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O projeto jornalístico em alguns manuais de redação

O FAZER JORNALÍSTICO

B) Jornalismo opinativo

3.3 O projeto jornalístico em alguns manuais de redação

O jornalista não constrói foguetes, escreve simplesmente sobre eles.

(John Hohenberg, 1962, p. 22)

Se no passado remoto o jornalismo teve início como uma forma artesanal e solitária, hoje obedece a severas rotinas de produção, constituindo-se em um bem político e econômico, que alimenta um discurso a respeito de si próprio como independente e com função social na comunidade. Parte desse discurso sobre si mesmo (metadiscurso jornalístico) inicialmente se achava entre os membros da equipe, mas, depois, passou a ser cristalizado também nos chamados manuais de redação, onde se pode tem uma prescrição, um receituário de como o veículo deve enunciar sobre os assuntos que apresenta diariamente. Uma enunciação de como enunciar.

Os manuais de redação chegaram no Brasil em meados da década de 1950 para generalizar procedimentos de técnica de redação adaptados de modelos estrangeiros e para solucionar problemas ortográficos, como o uso de maiúsculas e a grafia de nomes originalmente escritos com ideogramas ou em alfabeto não-latino, por exemplo (Lage, 1993, p. 50). Nem todos os jornais e outras empresas jornalísticas possuem manuais de redação, mas acabam sempre seguindo um certo saber técnico e profissional que serve de guia para a equipe. Dos jornais que fazem parte do corpus de análise, os manuais de O Globo e da Folha de S. Paulo têm circulação nacional, estando à venda em livrarias. O Jornal do Commercio lançou recentemente seu manual ao público. Zero Hora possui manual interno e O Liberal não possui manual com circulação externa (ao público) ou interna (na empresa).

Atualmente, dos manuais vendidos em livrarias (como da Folha, de O Globo, de O Estado de S. Paulo e da Editora Abril) o da Folha não aborda somente técnicas de redação ou tira dúvidas sobre questões ortográficas, mas apresenta também uma concepção do seu projeto editorial e de como deve ser um jornalismo moderno e crítico. Já o diferencial de O Globo está no capítulo Questões Éticas, o que mais se aproxima do exposto no Projeto Folha. “A Folha é um jornal feito em São Paulo com irradiação nacional, que se propõe a realizar um jornalismo crítico, apartidário e pluralista”, diz o primeiro parágrafo do manual da Folha (1994, p. 13). Além de se posicionar quanto ao ponto de vista político e como empresa, ela acrescenta, nesse mesmo texto: “A Folha considera notícias e idéias como mercadorias a

serem tratadas com rigor técnico. Acredita que a democracia se baseia no atendimento livre, diversificado e eficiente da demanda coletiva por informações”.

Para Sodré (1998, p. 131), dizer que a notícia é informação transformada em mercadoria não acrescenta nada sobre o seu conhecimento, mas ao menos se reconhece que “a informação pública no Ocidente é hoje profundamente marcada pela ordem do valor de troca”. O tratamento da notícia como mercadoria remonta à segunda metade do século XIX e se encontra tão disseminado que passou a ser quase imperceptível ao público consumidor (Sodré, 1998, p. 131), até mesmo quando chega a ser explicitado, como no caso dos manuais de redação.

Na Folha (1994, p. 18), o jornalismo crítico é apresentado como um dos seus princípios editoriais:

O jornal não existe para adoçar a realidade, mas para mostrá-la de um ponto de vista crítico. Mesmo sem opinar, é sempre possível noticiar de forma crítica. Compare fatos, estabeleça analogias, identifique atitudes contraditórias e veicule diferentes versões sobre o mesmo acontecimento. (Folha, 1994, p. 18).

A Folha pretende exercer um jornalismo crítico em relação a todos os partidos políticos, governos, grupos, tendências ideológicas e acontecimentos. (1994, p. 36).

Ainda no Projeto Folha, é curioso observar que o verbete neutralidade não traz definições, mas um reenvio aos itens apartidarismo e objetividade. O jornal se declara apartidário de qualquer tipo, mas no item objetividade reconhece a sua inexistência em jornalismo, o que diverge da tônica do discurso jornalístico, de modo geral, que sempre postula a neutralidade, a imparcialidade e a objetividade no desempenho da profissão como grandes dogmas.

Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções.

Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais objetivo possível. Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e as repercussões, o jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza, o que não significa apatia nem desinteresse. Consultar outros jornalistas e pesquisar fatos análogos ocorridos no passado são procedimentos que ampliam a objetividade possível. (Folha, 1994, p. 19).

O Manual de Redação de Estilo de O Globo não explicita da mesma maneira o seu projeto editorial. Enquanto o da Folha é dividido em Projeto Folha, Produção, Texto, Edição, Anexos e até Bibliografia e Índice onomástico e remissivo, o de O Globo traz cinco capítulos, cinco apêndices e bibliografia. Os capítulos abordam técnicas de escrever bem, de estilo, normas da língua portuguesa e uma abordagem sobre questões éticas. Os apêndices incluem esclarecimentos sobre itens que são problemáticos ou novos, como expressões jurídicas e termos da psiquiatria e da psicanálise.

No capítulo sobre as questões éticas, O Globo expõe os princípios fundamentais que devem balizar a produção jornalística na empresa. Assim, pode-se ler que a atividade jornalística deve seguir as leis do país, mas também ter seus critérios éticos próprios; que o jornalista, em qualquer função, seleciona e dá pesos diferentes aos elementos da informação que lhes chega, sendo isso inevitável e representando o exercício de poder: “o de decidir como determinado aspecto da realidade será apresentado à opinião pública” (O Globo, 1994, p. 111-112). O Globo condena o uso da informação para fins políticos, ideológicos ou pessoais, mas reconhece existir o abuso involuntário. “Ainda assim, mesmo sabendo que a isenção absoluta é impossível, é dever do jornalista tentar, o tempo todo, ser absolutamente isento” (1994, p. 112). No manual também se pode ler que a linha editorial, como o “conjunto de convicções que defende em seus editoriais”, pode influenciar o tratamento dado às notícias, mas que se deve zelar para que essa influência seja mínima.

O leitor deve poder perceber sempre, com nitidez, qual é a posição do jornal quanto aos fatos que relata. Em outras palavras, se a isenção olímpica é inalcançável, a franqueza compensará a tendenciosidade, quando impossível eliminá-la completamente. (O Globo, 1994, p. 112).

O Globo (1994, p. 24) não vê como boa idéia criar normas para a linguagem jornalística, o que poderia resultar em um estilo padronizado, seguidor de receitas e sem imaginação.

Resumindo, aqui vai uma lista de virtudes do bom texto: originalidade, cor local, ambiente, detalhes que ajudam o leitor a visualizar uma situação, simplicidade na explicação, ironia (leve, jamais ofensiva em nível pessoal e sempre acessível a inteligências medianas), referências históricas e literárias (para enriquecer a informação, nunca para mostrar erudição), respeito pela inteligência do leitor, respeito pela ignorância do leitor. (O Globo, 1994, p. 28) [grifo nosso].

Na lista de pecados do mau texto, O Globo (1994, p. 28) enumera, entre outros aspectos, a ambigüidade e o humor grosseiro, principalmente trocadilhos. Os trocadilhos também foram considerados por Bergson (2001) e por Freud (1977) como a forma “mais barata” de humor.