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4. PROJETO JUSTIÇA COMUNITÁRIA

4.1 O Programa Balcão de Direitos

A concepção de Balcões de Direitos surgiu a partir de experiências de promoção do exercício da cidadania voltadas à população de baixa renda, realizadas por órgãos públicos e organizações não-governamentais, por meio da prestação gratuita de serviços de assistência jurídica e de fornecimento de documentação civil básica.

O impulso para a implantação do Programa resultou, ainda, do recebimento, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), de vários pedidos de apoio para implantação de experiências como as mencionados acima. Esses pedidos eram numerosos e recorrentes e percebia-se a existência de vários projetos inovadores e com grande potencial de êxito sem suporte para serem implementados.

Os resultados alcançados com esses projetos apoiados pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos - SEDH, no período 1996-1999, fundamentaram a criação de uma ação específica, no âmbito do Programa Direitos Humanos, Direitos de Todos - PPA 2000-2003, voltada para a Implantação de Serviços de Fornecimento de Documentação Civil Básica e Orientação Jurídica Gratuita.

Surgia formalmente o Programa Balcão de Direitos, que consiste em apoiar a implantação e manutenção de projetos que, por meio de postos fixos ou itinerantes, ofereçam aos segmentos de baixa renda assistência jurídica gratuita e facilitação na obtenção de

documentação civil básica, além de orientações de forma a contribuir para a promoção da cidadania e a defesa dos direitos humanos.

O Programa Balcão de Direitos possui três vertentes principais: (i) fornecimento de documentação civil básica, (ii) informações sobre direitos e (iii) acesso à justiça. Ao fornecerem documentação civil básica, os Balcões fazem concomitantemente um trabalho de educação sobre direitos e de discussão da importância de se possuir aquela documentação. Parte da formatação atual do Programa é derivada do projeto criado em 1996 pela ONG Viva Rio, também denominado “Balcão de Direitos”.

Quando o Balcão é implementado por órgãos governamentais, a documentação, em geral, é fornecida no próprio local. Em situações onde esta implementação é realizada apenas por ONG, esta não pode fornecer a documentação diretamente. É realizado, então, um trabalho para facilitar o acesso a essa documentação (custeio das despesas com fotografia, acordo prévio com cartório, etc).

Nas atividades relacionadas ao fornecimento de informações sobre direitos, procura-se provocar a demanda por esclarecimento, discutindo-se previamente com a comunidade quais são os problemas existentes e, então, fornecendo informações sobre os recursos e instituições governamentais disponíveis para sua resolução.

A terceira vertente geral de atuação do Programa – acesso à justiça – pretende atingir populações sem acesso a direitos fundamentais mínimos. Para tal, fornece tanto orientação como assistência jurídica gratuita e, em alguns projetos apoiados pelo Programa, têm sido realizadas experiências de conciliação e de mediação comunitária de conflitos.

Para que possa começar a atuar, quanto instalado em uma região, o Balcão precisa realizar um trabalho de divulgação junto ao seu público-alvo. Em geral, esta divulgação é realizada por meio de folders e cartazes. Contudo, a grande disseminação se dá informalmente, por meio da rede de contatos existentes dentro da própria comunidade. Essa

disseminação é rápida principalmente quando se iniciam os primeiros atendimentos, sobretudo se estes alcançam resultados exitosos. Esses resultados recuperam a confiança da população na Justiça e inserem o Balcão como mecanismo de administração de conflitos reconhecido por aquela população.

Os Balcões podem ser fixos, itinerantes ou híbridos. O modelo fixo, em geral, possui maiores chances de alcançar melhores resultados na prevenção à violência, pois o convívio continuado deste com a comunidade favorece a aproximação e construção do sentimento de confiança na população atendida. Foram relatados, inclusive, pela coordenação do Programa, alguns episódios onde a apropriação do Balcão pela comunidade é tão grande que esta passa a procurá-lo para resolver quaisquer problemas que porventura surjam em seu meio (como, por exemplo, problemas de alcoolismo, distúrbios psiquiátricos, etc). Nesses casos, o Balcão procura fazer um encaminhamento às instituições mais recomendadas para solucioná-los.

Na modalidade “itinerante”, os Balcões são móveis, instalados periodicamente em diferentes localidades. Esse modelo pressupõe uma dinâmica de articulação prévia com autoridades e instituições governamentais relacionadas existentes no local por onde se pretende que o Balcão passe. Uma divulgação anterior junto à população local também se torna necessária.

A vantagem dessa modalidade é a abrangência, havendo a possibilidade de um mesmo Balcão atender um número infinitamente maior de pessoas. No entanto, o problema está na dificuldade de serem estabelecidos vínculos de confiança e legitimidade da comunidade com o mecanismo de solução de conflitos, fundamental para o aumento de confiança na Justiça. O caráter temporário do mecanismo também prejudica a garantia de cumprimento dos acordos – o conflito é solucionado, mas o mecanismo que o solucionou não está mais presente na fase de cumprimento da solução adotada.

