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MI 4. Representação e Simulação

4.3. O 'registro' da arquitetura

A representação, por re-presentar o objeto através de outro meio, exige um ponto de vista fixo, de onde o objeto é interpretado para ser presentado de novo. Nesse processo, há uma absolutificação do momento e a perda da profundidade do significado. Substituindo o objeto por um signo - seu representante - apenas representa um 'recorte' dos significados possíveis, somente uma interpretação. Por isso consideramo-la uma redução do objeto. Se a imagem representada é 'desmascarada' existe um original por trás, ao qual a imagem se refere. Mas não há como se chegar ao original, senão ao instante absoluto que se encontra congelado na imagem. Não há como chegar à 'verdade' do original, mas tão só conhecer a possibilidade de um instante, de uma interpretação.

A simulação não é a imagem de um objeto, mas uma imagem ela mesma. O simulacro não se refere a nada a priori, apenas acrescenta-se à realidade artificializando-a. A imagem simulada é autônoma e se é 'desmascarada' não há nada por trás, portanto não é imagem de nada, senão a própria realidade. Pela simulação também não há como chegar à 'verdade' do original, por não existir o original.

O registro situa-se entre a representação e a simulação e refere-se às possibilidades de presentação da arquitetura

existente, não estaremos considerando aqui o projeto de arquitetura que pode ser tanto representado quanto simulado, por ser uma arquitetura potencial, e não uma arquitetura de fato. O registro mantém a referência ao objeto, como a representação, mas é autônomo, como a simulação. Ao contrário da simulação, o registro é uma cópia com um original, mas permite o desvelamento da 'verdade' do original por permitir desvelar-se a si mesmo com autonomia em relação ao original. Se a imagem é 'desmascarada' existe um original, porém, ao contrário da representação, a imagem é relativa à totalidade do original, podendo-se chegar à sua 'verdade' pela 'verdade' da imagem. Assim, podemos dizer que (i) a representação traz uma verdade de seu objeto por correspondência, (ii) a simulação é em si uma 'verdade' que pode ser desvelada, e (iii) o 'registro' pretende trazer a 'verdade' de seu objeto por desvelamento. As Cidades Invisíveis de Calvino jamais poderiam ser 'registradas', podem ser consideradas representação das idéias de Calvino, ou simulacros imagináveis pelo leitor, mas por não existirem de fato, não podem ser registradas conforme estamos considerando o registro, por não ser possível que tenhamos acesso às idéias de Calvino sem ser através do seu texto, que já é uma representação. Da mesma forma não há como 'registrar' algo a partir de seu registro anterior - ou estaríamos registrando o registro e não o objeto, ou reduzindo o objeto a um ponto de vista, sua representação.

O registro guarda a capacidade de evocar sentimentos e poder ser 'lido' enquanto imagem autônoma, como a simulação. Mas possibilita o reconhecimento do original, como na representação, porém não mais como um fragmento de instante, mas como uma totalidade. Os 'afetos' estão presentes no registro, não mais como na representação, agora é possível não só vê-los com outros olhos, mas experienciá-

los dinamicamente. Mantêm-se conservados, porém não dizem mais de um instante, mas sim de uma totalidade. O registro traz uma imagem relativa, que guarda uma relação de referência com o mundo e não só com o objeto que substitui, trazendo a possibilidade da apreensão fenomenológica do objeto por semelhança, mantendo a autonomia de sua imagem com relação à realidade. Segundo Heidegger171 a representação não é um fenômeno se

considerarmos que anuncia seu objeto através de outro meio que não o objeto. Só podemos considerar a representação um fenômeno se ela se mostrar a si mesma a partir de si mesma, ou seja, se for autônoma, como a simulação, que não anuncia um objeto, mas apenas sua própria imagem, seu próprio simulacro enquanto realidade, enquanto fenômeno. O registro, assim como a simulação, não é mais da ordem das aparências. O simulacro é a própria realidade, anunciando a si mesmo a partir de si mesmo, não mantendo nenhum compromisso com os objetos da realidade, embora se crie a partir de seus signos. O registro além de ser criado a partir dos signos da realidade, mantém uma relação de semelhança com a realidade. A arquitetura registrada é dada à apreensão fenomenologicamente por ser o registro autônomo, porém semelhante à realidade. A arquitetura não se anuncia através do registro, como se dá na representação, mas se mostra a si mesma a partir de si mesma, por semelhança.

