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O REDIMENSIONAMENTO DAS HIPÓTESES DE EMENDATIO LIBELLI

4. AS POSSIBILIDADES DE COMPATIBILIZAÇÃO DO ARTIGO 383 DO CÓDIGO

4.2. O REDIMENSIONAMENTO DAS HIPÓTESES DE EMENDATIO LIBELLI

A longo prazo – muito longo, no Brasil – é certo que o problema pode ser equacionado por reformas legislativas, como países vizinhos já o fizeram, mas cumpre, desde já, buscar parâmetros exegéticos que viabilizem a imediata aplicabilidade dos preceitos trazidos pela ainda dita nova ordem constitucional de 1988 à emendatio libelli. O perímetro traçado pela Constituição, embora o quase unânime consenso dos aplicadores do direito no sentido da acomodação – como à frente se comprovará –, não pode ser transposto, visto que indisponível141.

Para enfrenar as alternativas à constitucionalização do tema, num tensionamento de adaptação, sobretudo, ao sistema acusatório e à ampla defesa, impende explicar exatamente como está a disciplina legal constante do artigo 383 do Código de Processo Penal, e, também, na sequência, determinar o relevo e as implicações de cada uma das formas de emendatio libelli

140 O equilíbrio entre essas duas perspectivas será abordado ao item “4.3. As alternativas interpretativas e procedimentais aos problemas enfrentados”.

tradicionalmente reconhecidas, dando novas significações às categorias, oportunidade em que, continuamente, será perscrutada a possibilidade de utilização das elencadas alternativas do direito comparado e das frustradas reformas do sistema brasileiro.

Sobre o conceito da emendatio libelli, tem-se que já foi exaustivamente abordado, inclusive, tendo sido citada a sua positivação no artigo 383. Contudo – repetindo-se, brevemente –, a definição localizada no caput do redito artigo 383 do Código de Processo Penal descreve que: “O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir- lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”. O artigo 617 da codificação ainda permite aos tribunais a adoção do procedimento, pois determina a aplicação, na instância recursal, dentre outras disposições, do artigo 383.

Até esse ponto, nenhuma novidade. O que ainda não se apurou detidamente foram os §§ 1º e 2º do artigo em referência. Como mencionado no exame da evolução legislativa da problemática, foram eles inseridos pela Lei nº 11.719, de 2008, relatando o § 1º que “Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei”, e o § 2º que “Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos”. Em síntese, autorizam a emendatio libelli antecipada, ao primeiro contato do juiz com os autos, nos casos em que a nova definição jurídica atribuível aos fatos puder resultar em proposta de suspensão condicional do processo ou em mudança de competência para processamento e julgamento daquele caso.

A esse respeito, já é pertinente abordar a polêmica acerca do momento de manipulação da emendatio libelli, ou seja, o primeiro conceito repensado ora posto, o da emendatio libelli antecipada.

É que o artigo 383 está topograficamente situado no “Título XII – Da sentença” do Código de Processo Penal, fazendo com que, de maneira absolutamente acrítica, grande parte da jurisprudência142 levante a operabilidade do instituto somente na sede da sentença. O

142 Verbi gratia: “O momento do recebimento da denúncia, no qual o Magistrado faz apenas um juízo

de admissibilidade da acusação, não é adequado para a desclassificação da conduta descrita para adequação da capitulação do delito, sendo na prolação da sentença o momento mais apropriado para tal medida, por meio dos institutos da emendatio libelli e da mutatio libelli. - Nesse contexto, não há falar em inépcia da denúncia ou prejuízo à defesa, na medida em que o réu se defende dos fatos narrados e não da capitulação jurídica, podendo o Juízo, após a instrução probatória, atribuir aos fatos descritos na exordial acusatória, definição jurídica diversa nos termos dos arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal. - In casu, os fatos narrados na denúncia, não autorizam, neste momento processual, concluir pela existência de erro grosseiro na capitulação jurídica do delito, razão pela qual mostra-se inadmissível o encerramento prematuro da ação penal, reconhecendo, ainda, a prescrição da pretensão punitiva estatal, tendo em vista o claro adiantamento do juízo de mérito da ação penal, a suprimir das instâncias

inconcebível é empreender argumentações em função da situação topográfica deste ou daquele artigo quando se tem um código completamente remendado, em que vários institutos sequer se localizam conforme a sua organização temática em títulos, capítulos ou seções. Mas, abstraída essa constatação, fato é que não existe nenhum outro raciocínio jurídico ou, ao menos, qualquer justificativa razoável à admissão da emendatio libelli apenas em sede de sentença.

