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9 RESULTADOS E DISCUSSÃO

9.1 O Significado da Vivência no GDPF

9.1.1 O que os Professores Buscam no GDPF?

Observando a trajetória do GDPF, ao longo dos sete anos de sua existência, conseguimos identificar três possíveis expectativas dos professores em relação ao grupo: eles

buscam conhecimento; eles buscam compartilhar experiências e saberes; eles buscam o fortalecimento mútuo.

Entre as expectativas que os professores têm em relação ao GDPF, consideramos que a busca do conhecimento é a motivação inicial, ou seja, é essa necessidade que leva os professores a participar das reuniões do grupo. A vontade de aprender e de adquirir novos conhecimentos foi e continua sendo declarada pela maioria dos professores que frequenta as reuniões do GDPF, como fonte de motivação. Mesmo depois de uma longa vivência no grupo ainda há o que aprender. Como podemos ver na declaração da professora Virgínia, a seguir, feita depois da discussão de um texto25 sobre o significado de cor em Física, no último encontro do GDPF de 2009:

“É impressionante! Quanto mais a gente estuda, mais a gente vê que não sabe nada” (VIRGÍNIA, reunião do GDPF: 07/11/2009).

O aprendizado que os professores buscam no GDPF, não é somente no campo conceitual, mas também no campo didático/pedagógico, voltado para as estratégias de ensino. Em trabalho anterior, quando estudamos as inovações que os professores de Física introduzem em suas práticas (MENEZES, 2003), associamos o interesse do professor pelo aprendizado com a vontade de querer fazer com que o seu aluno também aprenda. Consideramos que uma das qualidades dos professores que buscam participar das reuniões do GDPF é a consciência, mesmo que ingênua, do que é necessário saber para poder ensinar. Isso é evidenciado nas escolhas dos temas de discussão e nas questões que os professores trazem para as reuniões, quase sempre associadas a situações do cotidiano escolar. Por exemplo, o texto sobre o significado da cor, citado anteriormente, que surpreendeu a professora Virgínia foi selecionado a partir de uma questão sobre as cores dos objetos, levantada pela professora Ângela Fátima, que também é professora de artes.

Entendemos que interesse do professor é influenciado pelo contexto escolar, social e regional em que eles estão inseridos. A maioria dos professores que frequentam as reuniões do GDPF é formada em cursos noturnos de licenciatura de faculdades isoladas que, geralmente, não dão a mesma ênfase nos conteúdos de ensino que os cursos de licenciatura e bacharelado das universidades federais, em que grande parte dos alunos se dedica à sua formação em tempo integral. Além disso, as características da região, dos alunos, da rede de ensino e do contexto social interferem diretamente nas expectativas desses professores. Por

isso, consideramos que informações que podem parecer triviais para um determinado grupo de professores, podem ser extremamente relevantes para um outro grupo, como é o caso dos professores membros do GDPF, por exemplo.

Considerando que a dinâmica das reuniões do GDPF favorece o processo de desenvolvimento profissional do professor, entendemos que na medida em que esse desenvolvimento avança no campo conceitual, a necessidade de aprender vai diminuindo, porém ela não se esgota. Com o passar do tempo, o interesse dos professores vai ficando cada vez mais seletivo. Depois de sete anos, é difícil pensar em um tema que ainda não tenha sido abordado nos encontros do grupo. Porém, com o tempo, os temas já trabalhados vão ganhando novos significados, que, muitas vezes, nos surpreendem.

Por exemplo, no 2º encontro de 2009, o professor Luiz Carlos, que havia voltado a participar das reuniões do grupo recentemente, levantou a seguinte questão sobre a conservação da energia mecânica:

Quando uma pessoa eleva um objeto, com velocidade constante de uma altura H, o trabalho resultante sobre o objeto é nulo, porém sua energia potencial gravitacional sofre um aumento igual a ‘mgH’ (massa vezes a gravidade vezes a altura). Se eu considero que o trabalho realizado pela pessoa é igual e oposto ao trabalho realizado pela força peso, de onde é que vem essa energia? (LUIZ CARLOS, 2º encontro do GDPF, 2009).

