento local: a experiência do projeto Eixo Tamanduatehy em Santo André. Dissertação de mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, 2005.

100

Cf. Cláudia Virgínia Cabral de Souza. “Santo André: instrumentos utilizados na elaboração do plano diretor participativo para viabilizar a participação e a negociação entre os atores”. In: Laura Bueno e Renato Cymbalista (orgs.). O município em ação: elaboração e aplicabilidade de planos diretores. São Paulo: Anna Blume, 2007, p. 196. Vale lembrar que, na ocasião, o prefeito de Santo André era Celso Daniel (PT), que já havia governado a cidade nos anos de 1989 a 1992, e de 1997 a 2000. Após seu assassinato em 2002, assume o vice- prefeito João Avamileno (PT).

deliberativo. A coordenação do processo é compartilhada entre a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e a Secretaria de Orçamento e Planejamento Participativo.

O processo de elaboração do Plano é, então, subdividido em cinco etapas: (i) sensibilização; (ii) discussão dos eixos temáticos; (iii) discussão do texto-base; (iv) negociações e consensos; (v) realização do Congresso da Cidade.

Durante todo o processo, a relação com a sociedade civil é mediada por atividades permanentes de mobilização e capacitação.

A primeira fase desenvolve-se durante o ano de 2002 e constitui-se, basicamente, no mapeamento e sensibilização dos atores para participar da elaboração do plano diretor. Nesse momento, a participação é aberta a todo e qualquer cidadão. A prefeitura inicia, porém, a sensibilização levando em conta dois critérios principais: (i) atores que já haviam participado de outros fóruns participativos (delegados das regiões do orçamento participativo, integrantes de conselhos gestores de políticas públicas, participantes das Conferências Municipais, etc.); (ii) segmentos importantes para a produção e reprodução da cidade (representantes do setor imobiliário, construtivo, comercial, industrial, movimentos de moradia, ONGs entre outros).

São realizadas reuniões e entrevistas com os principais atores envolvidos na produção do espaço urbano. Ao mesmo tempo, a prefeitura elabora uma primeira leitura técnica e comunitária levando em consideração os estudos e documentos já existentes.

Em 2003, dá-se início à segunda etapa da elaboração do plano diretor, que tem por objetivo discutir com a população os principais temas a serem regulados pela lei municipal. Muitas são as dificuldades nessa fase, especialmente no que se refere à participação de alguns setores da sociedade e aos principais eixos temáticos a serem enfrentados pelo plano diretor. O setor privado, por exemplo, que não possui tradição de participação em discussões públicas envolvendo um grande número de segmentos sociais, ausenta-se dos debates. Os representantes dos movimentos populares, por sua vez, apresentam grande dificuldade na compreensão de instrumentos técnicos de planejamento territorial.

A fim de superar as desigualdades entre os atores durante o processo participativo, a prefeitura passa a desenvolver ações de capacitação nos temas trazidos pelo Estatuto da Cidade com estratégias diferenciadas para cada um dos segmentos. Primeiramente, realiza-se a formação de 30 técnicos da prefeitura nas diretrizes e instrumentos do Estatuto da Cidade e do futuro plano

diretor, que passam a atuar como multiplicadores do conteúdo durante os cursos, palestras, oficinas e reuniões realizadas a partir de então.

A prefeitura desenvolve um curso on line101 e ações de capacitação para entidades organizadas dos diversos segmentos sociais, tanto de forma conjunta como separadamente. As ações de capacitação dos empresários, por exemplo, são focadas em instrumentos urbanísticos e jurídicos específicos. Além disso, são realizadas diversas reuniões específicas com o setor. As ações de formação sobre temas do plano diretor para os movimentos sociais são desenvolvidas com metodologia e instrumentos pedagógicos apropriados nas diversas regiões da cidade102. Essas ações específicas criaram uma capacidade de negociação maior em temas diretamente relacionados ao dia-a-dia da população103.

Na terceira fase do processo, realizada nos últimos meses de 2003, o debate já se fundamenta em um texto base do plano diretor. Embora ainda não consolidado em linguagem jurídica, em um projeto de lei propriamente, o texto já traz a estrutura e o conteúdo básico do plano diretor. É neste momento que se inicia mais diretamente o processo de identificação dos conflitos e construção de consensos entre os atores envolvidos na elaboração do plano diretor.

Durante a discussão do texto base, define-se também a futura composição do Congresso da Cidade, espaço no qual se dará a deliberação final do projeto de lei a ser encaminhado à Câmara Municipal. Os delegados do Congresso são indicados diretamente pelos segmentos, respeitada a subdivisão de 60% de representação da sociedade civil – sendo 30% de representantes de movimentos sociais, 10% de ONG’s e instituições de pesquisa e 20% de representantes da iniciativa privada.

Tendo em vista o surgimento de inúmeros conflitos entre os atores quando da apresentação pela prefeitura do projeto de lei, o Congresso da Cidade é adiado e inclui-se mais uma etapa ao processo específica para a realização de negociações entre a prefeitura e os diversos segmentos. Estabelece-se, então, uma ampla rodada de negociação. Dos 32 artigos identificados como objeto de conflito, atinge-se o consenso em 20. Restam, pois, 12 artigos de conflito, os quais seriam objeto de deliberação durante o Congresso da Cidade.

101 O curso on line contou com baixíssima participação dos moradores de Santo André, razão pela qual se introduz no processo outras ações de capacitação.

102 A linguagem popular e a utilização de mapas, desenhos e jogos são exemplos de instrumentos aptos a capacitar os moradores em temas de alta complexidade técnica como é o caso dos eixos temáticos do plano diretor.

103 Um exemplo citado durante a realização de entrevista de apropriação dos temas do Estatuto da Cidade pela população foram as reivindicações dos movimentos populares de inserção de áreas definidas como Zonas Especiais de Interesse Social- ZEIS na Operação Urbana Tamanduatehy e em outras regiões da cidade.

Os artigos em disputa relacionam-se, em sua maioria, aos índices urbanísticos, à aplicação ou não da outorga onerosa, à aplicação dos instrumentos de parcelamento, edificação e utilização compulsórios, às áreas delimitadas como zona de recuperação ambiental e à composição do conselho municipal de política urbana104.

Nessa etapa, entre os diversos segmentos, é definido regimento interno do Congresso, o qual define as regras e procedimentos de participação e deliberação do projeto de lei.

A quinta e última fase do processo de elaboração do plano diretor no âmbito do Poder Executivo é a realização do Congresso da Cidade, em fevereiro de 2004, que conta com a participação de 167 delegados com direito à voz e voto. O projeto de lei é referendado pelos participantes no que se refere aos artigos acordados nas fases anteriores. Os 12 artigos em disputa pelos segmentos são submetidos à votação.

As deliberações do Congresso da Cidade dão origem ao texto do projeto de lei nº 03, de março de 2004.

Na Câmara Municipal, o texto é objeto de algumas emendas pelo Poder Legislativo, as quais alteram principalmente dispositivos relacionados à aplicação, vigência e revisão do plano diretor (arts. 182 e seguintes), ao coeficiente de aproveitamento máximo nas operações urbanas (art. 135), cálculo e isenções da outorga onerosa do direito de construir (art. 123) e às atividades econômicas excluídas da aplicação do parcelamento, edificação e utilização compulsórios (art. 116, § 4º).

4.3. O Conteúdo do plano diretor de Santo André (SP)