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2. CAMINHOS PERCORRIDOS

2.7. Organizando a análise autoscópica

O material coletado nas videogravações ocupou 09 (nove) fitas de 8 mm, cada qual com 120 (cento e vinte) minutos de duração. As fitas foram numeradas conforme os registros aconteciam. Houve ocasião em que o registro das atividades de um dia ocupou mais de uma fita. Nestes casos, usamos letras para indicar que pertenciam ao mesmo dia de filmagem.23 A partir do momento em que identificamos situações que se repetiam muito ou que já se contava com material suficiente para ilustrá-las, ou ainda, que não considerávamos relevante gravar, tendo em vista nosso objetivo, desligávamos a câmera de filmagem.24

Para a primeira sessão de autoscopia, não organizamos previamente o material bruto coletado nas videogravações, realizando-a imediatamente após a filmagem.25 Contamos apenas, na ocasião, com o controle remoto do vídeo para parar a fita durante as verbalizações ou acelerar a imagem quando a professora não evidenciava pontos de interesse para discutir. O conteúdo verbal desta primeira sessão foi gravado em áudio, transcrito e examinado, revelando-nos alguns aspectos que nos levaram a optar por modificar o procedimento dali para frente. O intervalo de tempo entre a coleta do material e a realização da autoscopia foi muito reduzido; assim, as falas da professora apresentavam-se condensadas, sem evidências de

23 A organização das fitas foi a seguinte:

FV 01 = 20/05/99 FV 02 = 10/06/99 FV 03 = 14/06/99 FV 04 A = 15/06/99 FV 04 B = 15/06/99 FV 05 = 01/07/99 FV 06 = 06/07/99 FV 07 A = 24/09/99 FV 07 B = 24/09/99

24 Como exemplos dessas situações tem-se: o momento da chamada nominal dos alunos; a entrada de um

funcionário da escola para passar um recado à turma; a distribuição de carteirinhas nos horários próximos à saída da escola.

contextualização das situações filmadas. Percebemos então que não estava presente para a professora a necessidade de evocar e descrever pormenores dos conteúdos das filmagens, uma vez que tratavam de acontecimentos recém- ocorridos e, sendo assim, boa parte deles não se convertia em dados verbalizados. Também, em virtude da ocorrência imediata da autoscopia, não antecipamos qualquer análise e reflexão dos conteúdos da filmagem, de modo que as verbalizações da professora ficaram à mercê da espontaneidade das situações, havendo, dificuldades de garantir que muitos aspectos importantes da prática pedagógica fossem contemplados.

A partir dessas constatações, optamos por proceder as filmagens e editar unidades de sentido (cenas) contidas no material videogravado, agrupando-as em diferentes conjuntos de acordo com a variabilidade de situações registradas. Para isso, assistíamos cada fita gravada, analisando-a e submetendo-a uma pré-edição (instrumento auxiliar)26 para que pudéssemos nos organizar em termos de tipos, número de cenas gravadas em cada fita, turmas e séries onde ocorreram, descrevendo-as sucintamente. Nesse instrumento de pré-edição também registramos dados para que reconhecêssemos o início e a finalização de cada cena27, e para situar aspectos a serem observados. Através deste processo, elencamos todas as cenas de cada fita, o que nos permitiu identificar componentes importantes da prática pedagógica da professora e classificar tipos de atividades e/ou interações que tínhamos no material bruto.

A partir da elencagem das cenas pelo processo de pré-edição (instrumento auxiliar), fizemos edições definitivas eliminando imagens que não se correlacionavam com os objetivos do trabalho e juntando cenas correspondentes ao mesmo tipo de componente pedagógico identificado (ainda

26 Vide ANEXO II – EXEMPLO DO INSTRUMENTO AUXILIAR DO PROCESSO DE PRÉ-EDIÇÃO

DAS CENAS VIDEOGRAVADAS.

