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Os professores e as propostas curriculares

4. O que os dados revelam

4.2.1. Os professores e as propostas curriculares

A Proposta Curricular para o ensino de Educação Artística, elaborada pela equipe técnica do CENP, órgão ligado à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, teve sua primeira edição em 1988, sendo que em seu processo de construção os professores foram chamados para debater a concepção e os rumos do ensino de Arte na Rede Estadual. Essa sistemática foi vivenciada por um dos sujeitos desta pesquisa:

[...] E eu caí de “pára-quedas” numa reunião para pensar o ensino de arte e para fazer uma proposta curricular. Foi quando perguntaram: O que o professor quer? Como vocês querem que seja o ensino de Arte? Eu cai dentro de um debate deste e participando daquela coisa, ouvindo aquelas pessoas, eu vi que todos os professores tinham a mesma angústia que eu. Ninguém sabia direito qual era o seu papel. Ninguém sabia direito qual era a função da arte na educação do aluno. Estava todo mundo perdido, que nem “cego em tiroteio”. Foram discussões importantes naquele momento, porque foi o momento em que aquelas angústias apareceram. (Cláudia)

O sentimento de estar perdida frente ao trabalho que desenvolvia e que a acompanhou durante um longo período teve neste encontro uma importância para a vida profissional de Cláudia, que percebeu que sua angústia e a falta de sentido que experimentava em seu trabalho também eram compartilhados pelos outros professores da área, o que somente foi possível constatar a partir desses encontros para discutir a Proposta Curricular, o que revela o isolamento no qual os professores viviam nessa época.

Dois professores que atuavam na Rede Estadual de Ensino no período em que a proposta foi implantada reconhecem a importância deste documento, que serviu como referência e material de apoio para o seu trabalho sendo ainda hoje lembrado e valorizado pelos docentes:

É, a vermelhinha, e depois a cor-de-rosa, era a Bíblia do professor. O professor podia se agarrar naquilo e entendia qual era o papel dele, a começar por considerar a arte como conhecimento, isto é fundamental. A arte é uma área do conhecimento como qualquer outra área. Ponto final. (Cláudia) A Proposta Curricular, carinhosamente chamada de “vermelhinha”, também serviu como subsídio para Eunice, que a estudou em sua formação inicial, documento que já apontava para alguns avanços na concepção do ensino de Arte, pois: “A proposta curricular do Estado já falava em arte- educação, mas ainda falava na disciplina Educação Artística”.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de Arte – PCN, foram lembrados por três sujeitos. Cláudia faz uma comparação entre a Proposta Curricular do Estado de São Paulo com o novo referencial, que teve sua divulgação em 1998, ou seja, dez anos depois da primeira edição da proposta:

Eu vou te falar, o PCN para mim é uma adaptação da proposta curricular de 92. Eu não vejo grandes alterações nos PCNs. Até acho que a proposta de 92 era melhor. Algumas coisas mudaram, uma palavrinha ali, algumas coisinhas, mas não vejo grandes avanços. (Cláudia)

Para Cláudia, apesar do PCN não ter proporcionado grandes mudanças em relação aos parâmetros contidos na Proposta Curricular, ela valoriza a proposta, pois:

Eu vejo que com os PCNs houve um avanço, eu vejo como uma coisa natural, pois precisa ter parâmetros e isto foi uma coisa legal. Ao mesmo tempo em que ela formatizada, ela não é uma “camisa-de-força”. Alguns professores estão perdidos, eles precisam mesmo de certos parâmetros para que eles não se percam no meio do caminho. Na primeira leitura que eu fiz do PCN, eu não vi grande diferença com o que eu tinha visto lá atrás. Quem já vinha trabalhando naquela linha não teve nenhuma dificuldade em trabalhar com o PCN. Eu não vejo assim grandes avanços no que foi feito. (Cláudia)

Por outro lado, dois professores teceram críticas ao PCN de Arte: A impressão que dá é que se oficializou que o professor tem que dar conta das quatro linguagens. [...] É difícil, é muito difícil o professor dar conta das quatro linguagens. Não se aprofunda nenhuma delas. Você acaba dando um pouco de artes visuais, um pouco de música, um pouco de dança. Aí, você faz a interação de duas ou três linguagens, mas sem aprofundamento em nenhuma delas. Não dá para ter um aprofundamento concomitante em duas linguagens, é inviável. Eu acho que até duas linguagens por ano dá para trabalhar, desde que a escola tenha uma proposta, por exemplo, dentro do ciclo, de quinta a oitava séries. Neste período todos os alunos teriam que estudar visuais, teatro, dança e música durante os quatro anos. Aí sim, talvez dê certo. O problema é que os professores mais novos, se eles não têm afinidade com teatro, então eles não ensinam, eles dão outra coisa. Teria que ter uma proposta pedagógica que garantisse isto. Aí talvez funcionasse melhor. (Eunice)

Esta crítica feita com relação à amplitude que o PCN de Arte abrange em suas referências para o trabalho com arte no processo de ensino- aprendizagem na escola e no enfoque nas diversas linguagens também foi contemplada por Lúcia, mas para esta professora o que mais a incomodou foi constatar que não estava preparada para atuar com tamanha diversidade:

