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Os procedimentos para a construção dos dados

2. CAMINHOS PERCORRIDOS

2.2. Os procedimentos para a construção dos dados

“O que o jovem de vinte anos havia vivido ainda não era uma lembrança. E lembrança não significava ‘aquilo que havia ocorrido voltava’; mas sim ‘aquilo que havia ocorrido, voltando, mostrava o seu lugar’. Quando eu recordava, sabia: assim é como vivi. (...). E só desse modo isso se fazia consciente para mim, sonoro e maduro para a linguagem...

(Peter Handke, La repetición, 1991)

13 Na ocasião da pesquisa referida, a idéia de professores representativos adveio das contribuições e

Uma vez escolhida a professora de nosso estudo, passamos a formular estratégias para a construção dos dados de pesquisa, que foram basicamente as seguintes:

• Entrevistas gravadas e transcritas -

- na forma de depoimento: para caracterizar a trajetória acadêmico- profissional da professora, seu envolvimento com a Psicologia da Educação, sua prática e espaço pedagógico;

- na forma aprofundada: segundo temas de interesse gerados durante a coleta de dados;

• Diário de Campo - instrumento auxiliar na forma escrita usado para acompanhar a coleta de dados na escola;

• Autoscopia – procedimento entendido como a principal estratégia de coleta dos dados, através da qual a prática docente foi registrada por meio de videogravações e posteriormente submetida à análise da professora, a qual foi gravada em áudio.

Na investigação qualitativa, podemos lançar mão da entrevista como estratégia dominante de coleta de dados ou em conjunto com outras técnicas. Para nosso estudo, consideramos a segunda possibilidade, uma vez que a Autoscopia constituiu-se a estratégia privilegiada. Segundo BOGDAN & BIKLEN (1997), a entrevista é uma conversa intencional entre pessoas, dirigida por uma delas, com o objetivo de obter informações. O procedimento de entrevistas admite diferentes graus de estruturação, podendo torná-las mais abertas ou fechadas, conforme o entrevistador oferecer ao sujeito a oportunidade de moldar para mais ou para menos o seu conteúdo. Considerando esta possibilidade, as entrevistas que denominamos depoimentos tiveram um caráter livre pois objetivaram uma compreensão ampla e exploratória, acerca dos entrelaçamentos entre vida, história de formação e

desenvolvimento profissional, bem como do panorama contextual de formação e atuação da professora Gil. Como dizem BOGDAN & BIKLEN –

no início do projeto pode parecer importante utilizar a entrevista mais livre e exploratória, pois nesse momento o objectivo é a compreensão geral das perspectivas sobre o tópico. Após o trabalho de investigação, pode surgir a necessidade de estruturar mais as entrevistas... (p.134)

Assim, tomamos dois depoimentos iniciais com a professora (14/07/99 e 05/08/99), um depoimento com o diretor da escola (15/12/99), dois depoimentos com professoras de sua graduação (25/07/2000 e 27/07/2000), uma de Fundamentos da Educação e outra de Didática, com as quais Gil estivera mais próxima por força de monitorias que desenvolvera nestas disciplinas.

As entrevistas que caracterizamos como aprofundadas (EA) destinaram-se a explorar temas/ focos de interesse gerados durante a coleta de dados. Os temas que surgiram foram: - Relação entre vida pessoal e vida profissional; - Eu, a escola onde atuo, a relação com os colegas e os fins educacionais; - A influência das idéias de Paulo Freire e Celestién Freinet sobre a formação e prática profissional14; - Meta-análise da formação em Psicologia Educacional na Licenciatura e no Pós-Graduação; - Contribuições da Psicologia Educacional consideradas mais relevantes para a teoria e prática educacional. Estes temas de interesse foram abordados nos dias 18/10/99 e 19/06/2000.

Tanto para os depoimentos, como para as entrevistas aprofundadas, interessou-nos captar a perspectiva do respondente sobre as temáticas propostas.

14 Este tema despertou nosso interesse a partir de duas constatações. A trajetória de Gil indicava contato

com o pensamento destes dois educadores: Paulo Freire, por força de suas experiências como alfabetizadora de adultos; Freinet, face à sua atuação numa escola particular que adotava estas diretrizes metodológicas.

O Diário de Campo foi tomado para funcionar basicamente como recurso à memória de acontecimentos não captados através dos demais procedimentos de pesquisa, como também fixar reflexões durante a trajetória da investigação. Segundo PÉREZ GÓMEZ (1998), o Diário de Campo é útil para –

registrar, sem excessiva preocupação pela estrutura, ordem e esquematização sistemática, a corrente de acontecimentos e impressões que o investigador observa, vive, recebe e experimenta durante sua estada no campo. (p.109).

Em geral, os Diários de Campo contém notas escritas ou apontamentos do pesquisador, que relatam o que este ouve, vê, experencia e pensa no decurso do trabalho investigativo (BOGDAN & BIKLEN, op.cit).

A Autoscopia, por sua vez, consiste na técnica que se vale do recurso de videogravação de ações de um sujeito ou grupo de sujeitos, numa dada situação, visando submetê-lo(s) a posterior análise reflexiva das ações videogravadas. Este procedimento foi utilizado em estudos europeus como os de LINARD (1974; 1980), PRAX &LINARD (1975), na França, e FERRÉS (1996), na Espanha, que detalharam a potencial função de avaliação de si mesmo que a videogravação permite. Estudos brasileiros registram procedimentos semelhantes (SADALLA:1998; OLIVEIRA:1998; GUARNIERI:1998; TASSONI:2000).

Os dados considerados na Autoscopia não provêm daquilo que está registrado na tela mas daquilo que o sujeito analisa ao confrontar-se com a imagem de si, na tela de vídeo. No nosso caso, fizemos uma gravação em áudio desta análise.

A tecnologia de videogravação é adequada para investigar fenômenos nos quais intervém o movimento. Ora, a prática pedagógica é, por excelência, um fenômeno vivo carregado de complexidade e mudança graças à interferência de múltiplas variáveis. Além disso, a videogravação nos permite o

registro de acontecimentos fugazes e não-repetíveis que provavelmente escapariam à nossa observação direta. Outra particularidade é que a observação direta, muitas vezes, é dificultada pela carga emotiva que acompanha a situação. A apresentação do vídeo, à posteriori, facilita o distanciamento emotivo que é necessário para a análise reflexiva do material registrado. (FERRÉS, op.cit). Mas, como diz SADALLA (op.cit) – “É claro que a realidade do vivido é mais importante do que a imagem, mas a técnica pode ser uma ferramenta que auxilia a reflexão sobre esta prática vivenciada.” (p. 46).

Inerente ao processo da escolha do sujeito e dos procedimentos de pesquisa, esteve, portanto, configurada a possibilidade de conhecer como um professor se vale da Psicologia Educacional em sua ação e reflexão pedagógica. É, pois, a relação Psicologia-prática docente o eixo central do nosso esforço investigativo.