27 Isto foi necessário porque a pesquisadora não contou com uma ilha de edição apropriada, que permitisse

que estes proviessem de diferentes turmas ou momentos), agrupando-as em novas fitas a serem apresentadas à professora. Em todo este processo nos colocávamos uma questão orientadora: - Que tipo(s) de componente(s) pedagógico(s) (atividades e/ou interações) aparecem no material registrado? Das respostas a esta questão, elaboramos três grandes blocos de edições:

1) Atividades Escolares centradas na dinâmica da relação professor-aluno(s)- conhecimento;

2) Atividades de Avaliação da aprendizagem e da prática pedagógica;

3) Interações que envolvem comportamentos e valores.

No primeiro bloco agrupamos cenas correspondentes a atividades planejadas ou antecipadas pela professora, ligadas diretamente à organização e efetivação do ensino de conteúdos. Neste bloco, constaram 13 (treze) unidades de análise ou edições, conforme retratamos no QUADRO II:

QUADRO II – UNIDADES DE ANÁLISE CORRESPONDENTES À ATIVIDADES ESCOLARES CENTRADAS NA DINÂMICA DA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO(S)- CONHECIMENTO

UNIDADES DE ANÁLISE Quantidade de cenas editadas

Número da

Edição AUTOSCOPIA

Rotinas de início de aula

- pensamento ou curiosidade do dia; - discussão e registro de pautas ou propostas de trabalho

09 01

Realizada em 20/05/99 Exposição Oral de Conteúdos de

Ensino 05 02 Realizada em 01/09/99

Metodologias para compreensão e fixação de conteúdos: Gincana/ Bingo: jogos de regras/atividades em grupo

05 03 Realizada em 25/10/99 Metodologias para compreensão e

fixação de conteúdos: produções artísticas a partir do estudo de textos

do livro didático/ atividade grupal 03 04 Realizada em 25/10/99 Metodologias para compreensão e

fixação de conteúdos: leitura dirigida e comentada a partir de texto do livro

didático 03 05 Realizada em 11/11/99

Metodologias para compreensão e fixação de conteúdos:

Resolução coletiva de questões

problematizadas por duplas de alunos 01 06 Realizada em 11/11/99 Situações de feed-back sobre

Conteúdos e organização do trabalho

do aluno: individuais e coletivas 06 07 Realizada em 10/06/00 Leitura livre de revistas em

Disponibilidade 01 08 Realizada em 11/11/99 Instruções para realização de

Trabalhos e tarefas grupais 02 09 Realizada em 10/06/00 Recursos materiais à disposição ou

confeccionados em classe 03 10 Realizada em 10/06/00 Atividades em Grupos 02 11 Realizada em 10/06/00 Atividades de Revisão de conteúdos

com apresentação de grupos ao coletivo da turma

03 12 Realizada em 10/06/00 Resolução Coletiva de exercícios

com registro no quadro e

esclarecimento de dúvidas 03 13 Realizada em 10/06/00

O segundo bloco contemplou 05 (cinco) edições formadas pelo agrupamento de cenas que envolveram atividades relacionadas com a avaliação da relação aluno-conhecimento e avaliação das mediações da professora. Este bloco está retratado no QUADRO III.

QUADRO III – UNIDADES DE ANÁLISE CORRESPONDENTES À ATIVIDADES DE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

UNIDADES DE ANÁLISE Quantidade de cenas editadas

Número da

Edição AUTOSCOPIA

Avaliação individual e parcial através

de teste escrito 02 14 realizada em 12/06/00 Explicações sobre a próxima

Avaliação com revisão das propostas

e avaliações anteriores 01 15 realizada em 12/06/00 Assembléia de Avaliação Final do 2º

Bimestre 02 16 realizada em 12/06/00

Explicações sobre como a nota é

Obtida a partir dos objetivos 01 17 realizada em 12/06/00 Correção da Avaliação com

Acompanhamento do aluno e Oportunidade de auto-avaliação e

Avaliação da disciplina 01 18 realizada em 12/06/00

TOTALIZAÇÃO 07 05

No terceiro bloco, agrupamos as cenas sob o critério de envolverem situações comportamentais não planejadas pela professora mas que necessitaram do seu manejo ou, então, envolveram aprendizagem de valores. Neste bloco, formamos 05 (cinco) unidades de análise conforme o QUADRO IV.