Sabe-se que, realmente, o legislador de 1941 colocou a emendatio libelli no título que trata da sentença, e o reformador de 2008, ao expressamente excepcionar as possibilidades de emendatio libelli antecipada, em apartados parágrafos, deu a entender que visualizava o procedimento, de regra, em sentença. Mas, se, nas reconhecidas hipóteses de possibilidade de suspensão condicional do processo e de mudança de competência, é acolhida a prévia emendatio, por que não também o seria em demais situações? A justificação para o aceite das primeiras hipóteses é justamente o adiantado saneamento do feito, com a prévia correção do rito e a consequente economia processual. Isso também não seria perfeitamente bem recebido em todos os outros episódios de emendatio libelli?

Era o que pretendia o Projeto de Lei nº 4.207, de 2001, que, conforme narrado, não teve o parágrafo nesse sentido aprovado no Congresso Nacional. E, com ainda mais razão, frente ao exaustivamente aqui desenvolvido, deveria o procedimento poder ser levado a cabo no princípio, uma vez que seria proporcionada a ampla defesa, devidamente, desde o recebimento da denúncia. Assim, o anúncio da possível diferente tipificação poderia ser feito tão logo se desse conta o magistrado de tal possibilidade, podendo ser, também, no saneador ou, pelo menos, antes da audiência de instrução e julgamento, como visto na Venezuela e em El Salvador.

A esposada antecipação, no entanto, não se pode negar, merece, sim, cautela, porque, da mesma maneira com que se deve ter o cuidado de não aguardar apenas o momento da sentença, porque passada estaria a instrução, sem a viabilidade de as partes explorarem as provas no confronto com o novo tipo penal, é preciso ter a prudência de entender que, justamente por ainda não ter sido realizada a instrução, em especial a audiência de instrução, pode a acusação não lograr êxito em inequivocamente firmar os fatos conforme a sua narrativa

ordinárias o conhecimento da causa. Recurso ordinário a que se nega provimento” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 34.831. Relatora: Ministra Marilza Maynard (convocada). Julgamento em: 20. mar. 2014. Publicação em: DJe 28 abr. 2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=20120 2698190&dt_publicacao=28/04/2014>. Acesso em: 12. nov. 2019).

jurídica empregada na denúncia. Além do mais, a emendatio, nessas circunstâncias, deve cuidar para não resultar em prejulgamento.

Exatamente por isso, Antônio Scarance Fernandes143 é pela antecipação em situações manifestas, como a classificação atípica, a classificação excessiva e a classificação errônea. Aprecie-se, então, cada uma, no que, incontinentemente, adentra-se nas considerações sobre os clássicos tipos de emendatio libelli nomeados pela doutrina.

A classificação atípica seria aquela improvável invenção do tipo, ou atribuição de um tipo apenas previsto em projeto de lei não sancionado, em medida provisória não convertida em lei, ou, de qualquer forma, banido ou inexistente no sistema normativo. A situação, em verdade, é de rejeição liminar da denúncia ou da queixa, uma vez que inexistente a prática de fato aparentemente criminoso (fumus commissi delicti), exigência que – diga-se novamente –, na doutrina de Aury Lopes Jr.144, constitui, modernamente, uma das condições da ação penal (artigo 395, inciso II, do Código de Processo Penal), abandonando os conceitos cíveis.

A propósito, ainda que não se filie a essa doutrina, poder-se-ia considerar a inépcia da exordial (artigo 395, inciso I, do Código de Processo Penal), a ensejar, semelhantemente, sua rejeição; ou até que o fato, evidentemente, não constitui crime (artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal), resultando na absolvição sumária do agente. Portanto, não se trata, propriamente, de emendatio libelli antecipada.

