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ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1. O RESÍDUO SÓLIDO ORGÂNICO

O RSO é aquele que possui matéria orgânica em sua composição. Dentro do contexto urbano, é a parcela do RSU principalmente representado pelo resíduo alimentar e de atividades de poda, capina e jardinagem. O resíduo alimentar é constituído por sobras de alimentos, resíduo do preparo de comida em residências, estabelecimentos comerciais como restaurantes, instituições (escolas, hospitais, universidades) e algumas fontes dentro de indústrias (restaurantes, cafeterias e refeitórios) (FRANKLIN, 2002). Incluem-se também os decorrentes de grandes geradores como supermercados e feitas livres (LA COUR JANSEN, 2011). Neste trabalho o termo RSO é designado para a fração correspondente ao resíduo alimentar e quando se tratar das outras frações, o termo é explicitado como resíduo de poda e capina.

Dentre toda a geração de RSU, a fração orgânica se destaca principalmente em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, a qual corresponde de 50% a 70% do total, já nos países desenvolvidos esse valor passa a ser de 20% a 40%. (HOORNWEG; BHADA-TATA, 2012, UNEP, 2015), no Brasil, esse valor corresponde a 51,4% (IPEA, 2012).

O RSO é um problema com implicações econômicas, ambientais e sociais, o que denota sua importância e complexidade (ERIKSSON; STRID; HANSSON, 2015), seu mau gerenciamento pode trazer graves implicações como doenças em seres humanos e intensa degradação ambiental (ADHIKARI; BARRINGTON; MARTINEZ, 2006). As formas de tratamento existentes são a compostagem, DA, gasificação, combustão (incineração com recuperação energética), MBT, incineração sem recuperação energética e disposição em aterro sanitário com ou sem

recuperação energética do CH4 (BERNSTAD; LA COUR JANSEN, 2012; ISWM-

TINOS, 2011), embora haja outras opções sendo desenvolvida ou ainda incipiente, como por exemplo, o biodiesel “waste-to-energy” que utiliza a carbonização hidrotérmica (AHAMED et al, 2016). Outras duas opções são a doação para caridade ou para alimentação de animais. É importante salientar que estes tipos de ações requerem uma série de cuidados para garantir a qualidade sanitária e atenderem às legislações vigentes (ERIKSSON; STRID; HANSSON, 2015), que podem variar de país para país e muitas vezes nem serem permitidas legalmente.

Nos países subdesenvolvidos o aterramento continua sendo a técnica mais utilizada para tratamento de RSO, pois este na maior parte das vezes não é segregado das demais frações do RSU. No entanto, em muitos países nem o aterro sanitário é viável, o que resulta em disposições em lixões a céu aberto ou despejo em corpos hídricos (ADHIKARI et al, 2006), piorando ainda mais a situação.

Posto todos estes fatos, percebe-se que gerenciar tamanha quantia de RSO não é uma tarefa fácil; os gestores públicos necessitam ponderar diversos fatores como disponibilidade de espaço físico para abrigar o sistema de tratamento, mitigação de efeitos adversos no ambiente que partem desde a poluição do ar, água e solo até incômodo à vizinhança do entorno como odores, presença de vetores e poluição sonora. Aliado a tudo isso, o fator preponderante e que baliza a maior parte das decisões é o financeiro (HOKKANEN et al, 1993); este acaba sendo o limitante que leva à escolha da técnica de menor custo aos cofres públicos sem necessariamente se pautar nos demais critérios ambientais e sociais.

Geralmente opta-se por sistemas de tratamento centralizados, embora cada vez mais tenha se destacado a descentralização destes serviços como uma opção mais viável tanto em termos econômicos, quanto ambientais e gerenciais. Segundo a Organização de Saúde Pública e Engenharia Ambiental do Governo Indiano (CPHEEO, 2014), os sistemas descentralizados (ou também chamados de sistemas em nível da comunidade) reduzem a carga de lidar com grandes volumes de resíduo sólido em um local centralizado e também custos com armazenagem intermediária, ainda apontam como vantagens:

• Podem ser dimensionadas para o fluxo de resíduo a nível local, levando-se em consideração o clima e as condições socioeconômicas.

• Redução do custo do transporte: coleta e disposição final feita pelos órgãos locais urbanos.

Além disso, CPHEEO (2014) indica que as soluções descentralizadas são viáveis quando: há área disponível no entorno; não há resistência da comunidade; há a disponibilidade de expertise para apoiar o processo de uma forma ambientalmente aceitável; há a capacidade efetiva de monitoramento do sistema e há mercado/uso do composto produzido (se for o caso).