QUADRO IV – UNIDADES DE ANÁLISE CORRESPONDENTES A INTERAÇÕES QUE ENVOLVEM COMPORTAMENTOS E VALORES

UNIDADES DE ANÁLISE Quantidade de cenas editadas

Número da

Edição AUTOSCOPIA

Professora sai da classe no horário

de aula 01 19 realizada em 13/06/00

Alunos que não acompanham a

Atividade desenvolvida 03 20 realizada em 13/06/00 Situações envolvendo valores de

Responsabilidade para com o

Ambiente físico e humano 03 21 realizada em 13/06/00 O comportamento de Leandro 02 22 realizada em 13/06/00 A rejeição de Liana pelo seu colega

Müller 01 23 realizada em 13/06/00

TOTALIZAÇÃO 10 05

O processo de edição, que resultou nas unidades de análise elencadas, foi conseqüência de nossas decisões ao atuarmos como um editor, recortando a realidade segundo significados e percepções que atribuímos às ações e interações vídeogravadas. Reafirmamos, por isso, as constatações de DESSEN (1995), acerca do envolvimento de vivências, conhecimentos, pressupostos teóricos e mesmo de hipóteses do pesquisador/observador no ato de editar, admitindo a possibilidade de que diferentes observadores notassem diferentes aspectos no material vídeogravado e realizassem diferentes formas de edição. Como diz a autora,

... o uso do vídeo não resolve os dilemas epistemológicos fundamentais, constituindo-se apenas em um recurso técnico, cujo modo de utilização independe dos procedimentos de recorte e análise de dados, os quais estão direta e intimamente ligados à postura teórica-epistemológica assumida pelo pesquisador. (p.226).

Após este processo, passamos à apresentação do material à professora Gil, em sessões de autoscopia solicitando-lhe que buscasse

fundamentar sua prática pedagógica na Psicologia da Educação. A apresentação das edições ao longo do desenvolvimento das sessões autoscópicas ocorreu de acordo com o tamanho e o tempo de cada edição, bem como, com a disponibilidade de horários da professora para sessões mais longas ou mais curtas. Por isso, houve ocasião em que uma sessão abarcou apenas uma edição, como houve sessões nas quais abarcamos análises de várias edições28.

A cada sessão, assistíamos juntas uma edição completa, ou seja, tomávamos uma unidade de reflexão e análise do começo ao fim para, só então, passarmos para outra edição. Nessas ocasiões, Gil anotava e esquematizava para si própria observações e seqüências a serem descritas e/ou discutidas no momento de verbalização. Quando perguntamos acerca desse comportamento, explicou que não gostaria de perder nada durante a verbalização. Devido ao dinamismo de muitas cenas, ela nem sempre conseguia captar tudo o que desejava, de modo que, nosso segundo passo consistiu em repetir a edição no todo ou em partes, até que ficasse satisfeita e assinalasse que era possível iniciar as análises. Nesse processo, muitas vezes, ela nos solicitava dizendo: - Vá até aquele pedaço da fita e pare; – Não consegui pegar tudo. - Dá para repetir aquele trecho? Durante essas repetições, percebíamos que Gil completava tópicos no seu roteiro. Portanto, este segundo passo caracterizou-se por retomadas e paradas da fita, a fim de melhor dar conta do objetivo de refletir, com base na Psicologia Educacional, as práticas registradas. Assim que sinalizava que estava pronta para iniciar as análises, ligávamos o gravador para registrar as verbalizações. Em todo o processo, a professora Gil se mostrou atenta e meticulosa na sua tarefa.