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8 ANÁLISE DA INTERAÇÃO DOS PROFESSORES DO GDPF COM

8.2 Resultado do Estudo Exploratório

8.2.1 Quanto ao Aprofundamento de Conteúdo

Analisando as transcrições dos registros de áudio dos trabalhos dos grupos de convecção e radiação e da plenária final, classificamos vinte e um turnos de fala, contabilizando os três turnos que foram considerados mistos, na categoria de aprofundamento de conteúdo. A maioria desses turnos (onze deles) ocorreu no grupo de convecção. Atribuímos esse fato às presenças de uma professora iniciante (ÂNGELA CRISTINA, que passou a frequentar as reuniões do GDPF em 2009), que, durante toda a execução da atividade, solicitava esclarecimentos aos colegas sobre o que estava acontecendo, e de uma professora mais experiente (RAILDA), participante do GDPF desde 2002, que instigava seus colegas o tempo todo a refletirem sobre a atividade que estava sendo realizada. Essas duas professoras também protagonizaram a sequência inicial da sessão plenária, quando foi feita a apresentação, pelo professor coordenador Tião, de uma atividade sobre as sensações térmicas de calor e de frio.

Grupo de Convecção

ANGELA CRISTINA: “Então, essas partículas aqui são mais densas, no caso elas sobem e depois descem... Mais densas e mais frias, né”?

RAILDA: “Vocês estão analisando o que mais, além da corrente de convecção? Além de convecção, o que mais vocês estão vendo? Vocês estão vendo só corrente de convecção”? O grupo fica incomodado com a pergunta. PP2 fala em radiação. RAILDA retoma: “Radiação e convecção e aí? Só? Só? E o que mais”?

Sessão Plenária:

TIÃO reorienta ANGELA CRISTINA, pedindo que ela primeiro coloque a mão na água quente e depois na fria. ANGELA CRISTINA continua não percebendo grande diferença e pede a RAILDA para tentar. RAILDA coloca a mão na água e diz que, de fato, a temperatura da água fria está muito próxima da temperatura da água morna.

ANGELA CRISTINA diz que ainda não entendeu e pergunta qual deveria ser a resposta certa, quando ela estiver fazendo a experiência com seus alunos. TIÃO responde: "Na verdade, já que esta aqui está mais quente, você deveria sentir mais frio na morna”... RAILDA questiona: "Eu acho que essa aqui não pode ser morna, tem que ser na temperatura ambiente"... "Tem que ser ambiente"...

ANGELA CRISTINA faz novamente a experiência e diz: "É, agora deu certo. Ficou fria mesmo"! Logo após RAILDA orienta TIÃO sobre como proceder para alcançar o resultado e reafirma: "Agora deu certo"!

Ainda no grupo de convecção, questionamentos relacionados ao aprofundamento de conteúdo surgem novamente, quando os professores verificam que a proposta curricular dos CBC sugere a introdução do conceito de empuxo, no momento em que se fala das correntes de convecção. Essa sugestão causa estranhamento nos professores cursistas, porque não é uma situação convencional no ensino de Física. No currículo tradicional, o conceito de empuxo é ensinado antes do conceito de correntes de convecção. Nesse caso, os professores consideram normal usar a teoria do empuxo para explicar as correntes de convecção. No caso da nova proposta, essa ordem seria invertida. A preocupação dos professores estava no fato de ter que utilizar um conceito que os alunos ainda não estudaram para explicar a existência das correntes de convecção. Essa discussão é retomada, posteriormente, na sessão plenária.

Grupo de Convecção

RAILDA retorna, ouve os comentários de ANGELA CRISTINA sobre empuxo e passa a explicar o que é empuxo: "Empuxo é uma força que faz o corpo só subir, e não descer. Entendeu”? RAILDA continua buscando o entendimento de ANGELA CRISTINA: "Está frio, fica tudo lá em baixo, por quê”? ANGELA CRISTINA responde: "Porque ele ficou mais denso. Diminuiu o volume e ficou denso”.

RAILDA comenta que o texto deixa um pouco a desejar. E justifica: "porque ele põe empuxo numa coisa e o que você está discutindo é outra coisa. Eu não concordo com isso". ANGELA CRISTINA e MILLIE comentam: "Eu nunca tinha visto a relação de empuxo com transferência de calor".

