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O professor de Arte, a responsabilidade, o cuidado e o

4. O que os dados revelam

4.4.1. O professor de Arte, a responsabilidade, o cuidado e o

Em muitos momentos das entrevistas realizadas, os professores relataram situações em que nos possibilitam observar como se dá sua relação com os jovens. Embora tenham explicitado sua revolta e desencanto para com as situações de violência e indisciplina manifestas no âmbito escolar, percebemos que boa parte dos professores não restringe sua crítica apenas à verbalização à constatação do problema, pelo contrário, revelam atitudes de compromisso com o ser humano, de cuidado para com o outro, humanizando o espaço escolar e aproximando-se dos jovens com quem atuam.

Para Almeida (2006, p.43), cuidar do outro é “[...] estar atento ao seu bem-estar, ajudá-lo a crescer e a atualizar-se”. Essa preocupação em acompanhar e intervir junto aos alunos com vistas a proporcionar uma formação sólida, é apontada pelos professores por meio de posturas de responsabilidade frente à disciplina em que atuam e por intermédio de relações humanizadas com os educandos.

O compromisso dos docentes quanto à formação dos alunos e sua aproximação com o conhecimento da área de arte, foi um aspecto que sete sujeitos abordaram:

As pessoas ainda vêm a arte como futilidade, como coisa que não leva a nada. E isso depende muito da atuação do professor em sala de aula, porque é ele que vai mudar esta mentalidade do aluno dele. Esse aluno que vai crescer, que vai ser adulto. Sempre que eu vou fazer alguma coisa eu penso nesta responsabilidade. O que eu estou ensinando para estas pessoas? O que eu estou passando para estas pessoas? (Cláudia)

Eu quero passar mais para os alunos, por mim mesmo. Eu acho que nós temos que saber mais, conhecer mais profundamente sobre aquilo o que estamos ensinando. (Paulo) É isto que eu quero, trabalhar com a arte, a arte é tudo, abrange tudo, você lida com todos os feitos do ser humano. Eu adoro, e amo isto. Eu estou na sala de aula por convicção. Meu compromisso é este, é com esta criançada. (Dora)

É muito prazeroso, quando você projeta bem, elabora bem, eles entendem aquilo que você quer passar. (Maria)

Aqui nós tentamos puxar, deixar a aula mais gostosa. Tentamos não deixar de ensinar o que eles têm que aprender. (Lúcia)

Os alunos gostam, eles precisam ter acesso à cultura, a arte, é este o nosso papel, não é? (Fernanda)

Eu sei que muitos alunos não esquecem até hoje as aulas. Eu os encontro na rua e eles vêm me abraçar e lembram das aulas com saudades. O importante é isto. (Roberto)

para alguns professores também está aliada à sua relação com o educando. Neste sentido, os professores primam por estabelecer um contato permeado por atitudes de aproximação e de diálogo que demonstram um compromisso com os alunos:

A responsabilidade é, na verdade, tomar e seu cargo o êxito de uma acção que é executada em colaboração com outros ou em proveito de uma colectividade. A responsabilidade confere um direito de domínio, mas comporta também um dever de sacrifício. O responsável é aquele que deve eventualmente sacrificar-se, que deve ser o primeiro a sacrificar-se. (WALLON, 1975, p.222-223)

Uma postura amorosa e sensível perante os dilemas que os jovens vivenciam nesta etapa de seu desenvolvimento, é o que podemos constatar no depoimento como uma preocupação de Dora, que afirma:

Porque o adolescente tem o direto de dar cabeçada, de fazer besteira, de falar palavrão, de “chutar o pau da barraca”. Ele está aprendendo. Se não fizer isto agora vai fazer quando. Quando tiver quarenta anos? Então deixa o moleque, é assim que ele aprende. “Chutando o pau da barraca” e a barraca caindo na cabeça dele e ele percebendo que não é por ai. Ele tem que achar o próprio caminho. (Dora)

Ao se referir à adolescência como um período conturbado, mas necessária ao desenvolvimento do jovem, Dora se aproxima da percepção na qual Henri Wallon contempla esta etapa da vida, pois:

Vedes que neste período não existe somente o que os poetas nele quiseram situar. Há, ao lado de sonhos vãos, verdadeiros riscos. Mas há também elementos positivos e é esta parte positiva que o educador deve esforçar-se por pôr em evidência. É preciso utilizar esse gosto de aventura, esse gosto de ultrapassar a vida quotidiana, esse gosto de se unir a outros que têm os mesmos sentimentos, as mesmas aspirações, esse gosto de ultrapassar o ambiente actual, para ajudar a criança a fazer sua escolha entre os valores em presença, que podem ser por vezes valores criminosos, mas também valores sociais, valores morais. Esse gosto, essa necessidade de escolha, marcam uma evolução decisiva do indivíduo, a sua tomada de contacto com a sociedade. (WALLON, 1975, p.221)

