• Nenhum resultado encontrado

O respaldo na perspectiva democrática como subsídio para

Capítulo II A participação como visão democrática na ação

2.1. O respaldo na perspectiva democrática como subsídio para

A democracia é um valor consensual entre os brasileiros, assim reafirmado pela Constituição de 1988 e pela legislação educacional. Nessas, objetiva-se expressar a democracia como valor e como processo, em que requer ideais e formas de manifestação que as concretizem. Desse modo entende-se que uma sociedade não é democrática pela simples afirmação de valores mas, também pelos processos que os instauram e reafirmam. Portanto, a escola cumpre papel importante para esse contexto democrático, ao garantir a todos a igualdade de condições para permanência bem- sucedida. Com essa finalidade tem-se o apoio da gestão, para qual “a legislação aprovada sob a vigência do regime democrático no Brasil define que a gestão democrática é um princípio básico de organização do ensino público” (Lei de Diretrizes e Bases – LBD, art. 3º, VIII) (op. cit. p.32).

Com essa compreensão, focaliza-se a escola considerando-a como espaço participativo e democrático, na qual se desenvolve a maior parte da vida da maioria dos membros de uma sociedade moderna e onde deve ocorrer decisões para os objetivos educacionais. A partir dessas considerações, repousa uma reflexão sobre essa participação em conformidade com Bobbio (2004), ao tratar a questão sobre o tecnocrata, o qual caracteriza-se como depositário de conhecimentos, aos quais o povo não tem acesso e se, caso isso fosse possível, não seriam compreendidos pela sua maioria. Desse modo, a massa fica impossibilitada de emitir qualquer contribuição útil às discussões que viesse a participar.

Não se trata neste caso do tradicional desprezo pelo vulgo enquanto multidão irracional incapaz de tomar decisões racionais até mesmo em interesse próprio, de erguer os olhos da terra das próprias necessidades cotidianas para apreciar o sol resplandecente do bem comum, mas do reconhecimento objetivo da sua ignorância, ou melhor, da sua não- ciência, do contraste irreparável que separa o especialista do ignorante, o competente do incompetente, o laboratório do cientista ou do técnico da praça (Bobbio, 2004, p.115).

Para o referido autor, se tivesse de mostrar uma das características mais evidentes e interessantes de uma sociedade em desenvolvimento político, seria para a exigência e o exercício efetivo de uma sempre nova participação. Complementa com suas ideias lembrando que o fluxo do poder tem apenas duas direções: descendente e ascendente. O exemplo do primeiro trata-se dos Estados modernos, do poder burocrático. O segundo, refere-se ao poder político, aquele exercido em todos os níveis, seja local, regional e estatal, em nome e por conta do indivíduo como cidadão.

O que se tem observado é o processo de democratização, isto é, o processo de expansão do poder ascendente, estendendo-se da área das relações políticas onde o indivíduo é percebido em seu papel de cidadão para a área das relações sociais, na qual o indivíduo é percebido na variedade de seus status e de seus papéis específicos, e.g., de professor e de estudante e até mesmo de pai de estudante, de administrador e de administrado, de produtor e de consumidor.

De modo sintético, permite se considerar que o processo da democratização consiste não tanto como incorretamente se diz, na passagem da democracia representativa para democracia direta ou na mudança da democracia política, no sentido estrito para democracia social. Condiz, na verdade, na extensão do poder ascendente, para o campo da sociedade civil em suas diversas articulações, como da escola à fábrica, lugares como exemplos onde se desenvolve grande parte da vida dos atores da sociedade moderna.

Para uma definição mínima de regime democrático, primariamente, trata-se de um conjunto de regras e procedimentos, no sentido de que sejam formadas decisões coletivas, nas quais se preveja e facilite a “participação mais ampla possível dos interessados” (Bobbio, 2004, p.22). Se incluir no conceito geral de democracia a

estratégia do compromisso entre as partes, por meio do livre debate para formação de uma maioria, indica que tal definição retrata a democracia representativa (pouco considerando se se trata de representação política ou dos interesses). Ressalta-se que quando se deseja saber se ocorreu, num determinado país, o desenvolvimento da democracia, o correto é verificar se aumentou o número de espaços nos quais têm o direito de votar e não com a visão de aumento de pessoas votantes.

Ao analisar a democracia e a tecnocracia, a primeira sustenta-se sobre a hipótese de que todos os membros de uma sociedade podem participar e decidir a respeito de tudo. A segunda pretende que sejam convocados para decidir apenas uma pequena quantidade, cujo conhecimento é específico. Numa configuração de um sistema político como uma pirâmide, na democracia, o poder segue no sentido da base ao vértice, ao passo que, num sistema burocrático, segue no sentido oposto, do vértice à base da pirâmide.

A précondição necessária do “governo democrático é a proteção às liberdades civis: a liberdade de imprensa, a liberdade de união e de associação” (op. cit., p.48). Através dessas estratégias, o cidadão pode solicitar aos governantes facilidades, benefícios, vantagens e recursos. Contudo, vale salientar que nenhum sistema político, por maior que seja a sua eficiência, pode responder diante da quantidade e da rapidez destas demandas.

De acordo com Bobbio (2005), o termo “democracia” designa a forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo. Seja qual for o discurso sobre a mesma, faz- se necessário determinar as relações entre a democracia e as outras formas de governo. Apenas desse modo, é possível individualizar o seu caráter específico. O conceito de democracia como parte de um sistema mais amplo de conceitos permite dividir o tratamento conforme os diversos usos a que a teoria das formas de governo se destina, a destacar: descritivo (ou sistemático), prescritivo (ou axiológico) e histórico.