Dentro deste contexto, nota-se que as instituições de ensino se enquadram na maioria das características apontadas acima. Especificamente quanto às universidades, a grande circulação diária de pessoas remonta num valor considerável de RSO a ser tratado. O RSO pode ser encontrado nos restaurantes universitários, refeitórios, cantinas, cafeterias e moradia estudantil (embora esta última nem sempre esteja presente no mesmo ambiente do campus), contudo, a geração majoritária se concentra nos dois primeiros. O RSO pode ser dividido em (1) pré-consumo, ou seja, aquele gerado no preparo dos alimentos na cozinha e (2) pós-consumo, gerado pelo usuário (restos em pratos, bandejas e gôndolas de self-

service). O RSO de pré-consumo é muitas vezes divergido devido à compra de

alimentos semi-processados com o intuído de diminuir o número de funcionários, espaço e tempo para produção da refeição. Este tipo de RSO deve ser recolhido diariamente para minimizar a geração de odores e também diminuir a necessidade de armazenamento temporário em câmara refrigerada (custos com energia elétrica).

De um modo geral, a forma preponderante ainda é o tratamento externo com coleta pelo sistema convencional de RSU e disposição em aterro sanitário, embora essa situação tenha se alterado gradativamente principalmente devido à implantação de políticas de sustentabilidade em campi universitários em diversas partes do mundo e/ou obrigatoriedade de tratamento do RSO, como por exemplo, no estado de Massachussets (EUA) que a partir de 2014 exigiu a implantação de programas de compostagem para instituições que gerem mais do que uma tonelada de RSO por semana (HARVARD UNIVERSITY, 2016).

A Associação para o Avanço da Sustentabilidade em Instituições de Ensino Superior (AASHE, em inglês) criou o programa STARS®, um sistema de avaliação, acompanhamento e classificação para universidades medirem seu desempenho de sustentabilidade. Ele é composto por créditos que indicam o desempenho em várias categorias. São 771 instituições registradas (apenas uma é brasileira). Ao pesquisar iniciativas para tratamento de RSO nas universidades participantes, nota-se que muitas possuem programas para tratamento de pré e pós-consumo (STARS, 2016).

O relatório elaborado pela Rede Internacional de Campus Sustentável (ISCN, em inglês) mostra as inúmeras iniciativas promovidas em várias universidades associadas1 quanto às ações para uso racional de água e energia, incentivos à redução, reciclagem e reaproveitamento de resíduo (ISCN, 2014). O enfoque é a integração e colaboração nestas políticas de modo a transformar a pesquisa e educação em um “laboratório vivo” para o desenvolvimento sustentável, incluindo todo o campus, ou seja, seus estudantes, professores e funcionários.

Quanto ao tratamento específico para RSO executado dentro da universidade, a compostagem é a forma mais utilizada. Diversas universidades ao redor do mundo aplicam esta técnica para tratamento de RSO proveniente dos serviços de refeições. Como exemplo, cita-se a Universidade de Boston com o Programa de Sustentabilidade nos Serviços de Refeições, o qual utiliza a informação detalhada de compra de alimentos, escolhas alimentares “inteligentes”, redução e divergência da geração de RSO. Fazem a compostagem de 98% do RSO de pré-consumo e 95% do pós-consumo, levando-os para uma planta de compostagem industrial local e revendendo o composto como corretor de solo. Todos os recipientes descartáveis e utensílios utilizados são feitos de materiais compostáveis como milho, batata e caixa de leite recicláveis (BOSTON UNIVERSITY, 2016).

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Anglia Ruskin University, Ball State University, Carnegie Mellon University, Ecole Polytechnique Féderale de Lausanne, ETH Zurich, Georgetown University, Harvard University, Hokkaido University, Keio University, Massachussets Institute of Techology, National University of Singapore, Politecnico de Milano, The University of British Columbia, The University of Hong Kong, Universidad Internacional del Ecuador, Università degli Studi di Milano, University of Cambridge, University of Gothenburg, University of Melbourne, University of Oxford, University of Pennsylvania, University of Tokyo, Yale University

Já a Universidade de Louisville iniciou a compostagem de RSO de pré- consumo em 2010; a atividade envolve estudantes voluntários, funcionários e membros da comunidade. O composto é usado em projetos no campus e inclui dois jardins comunitários e um jardim de flores selvagens. O projeto está associado ao programa EcoReps e evoluiu para uma parceria de compostagem com a vizinhança, sendo que até o final de 2015 foram compostados quase 1300 kg de RSO semanalmente (MOG, 2016). Outros exemplos de instituições de ensino superior que praticam a compostagem a partir de RSO proveniente de restaurantes e refeitórios universitários podem ser vistas no Quadro 2.1.