Assim como a representação perspectívica, a simulação e o registro também se dão numa janela, porém a janela da representação é estática, e literalmente bidimensional, enquanto a janela da simulação e do registro abre-se para dentro da tela do computador, cujo conteúdo é fluido e permite a realidade pela virtualidade.

"A questão do distanciamento ocasionado pela perspectiva, com a remoção do observador da cena representada, é incrementada com o uso

171HEIDEGGER, Martin. Being and time. [Traduzido por John Macquarrie & Edward Robinson].

difundido da representação computadorizada. Se o paradigma perspectívico criou um 'olho desencorporado', computadores promoveriam essa idéia ao limite, na tentativa de desenvolver ambientes de 'realidade virtual', quando então seria criado paradoxalmente, um 'corpo desencorporado'."172

A janela da simulação e do registro permite a dimensão comportamental, a partir da possibilidade de inclusão desse 'corpo desencorporado' de que fala Cabral Filho.

Rasmussen classifica a

"arquitetura como algo indivisível, algo que não se pode separar em um certo número de elementos. Arquitetura não é produzida simplesmente por uma soma de plantas, cortes e elevações. É algo mais, algo maior. É impossível explicar precisamente o que é - seus limites não estão de forma alguma bem definidos. No geral, arte não deve ser explicada; deve ser experienciada."173

Para que essa experienciação da arquitetura seja possível, temos que considerar suas características físicas - textura, forma, cor, luz, escala e movimento - que são apontadas por diversos autores como as principais características para a experienciação da arquitetura174.

172"The question of distantiation brought about by the perspective technique, with the observer

being removed from the scene depicted, is incremented with the widespread use of computer representation. If the perspectival paradigm created a disembodied eye, computers would push the idea to the limit with the attempts to develop 'virtual reality' environments, when then a paradoxically 'disembodie body' would be created." CABRAL FILHO, José dos Santos. Formal

games and interactive design. Tese de PhD - Sheffield University, England, UK, 1996. pág. 28.

173"(...) the correct idea of architecture as something indivisible, something you can not separate

into a number of elements. Architecture is not produced simply by adding plans and sections to elevations. It is something else and something more. It is impossible to explain precisely what it is - its limits are by no means well-defined. On the whole, art should not be explained; it must be experienced." RASMUSSEN, Steen Eiler. Experiencing architecture. 25ª ed. Massachusetts: MIT Press, 1995. pág. 9.

174Textura, forma, cor, luz, escala e movimento são consideradas por Zobel, Rasmussen e Gibson

como as qualidades essenciais para que o homem 'experiencie' a arquitetura. Steven Holl, de maneira menos sistemática, também levanta essas mesmas características, batizando-as por 'phenomenal zones', onde, segundo ele, "as condições universais da arquitetura são caracterizadas." ZOBEL, Richard W. The Representation of experience in architectural design In:

Presence. Massachusetts: MIT Press, v.4, n.3, [summer] 1995. GIBSON, J.J. The Ecological

approach to visual perception. Westport: Greenwood Press, 1986. RASMUSSEN, Steen Eiler.

Experiencing architecture. 25ª ed. Massachusetts: MIT Press, 1995. HOLL, Steven. Pre-theoretical

ground. In: Columbia Documents of Architecture and Theory. New York: D - Columbia University. v.4, 1995.

Tais características serão também a base das informações de primeira ordem no registro da arquitetura. São potencialmente interativas, por fazerem parte do conjunto de nossa experiência acumulada. Adequando a potencialidade das características da arquitetura à tecnologia atual, alcançaremos o equilíbrio entre as dimensões da arquitetura e de sua presentação a partir do registro. Propomos a investigação das possibilidades tecnológicas como o próximo passo para a delimitação do registro da arquitetura. A nova janela - do computador - se abre para diversas possibilidades que serão analisadas no próximo capítulo.

Introdução

1. Imagem Absoluta e Imagem Relativa as possibilidades de tomar a arquitetura por sua imagem

2. Percepção e Fenomenologia como a arquitetura se dá à apreensão

3. Semântica e Semiótica como fruir o significado da arquitetura e de seu registro enquanto discursos

4. Representação e Simulação as possibilidades de 'presentação' da arquitetura enquanto imagem