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MI 3. Semântica e Semiótica

6. SIGNO CONOTATIVO

3.3. O símbolo na arquitetura

A palavra símbolo tem sido empregada frequentemente de maneira redutora, para designar meros signos (índices e ícones) indicadores ou imagens convencionais como letras, números, marcas. Tanto ícone quanto índice são signos que ajudam a identificar a arquitetura, ajudando a definir seu significado denotativo, como nomes de lojas, posto de gasolina, etc.

O símbolo é uma criação do homem para "designar uma função básica da expressão visual"110 que se

define culturalmente. Uma porta é um signo que indica a entrada num edifício, porém é também um símbolo quando dotada de caráter cultural, ou seja, segundo sua posição, tamanho e relação com o contexto, ela indica a entrada e simboliza seu caráter - principal, de serviço, garagem, etc., como pode ser visto na fachada da Igreja São Francisco de Assis, projetada por Aleijadinho, em Ouro Preto (fig. 9).

A porta, se analisada isoladamente, assim como a palavra fora da frase, é apenas um signo. Este signo pode ser apenas denotativo, um ícone - imagem convencional - ou um índice - indicador de entrada e saída - mas pode ser interpretado conotativamente, onde sua significação passa a ser simbólica, quando o signo é inserido num contexto ganhando uma nova dimensão cultural. Assim como a palavra numa frase, adquire status de linguagem, por possibilitar uma significação e um sentido referencialmente ao contexto em que é empregada.

A porta num edifício tem um sentido implícito que podemos considerar como um código sócio-cultural, permitindo aos conhecedores desse código apreender, a partir do edifício, como devem se comportar, qual entrada deve ser usada em

110ARNHEIM, Rudolf. A Dinâmica da forma arquitectônica. [Traduzido por Wanda Ramos].

cada ocasião. Esse tipo de signo não é ainda uma metáfora, mas pode ser considerado símbolo por trazer uma significação implícita, que é compartilhado culturalmente e torna o sentido conotativo possível.

Segundo Ricoeur, a metáfora se impõe através da contradição ou absurdidade da relação interna de sentido das 'palavras'. "Manto de tristeza"111 evoca uma significação

distinta da significação lógica, sendo por isso metafórica. Manto é um tecido e nos parece absurdo a possibilidade de um tecido de tristeza, porém seu sentido implícito é possível numa e por uma interpretação. A interpretação literal é tomada como absurda, dando lugar a interpretação figurativa, metafórica, emocional. A metáfora não existe em si mesma, ela faz com que vejamos um objeto 'como' alguma coisa.

Metáfora na arquitetura seria então o que nos faz ver o edifício 'como' outra coisa, revelando seu sentido implícito. Consideraremos dois tipos de metáforas na arquitetura, as que se dão à fruição fenomenologicamente através do edifício, e as que precisam de informações adicionais para serem apreendidas. Tomamos dois exemplos de arquitetura contemporânea que ilustram tais possibilidades.

O que nos permite classificar a folie do Parc de La Vilette (fig.10), projetada por Bernard Tschumi, enquanto metáfora é a absurdidade do fato da escada não conectar dois níveis convencionalmente. A princípio parece uma escada como outra qualquer, porém não obedece à função lógica de uma escada quando sobe para o 'nada'. Só existe um sentido nesse elemento numa e por uma interpretação. Essa escada propõe uma inovação semântica,

111RICOEUR, Paul. Teoria da interpretação: o discurso e o excesso de significação. Lisboa:

ou seja, traz uma nova significação da escada enquanto acontecimento dando um novo sentido ao elemento, alterando a referência da obra com seu contexto de maneira inusitada. A escada que sobe para o nada não era ainda um elemento da realidade arquitetônica, não encontrando nenhuma referência literal no contexto em que está inserida, e não demanda nenhuma informação adicional para ser apreendida, sendo passível de fruição fenomenologicamente.

Peter Eisenman, em seu projeto para o Bio- Centrum em Frankfurt (fig.11), cria uma metáfora da cadeia de DNA. Podemos considerar uma absurdidade, uma contradição conceitual, associar a cadeia de DNA à arquitetura, o que torna a metáfora possível. A cadeia de DNA está implícita na forma do edifício, não se explicitando, no entanto, quando da fruição fenomenológica do edifício. Se chegarmos a sua porta, jamais seremos capazes de interpretar tal metáfora. Consideramos este tipo de metáfora apenas 'aparência', o que não mostra a si mesmo a partir de si mesmo, sendo como o sintoma de uma doença, que aparece através de outra manifestação. Apesar de também demandar a interpretação, essa metáfora não faz parte da 'fruição' fenomenológica do objeto arquitetônico, ela é o que diríamos parte da apreensão intelectual do objeto - sua interpretação se dá através de informações adicionais: pesquisas sobre tal arquitetura, analisando o projeto ou a intenção do arquiteto (discurso do arquiteto) - e não da própria arquitetura. A cadeia de DNA na arquitetura não se mostra a si mesma a partir de si mesma, ela se mostra a partir de um fragmento do projeto - a planta - ou através do texto do Peter Eisenman, perdendo assim a 'autonomia semântica', que foi discutida na seção anterior.

Há ainda alguns casos onde o símbolo tem uma conotação quase metafórica, porém não contém a contradição nem a absurdidade da metáfora. O projeto do arquiteto Éolo Maia para a Academia Wanda Bambirra é um dos casos onde o sentido implícito do símbolo pode ser interpretado fenomenologicamente, porém não é como a simbologia da 'porta', cujo sentido já está culturalmente sedimentado, nem como a metáfora da escada do Tschumi, que trás uma inovação do sentido do elemento. No projeto da academia, a bola indica um local para prática de esportes, mas a bola com sua trajetória ascendente traz uma conotação emocional ainda maior, por ser o futebol o esporte mais popular no Brasil e também bastante bem sucedido. Simboliza assim o possível sucesso da academia, o local 'ideal' para a prática de esportes, sem que seja necessário nenhuma informação adicional para sua interpretação. No caso específico da academia, se o observador tiver conhecimento do conceito do projeto, a bola passa a ter um significado simbólico ainda maior, porque o arquiteto inspirou-se na trajetória da bola, quando Nelinho (jogador de futebol e marido da proprietária da academia) conseguiu chutá-la de dentro para fora do Mineirão (Estádio Magalhães Pinto em Belo Horizonte).