A classificação excessiva, passando a essa segunda definição, seria aquela na qual o acusador acaba imputando crime mais grave, quando patente era outra classificação, apenas para que não sejam aplicadas medidas despenalizadoras como a transação penal e a suspensão condicional do processo, ou reconhecida a prescrição, ou mesmo aplicadas cautelares diversas da prisão. Seria o chamado princípio da correção do excesso, em que, desde o início, haveria evidente prejuízo ao acusado – assim como introduzido ao terceiro capítulo145 –, prejuízo esse

143 FERNANDES, Antonio Scarance. A reação defensiva à imputação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 220.

144 Entende Aury Lopes Jr. que, segundo as categorias próprias do processo penal, seriam condições da ação: (a) a prática de fato aparentemente criminoso (fumus commissi delicti); (b) a punibilidade concreta; (c) a legitimidade da parte; (d) a justa causa (LOPES JR, Aury. Fundamentos do processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 121).

145 Retomando, foi dito que o tipo imputado determinava certas questões procedimentais, como (a) a competência, pois aos Juizados Especiais, verbi gratia, compete o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo, com pena máxima cominada não superior a 02 (dois) anos (artigos 60 e 61 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995); (b) o cabimento de possíveis cautelares, só sendo admitida a prisão preventiva para os crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos (artigo 313, inciso I, do Código Penal), devendo, em caso diverso, aplicar-se as cautelares do artigo 319; (c) a possibilidade de sursis processual, cabível nos crimes em que a pena mínima for igual ou inferior a 01 (um) ano (artigo 89 da Lei nº 9.099, de 1995) etc.

sentido antecipadamente, por envolver questões procedimentais, e não só quando do eventual julgamento condenatório146. Aí sim, cuida-se de emendatio libelli antecipada, sendo notório o relevo da discussão do momento de operação do instituto.

Tais situações, via de regra, sendo alterações procedimentais, inserem-se na mesma lógica dos §§ 1º e 2º do artigo 383 – que, aliás, menciona a suspensão condicional processo e a mudança de competência –, sendo viável e recomendável a pronta correção, a evitar a caracterização de nulidades.

Nessa mesma lógica, por sinal, para citar mais dois exemplos, podem ser colocadas as mudanças procedimentais relativas à alteração de ação penal de iniciativa pública incondicionada para ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação e aos crimes funcionais. Isso porque, no primeiro caso, se muito posterior for a emendatio libelli, provavelmente já terá decorrido o prazo decadencial e legal de 06 (meses) para o ajuizamento da ação de iniciativa privada ou para a representação (artigo 103 do Código Penal), no que deverá ser declarada a extinção de punibilidade do acusado (artigo 107, inciso IV, do Código Penal). Na outra, se não se observa, logo, que o delito amoldável é funcional, não é garantida a notificação para a prévia resposta constante do artigo 514 do Código de Processo Penal, donde seria anulado o processo desde o recebimento da denúncia.

A classificação errônea, última das três construções costumeiramente catalogadas como emendatio libelli antecipada, é o erro propriamente dito, aquela que, neste trabalho, pode ser a única acepção da “emendatio libelli por defeito de capitulação” – a qual será velada na exposição dos clássicos tipos de emendatio.

Assim, face à pobre e efêmera definição legal, para fixar novas linhas mestras à operação do instituto, cabe retomar os clássicos tipos de emendatio libelli trazidos no segundo capítulo desta exposição, para que se entenda quais deles, de fato, são enquadráveis nos conceitos pretendidos e, finalmente, quais apresentam relevância frente às premissas aqui traçadas, de imperatividade de respeito à inércia da jurisdição, ao contraditório, à ampla defesa,

146 Exemplo animador, mas que aparentemente não repercutiu é o fragmento de ementa a seguir: “4. Válido é o reconhecimento do direito à transação penal, por fatos denunciados que compreende o magistrado claramente configurarem crime de pequeno potencial ofensivo. 5. Inválido o acórdão que em habeas corpus anula essa decisão de primeiro grau, explicitando o efeito de prosseguimento da persecução criminal pelo crime comum originalmente tipificado na denúncia, já que prejudica condição processual assegurada ao acusado em impugnação exclusiva da defesa” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. Habeas Corpus nº 241.206. Relator: Ministro Nefi Cordeiro. Julgamento em: 11. nov. 2014. Publicação em: DJe 11. dez. 2014. Disponível em: <https://scon.stj.jus. br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=241206&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>. 11. nov. 2019).

ao sistema acusatório etc. – informadores da correlação, regra na qual há importante dimensionamento da tipificação, de acordo com o dedicado aos segundo e terceiro capítulos.

