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8 ANÁLISE DA INTERAÇÃO DOS PROFESSORES DO GDPF COM

8.2 Resultado do Estudo Exploratório

8.2.2 Quanto às Possibilidades de Aplicação

No processo de seleção dos turnos de fala, classificamos vinte e quatro turnos, incluindo os três considerados mistos, na categoria de possibilidades de aplicação. A maioria desses turnos ocorreu na plenária final. Creditamos esse fato à atuação do professor coordenador Tião, que era o responsável pela condução da sessão. Durante todo o debate, o professor Tião, com o apoio dos outros dois coordenadores, procurou manter o foco das discussões nas atividades que foram desenvolvidas pelos professores e nas possibilidades de aplicação das propostas apresentadas em sala de aula.

Sessão Plenária:

TIÃO pede aos grupos para fazerem seus relatos: “Eu gostaria de ouvir o depoimento de cada grupo... O que vocês acharam? (...) Apesar de serem experimentos simples, vocês acham que vale a pena trabalhar isso dentro de sala”?

TIÃO aproveita o silêncio do grupo e retoma a síntese das atividades: "Então, de qualquer maneira, do meu ponto de vista, eu acho que fizemos umas “experienciazinhas” tranquilas, mas que prendem a atenção. Eu lembro que toda vez que eu trabalhei com isso dentro de sala de aula, o pessoal gostou. A gente acha: que é bobagem o que a gente vai mostrar... Mas, de repente, eles falam assim: ‘O que está acontecendo?’ e começa a chover pergunta”.

No geral, a maioria das intervenções referentes às possibilidades de aplicação fazia referência a algum exemplo de atividade ou de procedimento que o professor adota para trabalhar com um determinado conteúdo de ensino. Porém, houve momentos em que os argumentos ultrapassaram os limites da exemplificação. Um desses momentos ocorreu no grupo de radiação, quando os professores discutiam sobre os problemas que eles encontram para ensinar Física. Na sequência seguinte, os professores cursistas falam desses problemas, dentre os quais podemos destacar a falta de materiais, a dificuldade de entender os objetivos do ensino de Física para a educação básica, a falta de interesse e de perspectiva dos alunos e a pressão do vestibular.

Grupo de Radiação:

PETER diz: “o problema da Física no Brasil é que as nossas escolas são muito pobres, a gente ganha pouco para ficar comprando as coisas”... CÉLIO interrompe: "Eu acho que tem uma coisa pior do que isso". PP6 diz que ela divide os alunos em grupos e pede para eles comprarem o material... “Eu não tenho como arcar com isso”... CÉLIO interrompe novamente: (...) “Para que você ensina ao seu aluno que a pressão final é igual ao volume final dividido pela temperatura final de um sistema...(pf=Vf/tf)? Sabe?! Pra que isso? Eu acho que a gente fica naquele negócio de ensinar Física, ensinar, ensinar... Pra quê?" PP5 concorda: "É exatamente isso. Esse é um problema! O próprio Estado está sem saber para que ensinar Física. Ensinar para a cidadania é muito raso, não é?”...

AFONSO diz: "Porque você pegava o aluno com objetivo, hoje ele não tem objetivo”. P5 concorda: “Hoje ele não tem.” (...) CÉLIO lê um trecho do texto: "Assim, podemos dizer que esse tópico é útil para qualificar nossos alunos a pensarem soluções de problemas técnicos e científicos, que é uma habilidade essencial para a manutenção de uma nação economicamente forte, com prestígio e poder no plano internacional". E comenta: "Gente! Mas que coisa horrorosa". (Risos). PETER diz: “Eu me questiono muito sobre o que eu vou ensinar em Física. O aluno não tem objetivo. Qual é o objetivo do aluno”?... LILIA participa da conversa: "Eu fiquei triste no dia que cheguei para uma aluna e disse que ela tinha que se preocupar com o seu futuro, e ela disse: ‘o que é isso professora! Traficar dá muito mais’”...

CÉLIO diz que a visão de uma escola particular é montar máquinas para passar no vestibular. “E é para passar na federal”... PETER interrompe: "Tem um objetivo pelo menos. Eu acho que aí está certo”... CÉLIO retoma: "O objetivo da escola pública era uma coisa parecida com isso, mas isso é tão distante para o aluno, que ele não enxerga aquilo”...

A discussão iniciada pelo professor PETER, parte do lugar comum da falta de recursos, que impossibilita a implementação de novas propostas de ensino. A intervenção do professor Célio muda o rumo da discussão ao inserir questões mais abrangentes para o entendimento de uma proposta de mudança curricular: O que ensinar? E, por que ensinar? Com esses questionamentos, Célio levanta dúvidas até mesmo sobre o entendimento que os elaboradores da proposta têm em relação ao ensino de Física: “O próprio Estado está sem saber para que ensinar Física”. A interferência do professor Célio trouxe a discussão de volta para a proposta curricular dos CBC, impedindo que o foco da conversa se desviasse para outros domínios sobre os quais o professor não tem poder, como no caso dos recursos materiais.

Um outro aspecto que emergiu na categoria possibilidade de aplicação foi a questão do tempo. Essa questão foi abordada pelos professores sobre duas óticas: a do número de aulas destinada ao conteúdo de ensino e a da duração do módulo-aula.

MERYL: “Eu acho que num próximo encontro que vocês tiverem com o pessoal da secretaria, a gente devia discutir essa questão desse módulo de 50 minutos. Só fazendo esses experimentos em grupo, nós estamos com esse tempo grande, né? Aí termina o experimento e não dá tempo para a gente fazer essa discussão. Você deixa para um outro dia. Aí já saiu tudo da cabeça do menino. O rico do experimento é a gente ter tempo de concluir”...

A ideia de MERYL corrobora com o resultado de estudos que mostram que a escolha do modo de trabalho do professor é feita em função do tempo que ele dispõe para trabalhar determinado conteúdo. (ROSA; ROSA, 2005) A maioria dos professores cursistas considerou que o tempo destinado para o desenvolvimento das atividades previstas na nova proposta curricular era insuficiente, o que inviabilizaria sua aplicação em sala de aula. Porém os coordenadores procuraram mostrar que havia possibilidades:

Sessão Plenária:

VIRGÍNIA insiste: “Mas você vai dar pra ele (o aluno) só uma noção. Você não vai discutir tudo sobre empuxo.” MERYL concorda: “Isso vai até facilitar. Porque quando for tratar de empuxo, os meninos já têm até uma noção do que você está falando.”

TIÃO [...] "É, um professor sozinho para coordenar tudo isso é complicado. Mas, realmente a questão da ciência em si, o trabalho da ciência tem que ser olhado.”

Nesses e em outros momentos, os coordenadores até compartilhavam as angústias dos colegas, mas sempre procurando mostrar as possibilidades de se trabalhar, mesmo que em condições adversas.