Sessão Plenária:

CÉLIO entra na conversa, e diz: "Nessa colocação do empuxo eu acho que a gente não está dando a devida atenção. Mas, é por causa das diferenças de densidade que isso acontece. E, por causa dessa diferença de densidade, o empuxo é predominante”. TIÃO diz que no detalhamento da atividade eles (os autores) mencionam exatamente isso. TIÃO fala de outras situações onde se pode usar o conceito de empuxo, como o caso da explicação da neblina e da brisa marítima. CÉLIO fala da situação de um menino pulando numa piscina com uma bola e MERYL reforça sua preocupação de fazer o aluno entender que não é o calor que faz subir. E reforça: "Porque aí altera a densidade e entra a questão do empuxo. Aí, vem uma coisa interessante. Você ainda não deu densidade. Você vai dar densidade, não é, lá na hidrostática? E, no entanto, você vai abrir um leque para falar de densidade agora”?

Na sessão plenária, essa discussão continua até culminar numa reflexão que leva ao entendimento de que a proposta do currículo baseado nos CBC busca a integração e não a fragmentação dos conteúdos. Essa discussão ajuda os professores cursistas a compreenderem melhor a nova proposta curricular dos CBC.

A busca dessa compreensão é retomada novamente na sessão plenária, no momento em que o grupo de radiação faz a sua apresentação. O mesmo problema aparece novamente, agora em relação ao conteúdo de ondas. Segundo as orientações dos CBC, o conceito de onda eletromagnética deveria ser introduzido junto com o conceito de radiação térmica, o que também não é uma situação comum para os professores. O entendimento da ideia proposta no novo currículo ocorre de forma semelhante ao que aconteceu no caso do empuxo. A discussão parte de questionamentos quanto à necessidade ou não de introdução desse conceito e termina ainda com uma leve dúvida de Meryl: “Estranho. Você vai falar de onda e depois vai voltar ao assunto”.

Sessão Plenária:

JEDERSON diz que acha interessante que o autor do material do CBC sugere introduzir ondas antes de falar de radiação...

VIRGÍNIA chama a atenção para o detalhamento das habilidades, que do item 7.1 ao 7.5 é só sobre ondas e que só o 7.6 é sobre radiação. MERYL comenta que parece que é para o aluno entender que ocorre transporte de energia, que pode ser tanto em um meio material, quanto em um meio não material.

VIRGÍNIA retoma a leitura dos objetivos pretendidos para a atividade, que reforçam a necessidade da introdução do conteúdo de ondas. Após ouvir, MERYL concorda: "Vai ter que entrar mesmo. Estranho, você vai falar de onda e depois vai voltar no assunto". A fala da professora Meryl mostra que, naquele momento, ainda não havia, por parte dos professores cursistas, uma compreensão da recursividade proposta pelo novo currículo, com base nos CBC.

Num dado momento da discussão, a professora cursista Meryl lembra de uma situação em que havia discutido com o professor coordenador Jederson, na escola onde trabalham, sobre o que esfria primeiro: um copo de leite quente ou um copo de café quente. E se recorda que, em um primeiro momento, eles fizeram uma análise equivocada da situação, pelo fato de não terem levado em consideração outros aspectos do processo de resfriamento, além do calor específico. A conclusão dessa sequência é que não dá para pensar um problema de forma isolada. Essa ideia foi apoiada por outros professores cursistas.

Sessão Plenária

MERYL lembra da questão do leite e do café e JEDERSON pede ao professor CÉLIO para responder. CÉLIO tenta responder, mas JEDERSON interrompe e relembra o dia em que perguntou para MERYL: “O que esfria mais rápido: um copo de leite ou um copo de café, nas mesmas condições”? E pergunta para MERYL: "O que você pensou primeiro”? MERYL responde: "No calor específico da água... Só que nós esquecemos de relacionar também com a absorção e a emissão do corpo negro. Daí, a gente pensa por um lado só. Que é o mesmo que o aluno faz”...

JEDERSON interrompe: "Você pode pensar que um copo de leite quente custa a esfriar”...

MERYL retoma: "A questão é exatamente essa. A idéia de a gente pensar em um fenômeno, num conteúdo só, quando, às vezes, você vai aplicar num mesmo fenômeno, vários conteúdos. Que é a questão da onda quando a gente fala em radiação. Por que parar radiação para falar de onda? Mas, a propagação de calor por radiação é onda, né? Na verdade, você fala lá... e quando vai falar de onda o menino nem lembra mais do que é que você estava falando”.

VIRGÍNIA entra na discussão: "Na verdade, não tem como você trabalhar um assunto isolado, não é”?... O grupo concorda e MERYL complementa: “Toda vez que a gente faz a análise isolada a gente erra, não é”?

Essa sequência de conversação ocorreu bem próximo ao final da sessão plenária de debate das atividades propostas pelos grupos, o que nos leva a presumir que houve uma compreensão, mesmo que parcial, da proposta do currículo dos CBC, que estava em discussão.