O desenvolvimento doutrinário – embora também insuficiente – desdobra a emendatio libelli em três tipos, sendo eles a emendatio libelli por defeito de capitulação, a emendatio libelli por supressão de elementar e/ou circunstância e a emendatio libelli por interpretação diferente, não registrando, na tradição, qualquer formalidade para a aplicação de nenhuma delas. Cientes de que nenhum instituto ou fenômeno surge por si só, mas muitos são os fatores determinantes ao seu nascimento e à sua correspondente evolução (ou involução)147, tem-se que são particulares cada uma das hipóteses em questão, não podendo ser seu tratamento acriticamente idêntico. Devem ser examinadas, por conseguinte, as características e possibilidades de cada tipo, e indicadas as predileções de evolução.

Nesse intento, sabe-se que a emendatio libelli por defeito de capitulação (ou a dita, por Antonio Scarance, capitulação errônea), na essência, cuida-se da única modalidade que, efetivamente, representa mera correção de um erro. Sua verdadeira interpretação exemplifica- se no cenário de o acusador, durante toda a peça exordial, debruçar-se sobre um tipo, discriminando todas as suas elementares e, ao cabo, pronunciar-se a respeito de artigo que, de modo patente, não corresponde ao delito pretendido, num visível equívoco.

A única operação inteligível é a plena correção do erro, sem maiores problemas, conduta que deve, necessariamente, ser providenciada, de pronto, pelo magistrado, ao seu primeiro contato com os autos, evitando futuros maiores entraves e otimizando o desenvolvimento processual. A conclusão é óbvia.

Na soma das categorias apresentadas, essa é a segunda conjuntura, unida à capitulação excessiva e suas decorrências, de premente necessidade de emendatio libelli antecipada – lembrando-se que a espécie da capitulação atípica foi rechaçada do enquadramento da emendatio libelli.

Outra situação, também, dentre os conhecidos tipos de emendatio, não merece enquadramento no conceito do instituto apreciado. É que não se subsome à emendatio libelli por erro de capitulação a eventualidade de o juiz, por si só, malgrado não tenha o acusador as indicado, imputar circunstância agravante, ou causa de aumento, ou qualificadora, ou até outro crime que, porventura, possa também decorrer dos fatos narrados, ao acusado. Nesses casos, há nítida ampliação da acusação, reunindo o magistrado elementos jurídicos não empregados pelo

147 POZZER, Benedito Roberto Garcia. Correlação entre acusação e sentença no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCrim, 2001, p. 15.

acusador, em que pese ciente ele da sua ocorrência fática, em inconteste violação ao sistema acusatório, donde emerge um amálgama de diversas outras disposições constitucionais já extensamente verificadas.

Se assim se proceder, apenas para citar duas violações, será usurpada a função constitucionalmente atribuída ao Ministério Público (artigo 129, inciso I, da Constituição) e maculada a imparcialidade do julgador (consectária dos artigos 5º, inciso XXXVII, com a vedação de juízo ou tribunal de exceção, e inciso LIII, com a garantia do juiz natural; 93, inciso IX, com a obrigatoriedade de pública motivação dos atos judiciais; e 95, com as várias garantias e prerrogativas do juiz para lhe assegurar independência e inexistência de influências externas, todos da Constituição).

Portanto, andou mal Renato Brasileiro148, em exemplo já citado, ao aludir como emendatio libelli por erro de capitulação o fato de o juiz incluir a majorante do artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137, de 1990, a qual prevê um aumento de pena de 1/3 (um terço) até 1/2 (metade) para delito que ocasiona grave dano à coletividade, quando o Ministério Público oferece denúncia contra alguém pela prática de crime contra a ordem tributária, do qual tenha resultado prejuízo superior a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), tendo pugnado apenas pela condenação do acusado nas previsões do artigo 1º, incisos I e II, do mesmo diploma.

In casu, o julgador, tomando as vezes do acusador, num raciocínio que cabe apenas àquele que indistintamente desejar incriminar, interpreta o que seria “grave dano à coletividade” em desfavor do acusado e lhe amplia a acusação. Ora, o que pensaria o denunciado ao perceber que a pessoa a lhe julgar, a qual deveria ser completamente isenta, foi além do seu próprio adversário e ampliou, em seu desfavor, a conotação jurídica empregada aos fatos?