Quadro 2.1 - Exemplos de algumas universidades que realizam a compostagem de resíduo sólido orgânico de restaurantes/ refeitórios universitários no exterior

(continua) Cornell University, EUA

(CORNELL UNIVERSITY, s.d.)

A Universidade Cornell compostou cerca de 515 toneladas de RSO de refeitórios em 2012 e 2013

Harvard University, EUA (HARVARD UNIVERSITY, s.d.)

Faz a compostagem a partir da coleta de resíduo sólido orgânico de pré e pós consumo de refeitórios da graduação e de grandes eventos. Cafeterias, escritório, faculdades e apartamentos podem optar por implementar programas em áreas selecionadas dos edifícios ou em todo o campus. O composto substitui fertilizantes químicos utilizado no paisagismo da universidade. Desde 2012 a Harvard Law School faz a compostagem in-vessel de mais de 450 kg de RSO diariamente. Já os refeitórios e outros estabelecimentos de alimentação utilizam sistemas de despolpadores e moedores para reduzir o volume e umidade do RSO antes do envio para a compostagem. Imperial College London,

Reino Unido

(IMPERIAL COLLEGE LONDON, s.d.)

A compostagem “Compod” processa 1,1 toneladas de resíduo sólido orgânico produzido pelos refeitórios do campus de South Kensington. Utilizam a tecnologia in-vessel.

Loyola University of Chicago, EUA

(LOYOLA UNIVERSITY OF CHICAGO, s. d.)

Iniciou em 2012, compostagem de resíduo sólido orgânico de pré e pós consumo de refeitórios. Em 2012, 62 toneladas de resíduo sólido orgânico foram enviadas para uma planta comercial de compostagem.

Ohio University, EUA (OHIO UNIVERSITY, s.d.)

Produz composto classe II e classe IV a partir de uma instalação de compostagem in-vessel. O resíduo sólido orgânico é proveniente dos refeitórios no campus. O composto é usado no próprio campus e vendido para o público. Cobram US$ 2 por um balde de aproximadamente 20 litros ou US$ 35/m³.

Stanford University, EUA (STANFORD UNIVERSITY, s.d.)

Iniciou suas operações em 2003. Faz a compostagem de resíduo sólido orgânico + poda e capina que incluem resíduos de restaurantes, escolas, dormitórios dentro do campus. Divergem 140 toneladas de resíduo sólido orgânico por mês

Quadro 2.1 - Exemplos de algumas universidades que realizam a compostagem de resíduo sólido orgânico de restaurantes/ refeitórios universitários no exterior

(conclusão) The Chinese University of

Hong Kong, China

(THE CHINESE UNIVERSITY OF HONG KONG, s.d.)

Cinco máquinas de compostagem foram instaladas no campus para tratar resíduo sólido orgânico de cantinas, sendo que algumas destas coletam resíduo sólido orgânico para conversão em reação animal (para peixes). Também coletam resíduo de horticultura e de paisagismo para compostagem.

The University of British Columbia, Canadá

(THE UNIVERSITY OF BRITISH COLUMBIA, s.d.)

O campus de Vancouver composta resíduo sólido orgânico de pré e pós consumo em uma composteira in-vessel desde 2000. Outros materiais como pratos e copos de papel, papel-toalha, guardanapos e resíduo de poda e capina também estão incluídos. Entre 2010/11, 388 toneladas de resíduo sólido orgânico de pré e pós-consumo foram compostados.

Universidad Nacional de Córdoba, Argentina.

(CBA 24n, 2015)

Em 2015 compostaram quase cinco toneladas de resíduo sólido orgânico proveniente do restaurante universitário e quatro toneladas de resíduo de poda e capina.

University of Califórnia – Berkeley, EUA

(UNIVERSITY OF CALIFORNIA, s.d.)

Compostagem de parte do resíduo sólido orgânico produzido + resíduo de poda, capina e madeira.

University of Washington, EUA

(UNIVERSITY OF WASHINGTON, s.d.)

Iniciou em 2004. O programa coleta resíduo sólido orgânico de pré-consumo do UW club, três prédios de moradia e cozinhas de serviços alimentícios. Inclui todos os restaurantes e cafeterias do campus.

A aplicação da compostagem para RSO de restaurantes universitários também é encontrada em universidades públicas brasileiras. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) o projeto “Coleta Seletiva e Compostagem de RSO” se iniciou em 1994. A compostagem é feita por sistema em leitas estáticas com aeração natural (conhecido como método UFSC) e reciclava até 2014 cerca de cinco toneladas de RSO proveniente das lanchonetes, moradia estudantil, restaurante universitário e hospital universitário e também de resíduo de poda, capina e maravalha coletados no campus (ELIAS, 2014).

