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O que as histórias nos contam – as reflexões de Zilda

CAPÍTULO 3 – “ENTRANDO EM CENA” – A DRAMATURGIA DE ZILDA

3.4 Peças teatrais de Zilda – as nove histórias da

3.4.1 O que as histórias nos contam – as reflexões de Zilda

As peças nos apresentam diversos temas abordados nas nove histórias que descrevemos. Diante disso, considerando a proximidade dos assuntos, os organizamos em três temas: família e mulher, social e ambiental. No subcapítulo anterior, descrevemos, sucintamente, as histórias das peças elencando algumas características a partir dos temas considerados. Todavia, ponderamos pertinente detalharmos cada temática devido à riqueza dos assuntos abordados nas tramas das peças.

Na temática família e mulher, salientamos que foi feita a junção dos dois assuntos por perceber que, na maioria delas os problemas familiares apresentados incluem a mulher na

trama, retratando também os preconceitos e discriminações sociais sofridas pelo público feminino, o que se pode observar em: Por quê?, Tudo na vida tem seu preço, Quem Será o próximo?, A Comandante e Os Invasores.

Destacamos primeiramente o tema família, porque não dizer, as famílias que Zilda nos apresenta nas suas histórias. Em algumas das peças, como em Quem Será o próximo?, A Comandante e Os Invasores, são famílias que fogem do modelo patriarcal comum do período em que foram escritas. Modelo esse considerado como referência para a sociedade, composta pelo pai, mãe e filhos, na qual o pai representava o chefe, já que comumente era ele o responsável pelo sustento da família e do lar. Escapando desse paradigma familiar, Zilda apresenta famílias em que as mulheres são as chefes, responsáveis pelo sustento da casa e pela resolução dos problemas que enfrentam.

Nessa temática, Zilda conta histórias que, com a ausência da figura masculina, a figura feminina é destacada, ressaltando a sua atuação como protagonista. Assim, consideramos que a autora possibilitou a reflexão e reconhecimento desse tipo de composição familiar e, ainda, por meio das tramas e conflitos vividos pelos personagens, Zilda denuncia, ao público que teve acesso às apresentações, os preconceitos sofridos por essas famílias, principalmente as mulheres.

Outros assuntos abordados na temática familiar referem-se ao suicídio, ao vício e à prostituição. Esses temas, presentes na história da peça Por quê?, possibilitam presumir que a autora oportuniza reflexões de assuntos existentes nas famílias, mesmo naquelas vistas como modelo. O suicídio representa o desespero da personagem em lidar com a decepção e o preconceito social, principalmente em relação à prostituição; e o vício demonstra a dificuldade em lidar com os conflitos familiares. Nessa peça, ponderamos também que, mesmo sendo composta por pai, mãe e filhas, foi uma família retratada com diversos conflitos e dificuldades em lidar com os mesmos, demonstrando outra possível denúncia de Zilda: as famílias consideradas “modelos”, não são perfeitas, ao contrário, enfrentam problemas sociais como todas as outras.

Nos enredos familiares, observamos ainda o destaque aos preconceitos, dificuldades sociais enfrentadas e a superação dos mesmos pelas mulheres: as mulheres viúvas representadas como chefes de família, como já ressaltamos; a cobrança familiar pelo casamento em detrimento dos estudos; o preconceito social sofrido diante da prostituição, da gravidez fora do casamento e de relacionamentos com viúvas; a cobrança social da maternidade nos casamentos e a responsabilização feminina pela educação dos filhos.

Para analisarmos a temática feminina nas peças de Zilda, consideramos pertinente retomarmos que papel social a mulher representava a partir da década de 1960, década essa em que Zilda começou a escrever suas peças. Salientamos, a partir do estudo de Azambuja (2006), que desde a década de 1930 o papel social da mulher vem passando por significativas transformações. Com a influência do movimento feminista europeu e as mudanças no ambiente econômico com o desenvolvimento industrial, as demandas levaram-nas a ingressarem no mercado de trabalho, assumindo outros papéis, além de mãe e esposa. Seguramente, nesse novo espaço assumido pelas mulheres, norteado por preconceito e discriminação, tiveram que enfrentar os desafios profissionais e conciliar com as tarefas domésticas, que delas continuou sendo exigido.

