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Custos transacionais do ambiente social: uma análise da Justiça brasileira em contraste com o projeto Justiça Comunitária

5. ESTUDO DE CASO: UMA ANÁLISE DO PROJETO JUSTICA COMUNITÁRIA

5.2 Custos transacionais do ambiente social: uma análise da Justiça brasileira em contraste com o projeto Justiça Comunitária

Como explanado anteriormente, deficiências nos mecanismos de garantia do cumprimento das regras formais, ou seja, no sistema de justiça, elevam os custos de transação: são acrescidos tanto os custos de mensuração – pela carência de informações uniformizadas e amplamente disseminadas sobre direitos e deveres existentes-, como de imposição, pelos problemas de funcionamento do sistema de justiça.

As principais elementos que influenciam o aumento dos custos transacionais, quando considerado o sistema de justiça , são os seguintes62:

(i) desconhecimento sobre direitos e deveres ou sobre como acessar o Judiciário; (ii) duração do processo: demora na solução do litígio;

(iii) elevadas custas judiciais e dificuldade de acompanhamento do processo, devido ao grande número de recursos possíveis e à necessidade de advogado;

(iv) falta de confiança no cumprimento das leis vigentes, manifestada pelo descrédito no funcionamento da Justiça.

Assim, após o exame do processo de implementação e dos mecanismos adotados pelo projeto Justiça Comunitária para a promoção do acesso à justiça, será aqui efetuado um contraste com os mecanismos disponíveis no processo judicial tradicional. Essa análise

62 Pinheiro (2001) associa a qualidade do Judiciário à decisão dos agentes em recorrerem a este ou a outro

método de resolução de disputas. O autor define quatro características para analisar esta “qualidade”, em parte coincidentes com as propostas neste estudo: agilidade, previsibilidade, imparcialidade e custo de acesso.

procura avaliar se os mecanismos selecionados pelo projeto para operacionalizar a busca do resultado de ampliação do acesso à justiça são mais favoráveis à redução de custos transacionais e à opção voluntária por práticas de resolução pacífica de conflitos nas comunidades atendidas do que aqueles proporcionados pelo processo judicial tradicional.

Devido à dificuldade na obtenção de dados precisos referentes a todos os aspectos analisados e as ressalvas metodológicas quanto à comparação destes, por corresponderem a dois universos tão distintos (a justiça formal como um todo e o projeto Justiça Comunitária), a análise aqui realizada não pretende ser conclusiva, mas sim lançar algumas reflexões a respeito do contraste entre diversos aspectos do funcionamento desses dois mecanismos de administração da justiça (justiça formal e Justiça Comunitária).

Este contraste será realizado em torno de seis elementos principais, derivados dos quatro pontos que interferem nos custos de transação mencionados acima:

(i) promoção do conhecimento de direitos e deveres e de como acessar a Justiça; (ii) duração do processo;

(iii) custos financeiros necessários para que o indivíduo tenha acesso ao mecanismo de resolução de controvérsias;

(iv) mecanismos de garantia de cumprimento das soluções adotadas; (v) satisfação dos beneficiários quanto ao processo e solução adotada; (vi) imagem da Justiça.

O primeiro elemento está relacionado aos custos de mensuração. Os elementos de número dois a cinco referem-se ao funcionamento do mecanismo de administração de conflitos (sistema formal ou informal), relacionando-se aos custos de imposição. O elemento de número cinco, juntamente com o sexto elemento, pode oferecer alguns insights para a reflexão quanto à opção voluntária por mecanismos de resolução pacífica de conflitos (formais ou informais).

(i) Promoção do conhecimento de direitos e deveres e de como acessar a Justiça:

Não há no sistema de justiça formal uma sistemática regular de esclarecimento da população sobre direitos e deveres. Apesar de existirem algumas iniciativas isoladas de fomento da informação sobre Justiça aos cidadãos, esta continua sendo uma importante barreira ao acesso à justiça.