Para o entendimento do uso descritivo, e de acordo com a tradição dos clássicos, é a forma de governo cujo poder é exercido por todo o povo ou pela maioria. Distingue-se da monarquia e da aristocracia, em que o poder é exercido por um ou por poucos

indivíduos. No que trata o seu significado prescritivo, “a democracia pode ser considerada, como de resto todas as demais formas de governo, como sinal positivo ou negativo, isto é, como uma forma boa, e portanto, a ser louvada e recomendada, ou uma forma má, e portanto a ser reprovada e desaconselhada” (Bobbio, 2004, p.139). Distingue-se da oligarquia, pois esta espelha o governo dos ricos, a democracia é o governo não do povo, mas dos pobres contra os ricos e seu princípio é a liberdade.

O desenvolvimento da democracia, de acordo com Bobbio (2005), dos primórdios do século passado até hoje, coincide com a progressiva extensão dos direitos políticos, ou seja, do direito de participar, ao menos com a eleição de representantes, da formação do interesse coletivo. O desenvolvimento da democracia percorre de modo paralelo com a convicção de que, conforme Kant cit. in Bobbio (2005), o homem saiu da menoridade e, com a maioridade, sem tutela, deve decidir livremente sobre a própria vida e da coletividade. Lembra o mesmo autor que, na medida em que um número sempre maior de pessoas conquista o direito de participar da vida política, a autocracia declina, enquanto a democracia avança. No tocante ao uso histórico, “nas histórias regressivas de (Platão) ou cíclico-regressivas (Políbio) dos antigos, a democracia geralmente ocupa o último posto, numa sucessão que prevê a monarquia como primeira forma, a aristocracia como segunda e a democracia como terceira” (Bobbio, 2005, p.146).

De acordo com o autor supracitado, a democracia, conforme os modernos teóricos, vai de encontro com a concepção de que o governo democrático só era possível nos Estados pequenos. Aléxis de Toqueville publica, em 1853, em seu primeiro volume intitulado como “Da Democracia na América”, no qual reconhece e consagra o novo Estado no novo mundo, como autêntica democracia, assim, contrapondo-se ao modo de ver democracia como os antigos.

Nesse sentido, complementa e aponta o princípio de soberania popular na América, concluindo do seguinte modo: “o povo reina sobre o mundo político americano, como Deus sobre o universo. Ele é a causa e o fim de tudo: tudo dele deriva e tudo para ele é reconduzido” (Toqueville, 1835-40, trad. It. p.77 cit. in Bobbio, 2005, p.152). Na democracia, o cidadão é compreendido como independente e ineficiente pois, quase nada pode sozinho. Ninguém deve obrigar seu semelhante a ajudar-lhe. O cidadão que

não aprende a cooperar livremente, a impotência torna-se o seu destino. Para Toqueville cit. in Bobbio (2005), no que tange ao princípio da soberania do povo, o fenômeno da associação e o Estado representativo consolidam-se na Inglaterra e, através do movimento constitucional, difunde-se na grande maioria dos Estados europeus, nas primeiras décadas do século XIX.

Ao aprofundar em seus estudos sobre a democracia, ao tratá-la como política e social, acrescenta:

O processo de alargamento da democracia na sociedade contemporânea não ocorre apenas através da integração da democracia representativa com a democracia direta, mas também, e sobretudo, através da extensão da democratização – entendida como instituição e exercício de procedimentos que permitem a participação dos interessados nas deliberações de um corpo coletivo – a corpos diferentes daqueles propriamente políticos (Bobbio, 2004, p.155) (grifo nosso).

Atualmente, fala-se em desenvolvimento da democracia, de modo equivocado, na substituição da democracia representativa pela democracia direta. Todavia, trata-se da passagem da democracia da esfera política (o indivíduo considerado como cidadão), para a democracia no círculo social (o indivíduo considerado na multiplicidade de seu

status). Isto é, de pai e de filho, de cônjuge, de professor e de estudante e até de pai de

estudante, de produtor e de consumidor, de gestor de serviços públicos e de usuário. Ou seja, as formas de poder crescente ocupado em sua maioria pela sociedade política volta-se para o campo da sociedade civil, sob as mais variadas formas, da escola à fábrica. Portanto,

Hoje, quem deseja ter um indicador do desenvolvimento democrático de um país deve considerar não mais o número de pessoas que têm direito de votar, mas o número de instâncias diversas daquelas tradicionalmente políticas nas quais se exerce o direito de voto (Bobbio, 2005, p.157) (grifo nosso).

Diante desse posicionamento, vale enfatizar que, ao se desejar explicar mais sobre o desenvolvimento da democracia num determinado país, em vez de indagar “quem vota?”, deve perguntar “onde se vota?” (ibidem).

Contudo, o entendimento de democracia não se dá apenas como forma de governo, como conjunto de instituições, caracterizadas pelas respostas às seguintes perguntas: “Quem governa?” e “Como governam?”. Isto é, na linguagem política moderna, o significado de democracia “como regime caracterizado pelos fins ou valores em direção aos quais um determinado grupo político tende e opera” (ibidem). Ou seja, atualmente faz-se necessária a distinção entre democracia formal (ao tratar a forma de governo) e democracia substancial (trata do conteúdo desta forma de governo). Uma democracia entendida como ideal tanto é formal como substancial. Um coisa é a direção política da democracia, outra coisa é a democratização da sociedade. O que não exclui a existência de um Estado democrático numa sociedade na qual a maior parte das instituições, da empresa ao serviço público, da família à escola, podem não ser governadas democraticamente.