Segundo relato do professor Luiz Carlos, essa questão o incomoda há muito tempo, porque ele não consegue encontrar uma resposta para ela que considere satisfatória. Apesar de se tratar de um conceito ensinado rotineiramente por todos os professores presentes naquele encontro, a questão abalou a convicção que os professores tinham com relação ao princípio da conservação da energia, levando-os a questionar o próprio conhecimento. O desconforto gerado mobilizou o grupo em torno de leituras de artigos e realização de experimentos com o objetivo de resolver o impasse levantado pela questão. Essa mobilização levou a descoberta de um artigo26 que tratava a força de atrito estático como uma força conservativa. Esse artigo causou nova surpresa, porque, nos livros didáticos do Ensino Médio, a força de atrito é sempre considerada como dissipativa (não conservativa). Esse evento serve para exemplificar como os conteúdos de ensino vão sendo ressignificados na dinâmica das reuniões do grupo.

Analisando os registros das reuniões do GDPF, notamos também que uma outra expectativa comum entre os professores que participam do grupo é a oportunidade de poder

26

SILVA, Wilton P. et al. Esfera em um Plano Inclinado: Conservação da Energia Mecânica e Força de Atrito. Revista Brasileira de Ensino de Física, v.25, n.4, Dezembro, 2003.

compartilhar experiências e saberes com outros professores. Diferentemente da vontade de aprender, que leva o professor a tomar a iniciativa de procurar o GDPF, ou outras formas de desenvolvimento profissional, consideramos que a oportunidade de compartilhar experiências e saberes é uma expectativa que vai se concretizando aos poucos, no interior do grupo. Como relatamos no capítulo cinco, a dinâmica das reuniões do GDPF procura incentivar colaboração entre os participantes. Porém, o acompanhamento das reuniões nos mostrou que essa prática só acontece a partir do momento em que o professor se sente preparado para tal. Entendemos que esse preparo não esteja associado somente às necessidades de inclusão, controle e afeição, descritas por Shutz (1958 apud MAILHIOT, 1970), como condição para que um membro se sinta integrado ao grupo. Para nós, esse preparo envolve também o desenvolvimento da coragem, entendida aqui como uma virtude política necessária para a ação. (WAKISAKA, 2009)

No GDPF, houve casos em que a iniciativa de compartilhar uma experiência ou um saber demorou mais para surgir, como foi o caso da professora Lilia, que só tomou a iniciativa de apresentar uma atividade depois de quatro anos frequentando as reuniões do grupo. Em outros casos, essa iniciativa ocorreu mais rapidamente, como no exemplo do professor Afonso, que se propôs, já no segundo encontro, a apresentar uma atividade para os colegas. Ambos os casos foram citados na seção 8.3.3 do capítulo oito.

Na concepção do GDPF, consideramos que o ato de compartilhar contempla a dimensão da transformação que requer o tempo da vivência. Diferentemente das situações em que os professores se encontram para trocar ideias, seja sobre a situação de uma turma, seja sobre um exercício ou uma avaliação, que são pontuais e localizadas, entendemos as situações que envolvem o compartilhamento de uma experiência ou de um saber como uma atividade processual, que se projeta para aquém e para além do momento em que elas ocorrem.

No momento em que o professor se pré-dispõe a compartilhar uma experiência, ele o faz por meio da lembrança que existe na sua memória que precisa ser reconstruída para o tempo presente, num processo dinâmico de conscientização. O ato de descrever uma experiência em palavras engendra a possibilidade de refletir sobre a ação (SCHÖN, 1995), o que favorece a possibilidade de mudança na ação futura. Sendo assim, quando o professor compartilha uma experiência ou um saber gera-se um processo cíclico de reconstrução desse saber ou dessa experiência, que pode levar a uma mudança na prática. A vivência desse processo faz com que as experiências, tanto no campo dos saberes, quanto no campo das práticas, sejam ressignificadas. Segundo Jiménez (2002, p.96), é no processo de troca com os outros que produzimos novos significados para o que sabemos ou o que fazemos. Como

Jiménez (2002), entendemos que é o processo de ressignificação das experiências e dos saberes que leva à mudança.