Na realidade não foi dada uma escolha propriamente dita para essa nova mulher, mas sim, foi imposta pela sociedade mais uma tarefa, mais um papel. Portanto, a mulher da década de 60 possuía um desafio ainda maior, pois deveria conciliar dois mundos distintos: o doméstico e o profissional. (AZAMBUJA 2006, p.91).

Nesse sentido, apreendemos que Zilda Diniz Fontes, assim como muitas outras mulheres que já há algumas décadas havia ingressado no mercado de trabalho, conciliavam a profissão com as atividades domésticas, enfrentando a hostilidade e até mesmo a rejeição social. No teatro não foi diferente, como salientamos com o exemplo de Cici Pinheiro na capital goiana que, assumindo um lugar não muito quisto para a mulher, sofreu na pele a intolerância dos goianos a partir do “desafiante” beijo em cena.

Compreendemos ainda que, diante da realidade social enfrentada pelas mulheres, a temática retratada por Zilda em algumas de suas peças a partir do final da década de 1960 pode ter sido denúncia da sua insatisfação e talvez indignação com a situação imposta ao público feminino. Não afirmamos aqui que se tratou de um movimento de militância de Zilda Diniz Fontes em favor das mulheres. Mas inferimos que pode ter sido uma forma de resistência velada, com a finalidade de provocar de alguma forma o público dos seus espetáculos, numa tentativa de alcançar a “elite” morrinhense fazendo-os reconhecer os sofrimentos pelos quais passavam as mulheres.

Além da temática família e mulher, destacamos também o tema social abordado nas histórias de Zilda. Ponderamos como relevante esse tema pois a autora retratou vários problemas sociais existentes na sociedade que eram enfrentados pelas famílias: retratou as desigualdades sociais entre ricos e pobres; as consequências e dificuldades enfrentadas pela pobreza como a falta de moradia e a marginalidade; os preconceitos enfrentados por ex-

presidiário e a dificuldade da reinserção social dos mesmos, bem como a importância dessa reinserção como possibilidade de regeneração; a retratação de deficiências (cegueira) e inclusão de idosos (com distúrbios mentais) na família, como é retratado na peça Quem será o próximo?; e as consequências e sofrimentos causados pela guerra, principalmente para os pobres. Incluímos também na temática social a referência religiosa que Zilda fez na peça Ela, em que o personagem chamado Emanuel faz discursos religiosos, com conselhos e bênçãos. Como já salientamos, essa foi a única relação com a religião que percebemos na trajetória na dramaturgia de Zilda. Nessa peça, percebemos ainda a possibilidade de a autora também referir-se, de forma velada, às consequências da repressão violenta durante o período de regime militar.

Ressaltamos a importância do tema social abordado pela autora nas peças, salientando que eram problemas que possivelmente não faziam parte da vivência de Zilda, ainda assim, ela utilizou o espaço teatral dos espetáculos como oportunidade de divulgar as dificuldades enfrentadas pela população marginalizada e propiciar, por meio da dramaturgia, reflexões necessárias acerca das desigualdades sociais e as consequências negativas vividas por essa população.

Por fim, evidenciamos a temática ambiental destacada por Zilda nas peças infantis Cheretildo Tildo e Socorro, Macaco Palhação!.Como já descrito, as histórias abordam a relação do homem (representando o adulto) e das crianças com a natureza, enfatizando as suas ações predadoras dos animais e devastadoras do meio ambiente. No desenvolver das tramas, a autora demonstra a necessidade e a importância de as crianças e os adultos protegerem os animais e de cuidarem da natureza, já que o ser humano depende dela para sobreviver. Nesses enredos, Zilda possibilita, principalmente ao público infantil, o aprendizado da relação saudável com a natureza, oportunizando de forma lúdica, a compreensão da relevância de se proteger a fauna e a flora.

Dessa forma, a partir da diversidade de temas abordados pela autora nas peças, ponderamos que ela propiciou espaços de reflexões e aprendizados nos seus espetáculos. Consideramos que, pela dramaturgia, ela possibilitou lugares e momentos de formação das pessoas que tiveram acesso às peças, demonstrando, assim, que a atividade artística teatral foi também utilizada como lugar de educar a sociedade. Assim, ressaltamos a pertinência de ponderações sobre a arte enquanto espaço de reflexão e formação.