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O professor e o trabalho com projetos

4. O que os dados revelam

4.2.3. O professor e o trabalho com projetos

Notamos que parte dos professores que participou desta pesquisa tem um trabalho, pelo menos parcialmente, orientado para o desenvolvimento de projetos. Dos oito docentes, seis se reportam aos projetos que realizaram na escola para descrever ações que os deixaram satisfeitos com os resultados alcançados.

Um dos professores destaca que tomou contato com a metodologia do trabalho com projetos na escola em cursos de formação continuada que realizou na Diretoria de Ensino, e que depois que participou dos encontros de formação sua prática pedagógica mudou:

Nós tivemos a oportunidade de aprender muito, eu aprendi muito. Minhas aulas hoje são centralizadas nas capacitações. Me ajudou muito, eu aprendi a montar projetos. Na faculdade eu não tive esta oportunidade. As capacitações foram excelentes, até hoje eu uso o material destes cursos. Por exemplo, um plano de aula comum, que não está funcionando com uma sala, eu já mudei imediatamente para trabalhar com projetos. [...] É muito mais fácil. Eu gosto, embora tenha muita gente que não goste de trabalhar com projetos, que acha que é muito difícil de montar, de desenvolver, mas não é. É muito bom, porque dá liberdade para agir. Nós podemos pegar um conteúdo e ampliá-lo para várias direções e fica interessante para o aluno. Não fica só naquele conteúdo fechado. Eu, particularmente, trabalho com dois, três projetos de uma só vez e vai, vai bem. (Paulo)

Os projetos de trabalho configuram-se como uma maneira diferente de organizar e desenvolver o conteúdo e que se “Bem encaminhados, os projetos valorizam o trabalho de arte e ressignificam o papel da escola na comunidade e o da arte na educação”. (ARSLAN & IAVELBERG, 2006, p.105)

Ao ser questionado como é a participação dos alunos nos projetos que desenvolve, Paulo afirma que:

É ótima. Eu tenho trabalhos excelentes deles. Todos os anos, a partir das capacitações, o trabalho com projetos é um dos melhores que eu tenho. Deram uma outra dinâmica para as minhas aulas. Eu prefiro trabalhar com projetos, eu até eliminaria o plano. Eu gostaria que fosse só com projeto. (Paulo)

A reação dos alunos e a satisfação do professor ao evidenciar sua preferência pelo trabalho com projetos confirmam o que muitos estudiosos defendem, uma vez que:

Os projetos motivam os alunos, pois seus interesses e curiosidades têm espaço na sala de aula. Isso requer do professor uma postura aberta para orientar e replanejar as atividades. (ARSLAN & IAVELBERG, 2006, p.105)

Embora não tenha descrito uma atividade que realizou orientada por projetos de trabalho, podemos afirmar que Paulo se sente seguro com este tipo de trabalho e se mostra realizado com os resultados.

Outros dois professores descrevem situações de sucesso e de alegria com o trabalho que realizaram, tendo como referência projetos promovidos pela Secretaria de Cultura do município e por uma indústria química da região. Esse tipo de projeto que se apóia na parceria entre as unidades escolares com outras instituições locais. É muito comum e em muitos momentos é criticado pelos professores, que sentem neste tipo de proposta uma intervenção externa ao trabalho que desenvolvem e que pouco se relacionam com o projeto pedagógico da escola, ou com o trabalho que realizam com os alunos.

Com os sujeitos desta pesquisa, a percepção acerca dessa forma de intervenção externa ao âmbito escolar foi positiva, proporcionando a oportunidade de aproveitar as propostas para orientar algumas ações com aos alunos. É o caso de Dora, que afirma que a proposta do Projeto de Teatro promovida pela Secretaria de Cultura do município foi a situação que desencadeou um processo de mudança de seu trabalho na escola e um reconhecimento dos alunos para com a disciplina em que atua. Além disso,

Dora relata que foi por meio da adesão a este projeto que conseguiu superar as dificuldades que enfrentou em sua volta para a sala de aula, situação já comentada anteriormente.