Observando as reuniões do GDPF, percebemos, também, que alguns professores, principalmente aqueles que no início da participação no grupo não se considerarem aptos para oferecer algo aos outros colegas, preferem expor suas dificuldades e fragilidades na expectativa de encontrar o apoio dos outros professores.

Consideramos que a expectativa de poder expor as dificuldades e as fragilidades do trabalho docente é também um outro motivo que leva os professores buscarem o GDPF. Porém, nossas observações nos levam a interpretar essa expectativa como uma necessidade de fortalecimento mútuo. As transformações ocorridas na sociedade nas últimas décadas, impulsionadas pelo paradigma da pós-modernidade e da globalização, trouxeram novos fatos e questões que interpelam as escolas e os professores, colocando-os em situação de risco. (ARROYO, 2004; BLANCHARD-LAVILLE, 2005; TEIXEIRA, 2007) A escola já não é mais considerada como fonte de conhecimento e de ascensão social para as classes populares e perdeu até mesmo o status de lugar seguro. As relações entre professores e alunos foram fortemente abaladas, gerando aquilo que Arroyo (2004) denomina de imagens quebradas.

[...] grande parte dos docentes se vê obrigada a trabalhar e a se relacionar com tipos humanos e sociais que não escolheu, com os quais não se identifica, não tem simpatia e empatia. Este fato, ao lado de suas precárias condições materiais e objetivas de trabalho, entre outros problemas a serem enfrentados, tem levado a condição docente a realizar-se, ou melhor, a manifestar-se como uma condição doente, na experiência de centenas de professores. (TEIXEIRA, 2007, p.438)

Essas transformações têm alterado profundamente a construção da identidade e da imagem do professor perante seus alunos e perante a sociedade, porque mexe com as concepções mais íntimas dos professores no campo dos valores da ética e da moral. Tamanha é a pressão, que os professores estão desistindo de ser professores. Na história do GDPF, tivemos o caso de uma professora que abandonou o magistério por não suportar mais o sentimento de culpa e fracasso, porque não conseguia mais fazer com que seus alunos aprendessem.

Sendo assim, consideramos que os momentos de desabafo, em que os professores expõem seus limites e suas fragilidades, são, na realidade, momentos em que os professores procuram de reconstruir a sua identidade docente. Nesses momentos, os professores se identificam uns nos outros, tratam de problemas legítimos, localizados nas bases em que se

funda e se realiza a condição docente – a relação professor/aluno e a sala de aula. (TEIXEIRA, 2007)

Os obstáculos com os quais os professores se deparam, na concepção de Freire (1993), podem ser considerados como situações-limite. De acordo com Freire (1993, p.90), não são as situações-limite que geram um clima de desesperança e, sim, a percepção que os homens têm dela num dado momento histórico.

No momento em que os homens as apreendem (as situações-limite) como freios, em que elas se configuram como obstáculos à sua libertação, se transformam em “percebidos destacados” em sua “visão de fundo”. Revelam-se assim, como realmente são: dimensões concretas e históricas de uma dada realidade. Dimensões desafiadoras dos homens, que incidem sobre elas através de ações que Vieira Pinto chama de “atos limites” – aqueles que se dirigem à superação e à negação do dado, em lugar de implicarem sua aceitação dócil e passiva. (FREIRE, 1993, p.90)

Assim como foi mostrado na Transcrição 03 do capítulo seis, entendemos que conscientização de uma situação-limite se dá no momento em que o professor consegue reconhecer e verbalizar tal situação para o outro. Ao compartilhar sua angústia ou problema, o professor inicia um processo de reconstrução da sua imagem, da sua identidade docente. Tal reconstrução pode levar à ação no sentido de superar os obstáculos. Daí considerarmos que, quando o professor busca o grupo para desabafar, no fundo, o que ele está buscando é uma forma de fortalecimento mútuo.