Já o modelo “híbrido” permite conjugar os pontos positivos das duas outras modalidades explanadas acima: o Balcão é estabelecido em uma localidade determinada, mas este conta também com uma equipe móvel, que se desloca possibilitando atingir populações que de outra forma não seriam contempladas pelo serviço.

Alguns Balcões acabam estimulando a criação de projetos paralelos que vêm complementar as necessidades identificadas em determinada comunidade. Como exemplo, pode-se mencionar a cidade de Pelotas-RS, onde foi criado um programa de habitação popular a partir do trabalho do Balcão ali instalado: o projeto “More Legal”.

Em 2003, a SEDH apoiou 23 Balcões de Direitos, distribuídos em todo o Brasil (vide Tabela 1, abaixo). Em 2004, foi estabelecido como prioritário o apoio à instalação de Balcões nas regiões Norte e Centro-Oeste, com prioridade para estados e localidades mais pobres, que normalmente são mais precariamente atendidos por serviços equivalentes aos dos Balcões. Passou também a ser considerada prioritária a implantação em assentamentos rurais, quilombos e municípios-foco de aliciamento para trabalho escravo.

Os convênios para implantação de Balcões podem ser celebrados com inúmeras organizações – as mais freqüentes são ONGs, prefeituras, governos estaduais, Ministério Público e Universidades (vide tabela 1). Os repasses de recursos são efetuados diretamente da Secretaria Especial de Direitos Humanos para os beneficiários, sejam estes entes públicos ou ONGs, por meio de convênios. No entanto, o maior problema do Programa é a falta de sustentabilidade desses convênios. Dada a limitação de recursos, o Programa passa a ter de lidar com um dilema – ou apóia sempre os mesmos projetos ou amplia sua atuação, deixando sem apoio alguns projetos contemplados no ano anterior.

Tabela 1 – Balcões de Direitos: Convênios Celebrados x Natureza da Instituição Executora

Instituição Executora Número Governo Estadual 07 Prefeitura Municipal 04 Instituição Não Governamental 12 TOTAL

23

Fonte: Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH (2003)

Apesar do sucesso alcançado durante o período de implantação, o trabalho de muitos Balcões acaba por ser descontinuado, por estes não serem auto-sustentáveis. Cessado o apoio da SEDH, muitas instituições não possuem recursos próprios para prosseguir com as atividades e nem todos os projetos têm conseguido estabelecer parcerias para viabilizar a continuidade das ações. Essa quebra de atuação frustra as expectativas da população, comprometendo os bons resultados alcançados pelo programa. Assim, a mobilização e apoio das instituições locais e regionais, tanto governamentais como da sociedade civil, é fundamental para a busca de alternativas que possam conferir maior sustentabilidade aos Balcões já instalados.

Outro problema identificado foi a inexistência de uma sistemática de monitoramento e avaliação dos projetos e do programa como um todo. Durante esse primeiro período de implementação do programa, foram realizadas duas câmaras técnicas para discussão dos resultados alcançados. No entanto, a periodicidade dessas reuniões tem se mostrado insuficiente, pois as agências implementadoras dos Balcões freqüentemente demandam oportunidades de troca de experiências com as outras instituições apoiadas. Ainda assim, torna-se necessária uma avaliação mais aprofundada dos projetos implementados – o que pode ser constatado pela escassez de estatísticas referentes a suas atividades – para possibilitar melhor planejamento e eventual correção de rumos.

Quanto aos próximos passos, em entrevista a gestores do programa, foi identificado como interesse da SEDH a sua continuidade, com o estímulo à expansão da atuação dos Balcões de Direitos na área de mediação popular. Esse tipo de mediação difere-se da mediação tradicional, pois seus agentes são indivíduos que fazem parte da própria comunidade. Esse fator possibilita uma maior disposição das pessoas a resolverem seus conflitos por meio do Balcão. Na mediação, todos participam ativamente do processo de solução do litígio, o que mantém os laços de vizinhança e ajuda a vencer a resistência perante a Justiça.

Atualmente alguns Balcões já implementam atividades de mediação, mas, na maioria das vezes, estas são realizadas sem o devido preparo. Estruturar uma ação de capacitação de lideranças comunitárias para atuação em mediação civil, no âmbito do Programa Balcão de Direitos, será a próxima área de maior concentração de esforços dos gestores do programa. Essas atividades teriam foco na administração preventiva de conflitos, evitando que pequenas controvérsias, quando não trabalhadas previamente, acabem por desencadear crimes violentos.

Os elementos mencionados acima são características gerais do Programa Balcão de Direitos, que se manifestam com intensidades diferentes em cada Balcão apoiado, podendo mesmo uma ou outra estarem ausentes em algumas experiências.

4.2. Projeto Justiça Comunitária