É interessante constatar que, após a proposta inicial da prefeitura, ela desenvolveu um projeto com os alunos. O projeto esteve sob sua orientação de 2000 a 2005, ano em que um ex-aluno e ex-integrante do grupo de teatro da escola assumiu o comando do projeto, experiência esta que Dora descreve com emoção ao ser questionada quanto ao rumo que o projeto tomou:

Não, ele continua só que com o comando de um ex-aluno. Em 2005 ele ainda era aluno. Eu passei a direção para ele. Eu reuni o grupo e falei, aconteceu isso, isso e aquilo, eu não tenho mais tempo, eu vou tentar me ajeitar, mas não está dando. Então eu estou passando a direção para fulano. Ele ficou me olhando com uma cara. Ele não acreditou no que ouviu. Eu fiquei um tempo observando quem poderia assumir a direção, porque não é só dar ordens, tem que saber falar, tem que saber ouvir, tem que saber coordenar todos os problemas e a pessoa que mais se encaixou foi ele. A diretora falou que tudo bem, que ele poderia assumir. Eu fiquei de fora só observando, nem olhei para trás, senão não teria conseguido sair. Foi triste, mas necessário. (Dora)

Mesmo tendo se afastado do projeto de teatro, Dora continuou apoiando o aluno no início de sua atuação na condução do grupo:

Eu fui ajudando. Hoje ele montou um texto, um texto lindo, uma adaptação muito boa. Ele está indo muito bem. Para mim esta foi a comprovação de um trabalho. (Dora)

O sentimento de realização e de alegria frente aos resultados que o projeto de teatro lhe proporcionou, que agora está sob a liderança de um ex- aluno, são elementos que comprovam o sucesso desta empreitada, já que o projeto se estende há seis anos e tem o apoio dos estudantes, dos pais e da equipe diretiva da escola.

Eunice também se referiu ao projeto de teatro desenvolvido pela prefeitura, momento em que passou por uma experiência de troca da diretora da escola que conturbou um pouco o desenvolvimento do projeto:

Eu montava espetáculo de teatro com os alunos para participar da Mostra de Teatro que tinha em ..(cidade). Era uma mostra inter-escolar de peças curtas, e ela me apoiava muito. Aí mudou a diretora. Veio uma diretora nova. Ela se incomodava. Me desanimou muito no início. É que eu não conseguia fazer uma coisa muito planejada para entregar muito antes, eu ia fazendo. A outra diretora queria que eu falasse tudo que eu ia fazer, para onde eu ia, como eu ia fazer. Como se eu conseguisse antecipar as coisas. Eu não conseguia muito seguir as regras. Ela era muito certinha, “redondinha”. Ela ficava um pouco desesperada. Ela só se tranqüilizava quando via o produto final. Aí tudo bem. (Eunice) Além do projeto de teatro, Eunice afirma ter participado de um outro projeto impulsionado por instituições externas à escola, uma feira de Ciências:

[...] eu participei de uma feira de ciências da ... (indústria). Eu ajudava a professora de Biologia. Nós fizemos um trabalho de confecção de tintas a partir de produtos naturais na feira de ciências, foi muito bom. Eu fui com os alunos. Nós apresentamos o trabalho na feira. Foi muito legal. (Eunice) As experiências com projetos realizados em parceria com entidades do município trouxeram para Eunice, como também observou-se no caso de Dora, momentos de realização profissional, porém nas duas ações não pudemos perceber quais foram os caminhos que orientaram o desenvolvimento desses projetos.

Numa outra perspectiva, a professora Fernanda também destaca como ações de sucesso o desenvolvimento de projetos educativos e relata que na unidade escolar onde leciona esta modalidade de ensino é valorizada pelo corpo docente:

É engraçado, nas outras escolas os professores fogem dos projetos, aqui os professores brigam para entrar nos projetos. Acaba acontecendo isto, todo mundo acaba querendo trabalhar nos projetos. (Fernanda)

Fernanda relata que os projetos que desenvolve na escola contam com o apoio de professores de outras disciplinas e que se sente satisfeita com os resultados alcançados, mas faz críticas às dificuldades que encontra para desenvolvê-los:

[...] bom, eu vou encontrando brechas. Se você está num sistema que te impede de trabalhar, você tem que procurar meios para fazer as coisas. Nós vamos indo contra a corrente, não é? (Fernanda)

Porém, Fernanda afirma que os projetos que desenvolve na escola só têm um encaminhamento favorável por contar com o apoio financeiro da direção da escola, que busca por meio da arrecadação de fundos em festas realizadas na escola ou da verba da APM, recursos para custear o material necessário para o desenvolvimento dos projetos. Isto evidencia a falta de recursos com que as escolas estaduais, precisando recorrer à realização de festividades para arrecadar dinheiro a fim de realizarem atividades de cunho pedagógico, com um custo relativamente baixo, conforme podemos constatar no depoimento da professora:

Eu gosto que tenha tudo. Como a minha formação é em teatro, vamos fazer teatro. Não é teatrinho. É teatro, tem que ter iluminação. Aí o professor de Química me ajudou. Eu falei para o diretor, eu estou precisando comprar algumas coisas, posso comprar? Vai dar uns cento e cinqüenta reais. Ele falou, compra que depois nós reembolsamos com a APM. Eu comprei fios, interruptor, um monte de coisas, e o professor de Química fez o esquema da iluminação com os latões da merenda. Um “barato” aquilo. Nós inventamos, não é? Mas se não é uma direção que fala: Olha, tem cem reais aí para você, a coisa não acontece. Como as peças do ano passado e deste ano deram certo, ele apóia. Quando eu precisei comprar tecido para fazer o figurino, ele fez uma festa para arrecadar o dinheiro. Eu comprei o tecido e minha mãe fez, ela sabe costurar, ela gosta. (Fernanda)

