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O (re)encontro com a Psicologia da Educação

2. CAMINHOS PERCORRIDOS

2.5. O (re)encontro com a Psicologia da Educação

“Da mesma forma que aquele que remete um presente ou uma carta, o professor sempre está um pouco preocupado para saber se seu presente será aceito, se sua carta será bem recebida e merecerá alguma resposta. Uma vez que só se presenteia o que se ama, o professor gostaria que seu amor fosse também amado por aqueles

aos quais ele o remete. E uma vez que uma carta é como um pedaço de nós mesmos que remetemos aos que amamos, esperando resposta, o professor gostaria que essa parte de si mesmo, que dá a ler, também despertasse o amor dos que a receberão e suscitasse suas respostas.”

(Jorge Larrosa, Pedagogia profana, 2000).

Vivemos rodeados de pessoas e de significações que nos tocam, dando sentidos diversos às experiências que temos. Ao lado de fatos naturais, como respirar e digerir que experimentamos todos os dias, existe em nossas vidas um plano essencialmente humano ao qual POLITZER (1977) denominou de drama. Dentro do lado dramático de nossas vidas desempenhamos papéis, forjamos intenções, funcionamos como atores ou simples testemunhas de ações, cenas, acontecimentos. Este contato com os nossos semelhantes, ensina POLITZER (op.cit.), é sempre dramático, assim como também é dramática a compreensão que passamos a ter uns sobre os outros.

O encontro de Gil com a Psicologia da Educação não foge da dramática da vida. Foi um encontro a um só tempo instrumental e humano. Instrumental, face ao caráter analítico-reflexivo e pedagógico, representado pelas próprias finalidades da Psicologia na formação de professores. Humano, porque mediado pela singularidade de condições e de pessoas participantes.

Nessa singularidade, nos encontramos como professora de Psicologia da Educação de Gil, ora ocupando um lugar testemunhal, ora de coadjuvante da trama. Quando Gil transferiu-se do colégio particular para o público, para concluir a última série do 2o. Grau, exercíamos a vice-direção neste último. Por força da própria função, nos envolvemos em sua adaptação curricular, já que ela provinha de um curso específico (Patologia Clínica) para

um curso de caráter propedêutico. Embora bastante superficial e aparentemente pouco importante a princípio, acreditamos que essa situação tomou, à luz de cenas subsequentes que compõem o drama, a representatividade de um elo, pois forneceu o primeiro liame do vínculo professora-aluna que se concretizaria muitos anos mais tarde, proporcionando um cenário em comum e bem localizado nas nossas trajetórias, uma vez que conhecemos as mesmas pessoas, as mesmas ruas e diversos problemas de uma mesma comunidade.

Anos depois, nos reencontraríamos rapidamente na universidade, quando Gil apresentava, durante um evento científico, uma experiência educacional num painel no qual participavam professores universitários e acadêmicos.

Novo tempo se passou até que nos reencontraríamos novamente: primeiro, apenas na relação professora-aluna em Psicologia da Educação, junto com outros parceiros num curso de Pós-Graduação lato sensu; depois, como orientadora – orientanda da pesquisa que resultou em sua monografia de final de curso. Relembrando esta situação, registramos em nosso diário: “Era sua preocupação o ensino totalmente mecanizado, especialmente numa área de conhecimento que propicia muitas experiências prévias aos alunos que nem sempre são aproveitadas pelos professores como âncoras ou pontos de ligação com os conhecimentos científicos, sistematizados” (DC - 09/05/99)21. Nesse trabalho, Gil discutiu o ensino de Ciências a partir da relação entre conceitos cotidianos e científicos apoiando-se em registros de episódios de aula que constituíram seus dados empíricos. O trabalho foi aprovado com conceito A por banca de Mestres.

Acerca das razões que a levaram a escolher a Psicologia como um eixo de seu trabalho, ela relembrou: “... nós tínhamos que escolher um professor para ser o orientador da monografia, e eu vi em você duas questões:

uma, porque eu sempre quis unir o conhecimento que eu tinha na área de Ciências com as questões pedagógicas que, até então, eu achava que eram duas coisas totalmente diferentes lá, na minha prática. (...) Eu usei como critério da tua escolha assim, ó: nós já nos conhecíamos, né... E eu fui investigando e fiquei sabendo que você tinha formação em Ciências Físicas e Biológicas. (...) E isso me interessou porque eu pensei: - Pôxa, ela conhece os conteúdos de ensino e conhece a questão da Psicologia...” (EA1).

O processo de realização da pesquisa para fins da monografia foi muito rico. Nos relatos de Gil, alguns detalhes aparecem: “ - Você me deu um tempo para ler, comecei a fazer leituras afins e nós tínhamos encontros periódicos. No primeiro encontro você falou: ‘- Leia isso e traga escrito o que você entendeu.’ (...) Era Vygotsky. (...) Ali, eu me deparei com o primeiro problema que é a questão de começar a escrever. Na verdade, eu vim de uma formação que não me permitiu escrever. Eu só sabia reproduzir respostas... Fiz algumas resenhas ... mas eu não tive no meu curso muitas solicitações de escrita. (...) Mas daí, você me deu mais alguns textos e falou assim : ‘- Bom, vou te dar mais algumas semanas pra ler.’ E como eu estava fazendo tudo numas folhas, você falou assim: ‘ - Primeira coisa, compre um caderno pra gente ter as coisas mais organizadas’ . (...) E depois, você vai escrevendo o texto sempre numa face e deixando a outra para as observações e reestruturações.’ Foi muito bacana essa organização. (...) Lembra? Nós acertamos fazer a coleta em dez episódios de aula. Eu iria assistir, escolher turmas conforme o meu horário, porque eu também dava aulas, e professoras que eu pudesse observar as aulas. Eu assistia, anotava... fizemos fichas de observação onde eu colocava as falas dos alunos, da professora, o uso de recursos e metodologias... (PQ: - É, nós ‘bolamos’ um protocolo de registros). – e paralelamente eu coletava o material dos alunos. (...) A gente analisava avaliações, atitudes do professor perante os alunos e a aprendizagem, tudo isso à luz de dois teóricos cognitivistas – Vygotsky e Ausubel. O ponto de

encontro entre os dois era a questão da aprendizagem significativa, e isso a gente buscava no ensino de Ciências.” (EA1).