Até hoje, não temos mais capacitações e o que tem é muito ruim. Mudou muita coisa, esta mudança que veio depois dos Parâmetros Curriculares. Eu tento fazer, a parte da dança, a parte do teatro, a parte da música. Mas eu nunca aprendi nada de música. Na faculdade mesmo, eu não aprendi nada. Como eles cobram que nós trabalhemos com alguma coisa que não

temos como oferecer? Se eu tivesse como, eu faria uma complementação. Eles mandam várias capacitações, mas do que nós sentimos falta não vem. (Lúcia)

Um aspecto que merece destaque é o reconhecimento que alguns professores deram com relação aos teóricos da área do ensino de Arte, com citações e elogios a tais profissionais, valorizando seu potencial e ressaltando sua importância destes profissionais nas mudanças que se efetivaram na área do ensino de Arte na Rede Estadual de Ensino, bem como a influência que ainda hoje exercem sobre eles:

O avanço verdadeiro, legitimo, foi aquela gente lá. Foi Ana Mae, foi Terezinha Guerra, a Fusari, todas elas e tantas outras. Todo este povo que pensou o ensino de Arte naquela época, que fez, que implantou a proposta curricular do ensino de Educação Artística. Esse povo tem o meu respeito e o meu mérito. Oss outros vieram na bagagem deles, vieram na mochila deles. Vamos dizer, uma segunda geração de pessoas, que quiseram, talvez até com boa intenção, aprimorar o que foi feito. Mas os pioneiros, os vanguardistas foram eles, aquele povo daquela época. (Cláudia)

[...] igual a assistir uma palestra da Ana Mae. Eu quase “pirei” quando consegui uma vaga. Eu não acreditei, eu vou conhecer a mulher. Era mais para conhecer ela mesmo que eu queria. Era para ver a cara dela, se ela existe de verdade. Porque tem aquela coisa, se você começa a estabelecer ídolos e de repente não é bem aquilo. Mas é. Eu é que tenho que adaptar o que ela fala com aquilo que eu faço. Ela está lá e eu estou aqui e eu vou adaptar o que ela fala com o que eu faço aqui. Eu gosto muito da Miriam Celeste também. Eu vou usar o que ela fala. A Gisa Picosque que me serviu de arrimo para trabalhar com o projeto de teatro. Tudo o que eu tinha de material da Gisa, eu juntei tudo para ler de novo, estudar de novo para entrar no projeto. (Dora)

Eu tive muita coisa, eu conheci muita gente boa. Olha este curso me ajudou muito, porque eu adquiri uma bagagem. Porque na hora de você vai ensinar você lembra das metodologias, das aulas, foram tantas formas de ensinar que eu tive no curso que eu consegui melhorar minhas aulas. Eu aprendi muitas dinâmicas diferentes. Foi muito bom. (Fernanda)

A admiração dos professores para com esses estudiosos vai além de uma simples constatação de que suas proposições são importantes. Para os entrevistados, suas reflexões serviram de aporte entre a teoria e a prática,

teoria e outra a prática, como se fizessem parte de coisas distintas, indissociáveis, um grande equívoco, uma vez que:

É preciso saber, porém, que todo trabalho humano, mesmo o mais simples e mais previsível, exige do trabalhador um saber e um saber-fazer. Noutras palavras, não existe trabalho sem um trabalhador que saiba fazê-lo, ou seja, que saiba pensar, produzir e reproduzir as condições concretas de seu próprio trabalho. O trabalho – como toda práxis – exige, por conseguinte, um sujeito do trabalho. Não poderia ser diferente com os professores, os quais realizam um trabalho que não é simples nem previsível, mas complexo e enormemente influenciado pelas próprias decisões e ações desses atores. (TARDIF, 2002, p.236)

É o que podemos constatar pela descrição que Dora faz do processo que vivenciou a partir dos cursos de que participou, em que os fundamentos abordados nos encontros foram os parâmetros que lhe possibilitaram reorientar sua prática docente e superar as dificuldades que encontrou ao retornar à sala de aula após um período atuando na Diretoria de Ensino, experiência esta que lhe trouxe grande satisfação e que desencadeou sentimentos de empolgação e de felicidade frente aos resultados alcançados.

Para a professora Fernanda também houve um processo de valorização da aprendizagem que teve na pós-graduação que cursou e o contato que teve com profissionais renomados da área do ensino de Arte, vivência esta que lhe possibilitou estabelecer mudanças em sua prática como docente, situação que lembra com muita alegria. Também ressaltou a influência que o contato com esses teóricos e pesquisadores da área provocaram em sua trajetória profissional, além de citar autores internacionais que são referência para o ensino de Arte em vários países e obras de indiscutível qualidade das quais utiliza para nortear seu trabalho como professora. Tudo isto demonstra ser uma profissional que procura estar atualizada e preparada para o exercício do magistério em Arte.

Nos depoimentos constataram-se alguns parâmetros que servem de orientação ao trabalho dos professores para o desenvolvimento das aulas

de Arte, pois descrevem ações que nos possibilitaram reconhecer algumas referências e concepções mais atuais em Educação e em Educação em Arte.

Também relevantes são as referências que alguns professores destacam no encaminhamento a visitas a espaços culturais e o trabalho com projetos.