É interessante notar o prazer que tem em desenvolver os projetos com os alunos e o compromisso que Fernanda assume com a formação dos educandos, procurando superar as dificuldades que encontra para realizar seu trabalho:

Eu vou movimentando todo mundo. O Estado, ele não quer. Ele não tem estrutura e não quer ter, mas nós vamos fazendo o que dá. Aos poucos nós vamos conseguindo fazer um trabalho legal. Os alunos gostam, eles precisam ter acesso à cultura, a arte, é este o nosso papel, não é? (Fernanda)

O professor Roberto também se reporta à importância da equipe diretiva da escola (diretor e coordenador pedagógico) para o desenvolvimento dos projetos, porém numa perspectiva diferente, pois os projetos educativos estão atrelados ao projeto educacional da escola e trabalhados coletivamente com os professores. Das experiências relatadas pelos professores esta é a única experiência dos professores que participaram desta pesquisa que prima em articular o coletivo escolar em ações educativas, dinâmica esta que fortalece o trabalho em equipe.

Apenas nos relatos da professora Fernanda, que afirma que os projetos têm a participação dos professores de outras áreas do conhecimento e do professor Roberto, que relata uma situação mais abrangente e consistente da participação do coletivo na organização dos projetos, se encaminham na direção de uma participação mais coletiva. Notamos, no entanto, que para os outros professores o desenvolvimento de projetos educativos é fruto da vontade individual desses docentes em querer proporcionar aos alunos vivências mais significativas no processo de ensino-aprendizagem em Arte. Este é o caso de Cláudia, que na sua descrição de um projeto que estava desenvolvendo com os alunos do período noturno na época em que foi realizada a entrevista, pudemos contemplar, pelo menos parcialmente, os parâmetros que orientaram seu trabalho.

Hernandez (2000), em sua proposta para o ensino de Arte, fundamenta-se na idéia de que o processo de ensino-aprendizagem em Arte deva ampliar a compreensão da cultura visual e a compreensão do contexto cultural de períodos anteriores e das manifestações da contemporaneidade.

O projeto que Cláudia desenvolveu e que relatou parte das ações que realizou com os alunos do período noturno nos parece ser amparado pelas proposições de Hernandez (2000), uma vez que ao contemplar a temática da

“pichação e do grafite”, sua proposta de trabalho privilegia a questão das imagens da contemporaneidade, como também propõe um debate com os estudantes sobre questões que estão presentes no meio social em relação a essas manifestações: “[...] será a pichação uma obra de arte?” (Cláudia)

Ao abordar tal temática a professora desencadeou um processo reflexivo em relação às manifestações da pichação e do grafite, que foi mediada de forma dialógica e, conforme ela mesma afirma, envolvente, o que podemos constatar em seu depoimento:

Eu não cheguei na sala de aula e falei: Olha, pichação é horrível, nós temos que terminar com isto. Eu cheguei na sala de aula e falei: O que é isso? Pichação é o cara que coloca o nome dele na parede. Ah! Pichação é só isso? Colocar o nome na parede. Eu não consigo ler aquilo. Não, está escrito o nome dele e outras coisas, é em role, etc. E aí, o que vocês acham disto? Eu acho que é arte. Ah, é arte? Eu não acho que é arte não professora, é vandalismo, um aluno falou. É interessante, a pessoa que foi vítima da pichação acha que é vandalismo. Tem aquele que fica “encima do muro”. Ah! Eu não sei se é arte. Grafite é arte, não é professora? É, grafite é arte. E então professora é arte ou não? (Cláudia)

Ao instigar o debate, Cláudia, num segundo momento, propõe que pela pesquisa aprofundem a reflexão sobre o tema:

E então professora é arte ou não? Eu não estou aqui para dar a resposta. Vamos ver o que é isto, vamos pesquisar? Porque eu acho que a única forma que nós temos para saber é pesquisando. Daí nós chegaremos a uma conclusão para saber se é arte ou não. Eu sou muito preconceituosa, eu acho que isto não é arte. Mas, e se for? E quando Kandinsky pintou os quadros abstratos, as pessoas falavam: Isso aí é arte? Quando nós vamos à Bienal e vemos algumas coisas “muito loucas”, até eu que sou arte-educadora fico me perguntando: Isso aí é arte? De repente, essa coisa nova aí é arte e nós estamos dizendo que não é. Vamos estudar, de repente sou eu que estou aqui falando que não é. Eu vou prestar um desserviço para vocês. Vamos ver se esta manifestação é arte. Foi um movimento muito interessante, porque em nenhum momento eu impus minha posição, apenas mediei e foi muito legal. Trabalhar com projeto é muito bom, porque o aluno se envolve de corpo inteiro naquilo. Ele vai em busca do saber. E você tem que ensinar o aluno a pesquisar, não é lá dentro da Universidade, a pesquisa tem que vir desde cedo, desde criança. Você tem que instigar a curiosidade desde

informática. A sala de informática tem que ser usada para isto, não é só para aprender a digitar no Word. Vamos fazer pesquisa. Daí a molecada foi, foi fazer pesquisa na internet. Eu tenho toneladas de disquetes de pessoas defendendo a pichação como arte, de pessoas defendendo que é uma forma de expressão, mas não é arte. Eu tenho tendência para estar neste lugar aí. Eu acho que é uma forma de expressão, não uma forma de arte. E algumas pessoas que “batem de frente” mesmo, que falam que é vandalismo, que é falta de educação. Tem pessoas que acham que tem que bater. (Cláudia)

A proposta de Cláudia em realizar uma pesquisa e de não impor suas opiniões, ao contrário, colocando-as em questionamento frente aos alunos, evidencia sua postura no processo de ensino-aprendizagem, que visa problematizar a realidade e propor ao aluno a investigação, em vez de optar pela simples transmissão do conhecimento e, para isto, utiliza uma temática ligada a questões da visualidade no mundo contemporâneo. Esta dinâmica que estabelece com os alunos sinaliza para uma “[...] atitude de cooperação em que o professor seja um aprendiz e não um especialista [...] Um percurso que procure estabelecer conexões e que questione a idéia de uma versão única da realidade”. (Hernandez, 2000, p.183)

Ao propor aos alunos a pesquisa como forma de ampliação do conhecimento e posterior debate com a sala, Cláudia utiliza uma ferramenta que nos dias atuais é foco de debates no meio educacional, a utilização do computador e da Internet no desenvolvimento de seu trabalho educacional.

Após o momento inicial de busca de informações a professora propõe um debate e o contato com os pichadores da cidade, dando voz e espaço a eles na sala de aula, como forma de ampliar a reflexão:

Então vamos organizar tudo isto. Daí nós fizemos os seminários. A classe foi dividida em três turmas. Os que defendiam e achavam que era arte, os que achavam que era uma forma de expressão e os que eram contra, que achavam que era vandalismo mesmo. Depois de muito debate em sala nós não conseguimos chegar a uma conclusão. Daí eu falei: Vamos fazer uma coisa, nós até agora ouvimos o que as pessoas falam sobre o pichador, eu acho que está na hora de nós ouvirmos ele. Nós temos que dar voz ao pichador. Por que

ele faz? Como ele faz? No que ele acredita? E eles vieram e foi muito bom. Foi um debate muito legal em sala. (Cláudia) Para encerrar o projeto Cláudia e os alunos grafitaram o muro da escola que estava pichado, proposta vinda dos alunos e que teve o auxílio dos pichadores. Esse momento Cláudia o descreve: “Vieram os pichadores para ajudar. Alguns alunos chamaram os grafiteiros amigos deles. Grafitamos, mas porque os alunos que fizeram a proposta. Eu acho que foi um excelente momento”. (Cláudia)

Esta proposta que contempla o fazer artístico no processo de ensino-aprendizagem em Arte, trata-se de uma dimensão que também é a uma referência para o desenvolvimento de projetos, que segundo Hernandez (2000, p.183) é um dos parâmetros que caracterizam uma proposta educacional por meio de projetos: “Por isso, não esqueçam que a aprendizagem vinculada ao fazer, à atividade manual e à intuição também é uma forma de aprendizagem.”

4.3. O professor de Arte face às condições de

trabalho, o início da carreira e as relações

interpessoais na escola

Em sua trajetória profissional os professores de Arte, sujeitos desta pesquisa, tiveram momentos em que se sentiram apoiados e amparados pelas ações do governo paulista e outros em que foram marcados pelo descaso e abandono, tanto nas questões salariais como nas condições concretas para desenvolver seu trabalho em sala de aula. Esses fatores afetaram sua atuação que, somando-se a outras intervenções, como as relações com os diretores de escola, coordenadores pedagógicos e docentes de outras disciplinas, que interferiram em suas condições de trabalho e na concepção que têm de si mesmos enquanto profissionais e de sua área de atuação.

4.3.1. O espaço físico, materiais pedagógicos, questões