Da narrativa de Gil sobre seu envolvimento com a Psicologia da Educação emerge a constatação de que este não aconteceu por ocasião de sua graduação na Licenciatura, levando-nos a reconhecer que seu olhar para esta área aguçou-se a partir do curso de especialização lato sensu. É ela quem descreve e analisa: “... durante a graduação, a minha visão de Psicologia foi totalmente voltada para as questões da Psicanálise. A professora tinha uma certa preocupação em mostrar pra gente como é que se ia lidar com ‘crianças problemas’ (EA1). “Parecia que numa sala de aula não havia ninguém normal. (...) num sentido de como resolver situações-problema do aluno que é especial, do aluno que é diferente” (EA2). “naquela ocasião eu não tive em nenhum momento, idéias sobre o que fosse Behaviorismo, Gestalt, Cognitivismo... eu não sabia que essas coisas existiam. (...) Na verdade, não havia estudos para ver como era a relação com a Educação, com o processo ensino- aprendizagem. Era só o enfoque psicanalista mesmo”. (EA1)

No curso de especialização, a Psicologia assumira sua feição educacional voltada para a dinâmica dos processos de ensino e aprendizagem. Ela conta: “- Quando eu fiz o curso de pós-graduação, especialização, é que me abriu o horizonte. Daí é que eu fui saber que a gente tem a Psicologia para compreender e resolver situações que ocorrem todos os dias nas salas de aula. Ela [a Psicologia] está sempre permeando, de alguma maneira, o teu trabalho como professor. Comecei a fazer mais leituras”. (EA1)

“ - Eu fui ver na pós-graduação que a Psicologia te ajuda a compreender as mais variadas situações do cotidiano da aula, principalmente o processo ensino-aprendizagem. Hoje, eu vejo que até na aplicação de uma metodologia de ensino, na formulação das questões de uma prova, no comportamento visível ou não de um aluno, a Psicologia está presente. E nas mais variadas situações que envolvem ‘eu e o aluno’, a questão da mediação, por exemplo, as interações entre sujeitos... A Psicologia vem a responder ‘pra mim’ variadas

situações de sala de aula e até no meu trabalho, no meu momento de planejar a aula, quando estou sozinha, e até de auto-conhecimento como professor”. (EA2)

A ampliação de referenciais teóricos a partir da especialização parece ter contado pontos positivos em seus horizontes pedagógicos: “- Para ser bem sincera pra você, na licenciatura eu não sabia que existiam diferentes linhas teóricas” (EA1).

“... é quase uma vergonha confessar mas eu só fui saber dos trabalhos do Piaget, que têm a ver com a Biologia, que é a minha área, na pós-graduação. Olha, Priscila, ao longo da minha licenciatura, eu posso te dizer que não foi citado para mim ‘nem o nome’ (ênfase na voz) do Piaget. (...) O meu desconhecimento era grande. (...) Ali, quando eu estava sendo tua aluna, e porque no meu curso de pós havia muitas pedagogas, eu via que pra elas não era uma coisa tão nova, mas para mim era inédito, era como se eu tivesse vendo um filme pela primeira vez.” (EA2)

Como vemos, a fala de Gil nos retrata um pouco da Psicologia da Educação oferecida nas Licenciaturas. A ampliação de quadros teóricos e a possibilidade de se valer da Psicologia na interpretação do ensino e da aprendizagem, foi descrito por ela como um filme que, no confronto com suas novas colegas pedagogas, só a ela parecia nunca ter assistido. Até então, como conta: “... nunca achei que eu ia estudar na Psicologia como é que o aluno aprende.” (EA2)

O curso de especialização foi, portanto, um marco significativo do seu olhar para os processos cognitivos do aluno tendo em vista as dinâmicas e interações típicas da sala de aula, de modo a impulsionar os seus auto- questionamentos como professora:

“- O Ausubel foi me ensinar que eu estava metralhando meus alunos com uma série de conceitos... que eu colocava pra eles tudo de uma vez só. Com o Ausubel eu aprendi sobre conceitos mais inclusivos, menos inclusivos, tive a

contribuição dos subsunçores... fui entender melhor como é que ele modifica ou estrutura de outra maneira o seu conhecimento.” (EA2)

“- O Vygotsky veio me dizer que o aluno pode passar para esse conhecimento mais elaborado, ou não, dependendo do meio cultural dele, por exemplo. E eu acho importante a questão da linguagem.”(EA2)

Dos encontros, desencontros e reencontros de Gil com a Psicologia da Educação, ao longo de sua constituição como docente, a partir do curso de especialização e da oportunidade de pesquisa dele emergente, é que se lhe posiciona uma nova visão das contribuições da Psicologia para a Educação. Ela nos afirmou: “- Hoje eu entendo que aquela Psicologia que eu vi na graduação era uma extensão da clínica... Só na pós-graduação eu fui perceber a Psicologia envolvida com o processo educacional... ” E termina reafirmando a obviedade que às vezes é esquecida pelos formadores da área: “é por isso que ela é Psicologia Educacional”. (EA2)