Ainda quanto ao conhecimento de direitos e deveres e do funcionamento dos mecanismos de administração de conflitos existentes, é relevante mencionar que o sistema de direito adotado no Brasil está fundado em uma “ciência normativa”, não reivindicando uma origem “popular” ou “democrática”. Em conseqüência, o “capital simbólico” do campo do Direito (Bourdieu, 1987) não reproduz ampliadamente seu valor porque não expressa a “vontade do povo”, ou um conjunto de prescrições morais partilhadas e internalizadas pelo cidadão comum, mas, ao contrário, manifesta-se como uma imposição das “autoridades”. Como expressa Kant de Lima (1999):

...Nesta versão do sistema de produção de verdades judiciárias, existe uma valorização positiva explícita do conhecimento detido de forma particular, não universalmente disponível na sociedade: quem pergunta sempre sabe mais do que quem responde e é deste saber que advém a autoridade do seu discurso. Decorrem daí, inclusive, regimes retóricos distintos daqueles de argumentação que busca o consenso: aqui predomina o embate escolástico de teses opostas, em que apenas uma deve ganhar, por ter saber mais autoritativo do que a outra. Vale o argumento da autoridade, em prejuízo da autoridade sem argumentos.

Nesse contexto, a obediência ou a desobediência às leis e regras não se coloca como questão de transgressão moral a regulamentos explícitos facilmente acessíveis, a serem literalmente interpretados, mas como o resultado da escolha entre a liberdade de agir e o constrangimento externo... (Kant de Lima, 1999, p.25)

Dessa forma, o domínio público é o lugar controlado pelo Estado de acordo com “suas” regras, de difícil acesso e, portanto, onde tudo é possivelmente permitido, até que seja

proibido ou reprimido pela “autoridade”, que detém não só o conhecimento do conteúdo, mas, principalmente, a competência para a interpretação correta da aplicação particularizada das prescrições gerais.

Como agravante ao fato de não existirem ações consolidadas de informações sobre direitos e deveres à população, as características do sistema de direito brasileiro produzem um distanciamento da população da Justiça e dificultam ainda mais a compreensão dos seus princípios básicos de funcionamento.

No projeto Justiça Comunitária, constatou-se que a atividade de orientação jurídica é atualmente o eixo de atuação mais desenvolvido. Na pesquisa qualitativa realizada pela equipe do projeto, cerca de 53% dos respondentes se manifestaram positivamente quanto ao trabalho dos agentes. Contudo, cerca de 32% demonstraram-se insatisfeitos, em sua maioria, por considerarem que a orientação jurídica prestada pelos agentes não foi célere e eficiente.

No entanto, quando questionados se voltariam a procurar o projeto, a maioria dos entrevistados (56,4%) respondeu favoravelmente. Há o reconhecimento da importância do projeto na comunidade, dos agentes irem à casa das pessoas, de explicarem os direitos aos moradores, do agente “virar, tipo uma pessoa amiga63 e, principalmente, o aspecto pedagógico do projeto. Percebe-se, assim, a validade do trabalho, apesar da necessidade de aprimoramento.

Na análise dos dados preliminares dos questionários aplicados pelos agentes em agosto/setembro de 2005, algumas informações semelhantes às mencionadas acima aparecem. Dos 162 respondentes (cerca de 44% dos entrevistados) que afirmaram ter conhecimento do projeto, 68 revelaram já terem utilizado os seus serviços (cerca de 42% destes64). Entre os que

nunca haviam utilizado, a maioria (73 respondentes, ou cerca de 78% dos que já conheciam o

63

Comentário de um morador de Ceilândia.

projeto, mas nunca o utilizaram) afirmou não te-lo feito apenas por nunca ter necessitado, mas recorreria aos agentes, se preciso fosse.

Em adição aos elementos mencionados acima, quando observados os dois perfis extremos de entrevistados – aqueles que conhecem e já usaram o projeto e aqueles que não conhecem e nunca o usaram – verificam-se os seguintes dados, referentes aos mecanismos de solução de controvérsias preferidos por cada um dos grupos65:

Tabela 10 - Conhecimento e uso dos serviços do projeto x mecanismos de solução de controvérsias preferidos66

1. Respondentes que conhecem