Em 2013 o encerramento da destinação de RSO dos restaurantes universitários da Universidade de São Paulo (USP - São Carlos) para a horta municipal de São Carlos estimulou a universidade a implantar a compostagem para o RSO do campus II. Utilizavam a técnica com alambrado até meados de 2015, alterando para o método UFSC na maioria das leiras construídas. Em média são recebidos cerca de 120 kg de RSO diariamente (ZANETTE, 2015). No mesmo ano

teve início o projeto “Utilização de minhocas para a reciclagem” promovido por alunos dos cursos de engenharia florestal e agronomia da Universidade Federal do Acre, em que a vermicompostagem é feita com RSO do restaurante universitário e resíduo de poda e capina (G1 ACRE, 2013). Desde 2014 a Universidade Estadual do Maranhão conduz o “Projeto dos Resíduos Orgânicos”, que encaminha para a compostagem na Fazenda Escola de São Luís os resíduos de pré e pós-preparo do restaurante universitário do campus Paulo VI (COSTA e SILVA; NASCIMENTO, 2015). Além destes, foram encontrados também alguns estudos de viabilidade, propostas de implantação e de escala piloto para a Universidade Federal do Rio Grande (XAVIER et al, 2015), Universidade Federal de Grande Dourados (ELIAS, 2014), Universidade Estadual de Santa Maria (RODRIGUES et al, 2015), USP – campus principal (ARAÚJO; ALMEIDA; BASSO, 2015), Universidade Estadual Paulista – campus Rio Claro (PICCIAFUOCO, 2013) e Universidade Federal de Lavras (LIMA, 2015).

Apesar de a compostagem ser a técnica mais difundida, a DA tem ganhado espaço em instituições por proporcionar a geração de energia a partir do biogás produzido além do biofertilizante. Na Universidade de Exeter (Reino Unido) todo RSO produzido em refeitórios passou a ser encaminhado para uma planta de DA em 2015 (UNIVERSITY OF EXETER, s.d.). Por sua vez, a Universidade de Wisconsin- Oshkosh (UWO, EUA) construiu a primeira planta de DA via seca em escala industrial das Américas; ela composta 8000 toneladas de RSO, resíduo de poda, capina e culturas da universidade e entornos suprindo 15% de toda demanda de energia elétrica da UWO (BIOFERM, s.d.).

A Universidade da Califórnia – campus Davis (EUA) implantou o READ (digestor anaeróbico de energia renovável, em inglês) em parceria com a empresa

CleanWorld para converter 50 toneladas de RSO em 12.000 kWh de energia elétrica

diariamente. Metade do substrato necessário para abastecer o biodigestor provém da própria universidade, como RSO dos refeitórios, de instalações de animais e jardins (UC DAVIS, 2014). Já a ETH Zurich (Suíça) obteve sucesso na operação de uma planta piloto de DA, assim, separação de RSO vai ser estendida para todo do campus de Hönggerberg. A parceria entre a universidade e a empresa Recycling

biodigerido vai ser utilizado como composto por fazendeiros da região de Zurich e Aargau (ETH ZURICH, 2016).

No Brasil, apenas a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) possui uma planta de DA instalada dentro do campus para tratar RSO gerado dentro da própria instituição. A Plataforma de Metanização de Resíduos Orgânicos (pMethar) foi inaugurada em 2013 e resulta de uma parceria entre a universidade e a empresa Methanum. Trata cerca de meia tonelada de RSO de pré e pós-consumo proveniente do Restaurante Setorial II do campus Pampulha (FERREIRA, 2015).

Outras instituições de ensino têm realizado pesquisas no âmbito para avaliar o potencial local do RSO de restaurantes universitários em seus campi como pode ser visto em trabalhos de Sotti (2015) na Universidade Tecnológica Federal do Paraná; Reis (2012) na Universidade Federal de Pernambuco; e Lustosa e Medeiros (2014) na Universidade de Brasília. Observa-se que a aplicação in loco em escala piloto a partir de parceria com empresas privadas prevalecem em instituições em que há a aplicação da DA. A necessidade de capital disponível é um fator limitante, pois os custos para instalação ainda são elevados quando comparados com a compostagem. Além disso, percebe-se que projetos piloto muitas vezes visam o desenvolvimento e exploração de novas técnicas e não necessariamente correspondem ao interesse exclusivo do tratamento do RSO do campus.

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