E não se deixe passar que, pior ainda, por sinal, andou o legislador, o qual deliberadamente permitiu ao juiz “reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada” (artigo 385, segunda parte, do Código de Processo Penal). O artigo, por óbvio, não foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988, além de estar em dissonância com o próprio espírito de evolução da Reforma Tópica de 2008, a qual retirou, no trato da mutatio libelli, as possibilidades de imputação implícita e de mutatio pelo próprio juiz ou de aditamento provocado, quando resultante pena mais grave.

O próprio Renato Brasileiro, em outra obra149, menciona que o cenário se classifica como um aditamento próprio (substancial, não corrige simples falhas), real (não diz respeito à

148 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal [versão ePUB]. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

inclusão de novos sujeitos) e legal (representa acréscimo de dispositivos legais penais ou processuais substantivo ou adjetivo). Com efeito, se reconhece que seria hipótese de aditamento, a conclusão que se chega é a de que não há de ser procedido pelo próprio juiz.

No mais, nessa espécie de ação penal de ofício, há clara violação ao contraditório e à ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da Constituição), causando surpresa ao acusado (artigo 10 do Código de Processo Civil). Como comprovação disso, pode-se exibir o caso da reincidência. Se aplicada, de ofício em sentença, a circunstância agravante da reincidência (artigo 61 do Código Penal), não seria dado ao acusado provar que a pena imposta na decisão anterior foi cumprida há mais de 05 (cinco) anos (artigo 64, inciso I, do Código Penal); que o crime pelo qual foi condenado era de natureza política ou propriamente militar (artigo 64, inciso II, do Código Penal); que o documento acostado aos autos é inidôneo, falso, ou diz respeito a homônomo; que a decisão anterior foi desconstituída em impugnação autônoma por habeas corpus ou revisão criminal etc150.

Ademais, poderia a hipótese identificar-se com o quadro de o juiz aconselhar a parte, o que, conforme o artigo 254, inciso IV, do Código de Processo Penal, configura a suspeição do magistrado.

Dessa forma, definitivamente incompatível com a Constituição de 1988 é o artigo 385 do Código de Processo Penal, em especial na parte abordada, não tendo sido ele recepcionado151. E, com efeito, não constituem emendatio libelli por erro de capitulação esses casos de clara ampliação da acusação. Por erro só pode ser entendido aquilo que, verdadeiramente, encaixa-se na acepção da palavra, e ampliação não é mera correção.

Passada essa primeira etapa e tendo sido devidamente captado o conceito da emendatio libelli por erro de capitulação, algumas conclusões, para que não se esqueçam as edificações no tema, hão de ser feitas. Nessa ambição, apreendeu-se que, sobre o momento da emendatio libelli, não se acham justificativas para lhe impedir a antecipação em relação ao instante da sentença, em especial nas situações de capitulação excessiva e de capitulação errônea ou emendatio libelli por erro de capitulação. Além disso, viu-se que o desenvolvimento de um conceito de classificação atípica, em verdade, não condiz com o de emendatio libelli, não

150 Trata-se de exemplo trazido por Malan (MALAN, Diogo Rudge. A sentença incongruente no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 233).

151 O que poderia ser declarado pelo Supremo Tribunal Federal por Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (artigo 102, § 1º, da Constituição Federal, e Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999), uma vez que se cuida de norma pré-constitucional não recepcionada. Referida decisão teria eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (artigo 10, § 3º, do mesmo diploma), sem a necessidade de suspensão da execução da norma pelo Senado Federal (artigo 52, inciso X, da Constituição).

havendo razão para incluí-la como uma forma antecipada do instituto. Ainda, excluiu-se da delimitação da emendatio libelli por erro de classificação a hipótese de ampliação da acusação.

Pois bem, até então, não existem grandes problemas ou demais providências processuais alternativas a serem tomadas, cabendo apenas observar a real subsunção a cada categoria mencionada, as quais, por ora, podem e devem ser providenciadas no primeiro momento viável ao magistrado. Repare-se, agora, na emendatio libelli por supressão de