A maneira como Dora concebe a adolescência, orientando sua convivência e revelando o entendimento do desenvolvimento e das inquietações dos jovens, não a faz ser conivente com atitudes inadequadas, ao contrário, entende que esse desequilíbrio é momentâneo e deve ser “trabalhado”, e é pelo diálogo que estabelece a aproximação com os alunos:

Se o moleque faz alguma coisa e eu não sei o que eu faço com ele, eu dou uma bronca. Às vezes eu não falo nada. E depois eu o chamo num canto para conversar em particular. Eu falo para os pais que o que eu não gosto para mim eu não faço com os outros. Então, se eu não gosto de passar vexame, eu tento não fazer isto com as crianças, e funciona. Funciona porque eles me respeitam. Não é respeito por medo, eu conquistei o respeito deles com papo. (Dora)

Para Freire (1992, p.43), é pelo diálogo que os homens se aproximam, sendo que “O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o “pronunciam”, isto é, o transformam para a humanização de todos”. Ao priorizar o caminho do diálogo, Dora consegue ser percebida como uma autoridade legitimada pelos estudantes, o que acontece, entre outros aspectos, por ter uma postura de empatia e de respeito com os sentimentos e atitudes dos alunos.

Uma relação empática e de respeito ao ser humano são dimensões também observadas no depoimento de Maria, que afirma:

Eu fiquei muito tempo em casa e daí eu vejo, nossa como mudou! Mas o sentimento é o mesmo, o ser humano é o mesmo. Eles sentem o que eu sentia quando eu estava no lugar deles. E o professor esquece isto, esquece que um dia foi aluno. Eu não sei como isto pode acontecer com o ser humano. (Maria)

A empatia é uma postura difícil de ser desenvolvida, uma vez que: [...] não é fácil ser empático, colocar-se no lugar do outro, porque estamos acostumados a uma compreensão sempre avaliativa: ser empático é compreender o outro segundo o ponto de vista dele, e não segundo o meu. (ALMEIDA, 2006, p.49)

Também importante, é a conduta de Dora, que trabalha a construção da autonomia dos alunos, delegando a eles a responsabilidade de serem co-autores das regras que orientarão a convivência e o desenvolvimento das e nas aulas: “Eu estabeleço as regras junto com eles, em sala de aula. Se alguém descumprir, vai ter que responder, tem que assumir os erros. É legal acertar, claro que é, mas assumir o erro é melhor ainda.” (Dora)

Com esse posicionamento Dora contempla sua relação com os alunos orientada na construção pelo educando da responsabilidade com suas condutas, cobrando deles atitudes e comportamentos mais responsáveis frente aos fatos, que, segundo Wallon (1975), é uma das realidades que deve ser observada pelos professores:

Eis um sentimento que é preciso tentar desenvolver no adolescente, o sentimento de responsabilidade. E qual responsabilidade? Não a responsabilidade para com um grupo fechado, como podem ser “as gangues” de que falei há pouco, mas a responsabilidade em relação a tarefas sociais que a criança terá que executar. [...] É preciso ter sempre o cuidado de cultivar em cada criança o conhecimento das coisas sociais nas quais terá de participar. (WALLON, 1975, p.223)

Fernanda também revela uma atitude de responsabilidade para com os alunos, o que fica claro, entre outros trechos de sua entrevista, quando descreve o modo como acompanha o desenvolvimento de seus alunos vistando as atividades nos cadernos e valorizando este material:

Eu tenho quarenta alunos e olho o caderno de todo mundo. Eu olho mesmo. Um dia eu dou um texto, uma xérox de alguma coisa para eles ficarem fazendo para eu poder olhar o caderno deles. Eu olho o caderno de todo mundo. Tem que fazer, eles têm que ver que você valoriza. O aluno que vê que o pai e a mãe estão de olho, que estão acompanhando, que a professora na escola está acompanhando, ele vai querer melhorar, é um estímulo. É valorizar o seu estudo, o seu desenvolvimento. (Fernanda)

Apesar da dificuldade com que alguns professores afirmam no que concerne à convivência na relação com os jovens, percebe-se que os docentes primam por estabelecer uma relação harmônica com os estudantes, permeada por sentimentos de respeito e responsabilidade para com sua formação e

desenvolvimento. Isto foi possível constatar nas entrevistas, seja de maneira explícita, conforme os trechos acima destacados, ou pelo teor em que os depoimentos se apresentaram. Essa postura, provavelmente, desencadeia uma convivência mais humanizada na relação entre os professores e os alunos, o que não deixa de ser também um aprendizado importante, uma vez que:

Em todo arrebatamento emotivo o indivíduo extravasa de certa forma a sua sensibilidade. Suas reações emotivas estabelecem entre ele e o outro uma espécie de ressonância e de participação afetivas. (WALLON, 1995, p. 164)

Se com os alunos, apesar de conviverem com situações de violência e de indisciplina, alguns professores ainda conseguem manter um relacionamento mais próximo e de compromisso com o seu desenvolvimento, com os pais a situação é outra.