• Nenhum resultado encontrado

4. UMA REFLEXÃO EM TORNO AO CONCEITO DE RURALIDADE NA

4.1. Teorias Ruralistas

4.1.4. O rural incompleto, o capitalismo não chegou a todas as partes

A nova ruralidade ao ser um enfoque mais inclusivo sobre as múltiplas atividades que ocorrem no campo e os diferentes grupos culturais e raciais que habitam estes espaços, os quais são diversos, permitem descrever desde uma perspectiva do capital e da concepção de ruralidade incompletas, as heterogeneidades espaciais no mundo rural contemporâneo na América Latina.

Deve-se considerar que a modernidade gerou e intensificou a desigualdade social fragmentando o espaço rural. A modernidade não chegou ao campo de forma homogênea, ampliando a distancia entre campo e cidade. Neste processo se beneficiaram algumas zonas rurais específicas, as quais ganharam um grande desenvolvimento agrícola, que posteriormente significou a marginalização de muitas outras zonas, o qual foi configurando-as em zonas rurais menos favorecidas pela modernidade. Estas áreas marginalizadas estão muito distantes do que representa o “continuum”, noção que também faz parte da abordagem da nova ruralidade e que muitos autores adotaram para definir alguns territórios da América Latina, que perderam a nitidez dos limites entre o urbano e o rural, os quais modificaram as

89

dinâmicas soció-espaciais no campo e na cidade. Reis (2010, pg. 5-6) explica esse processo como uma evolução que sofreram estes espaços do “dicotômico” ao “continnum”. Nessas áreas o rural está muito distante da cidade, de todos os serviços que estas oferecem, da “civilização”, da “modernidade”. Estes espaços rurais têm grandes dificuldades para o acesso ao mercado, o que se reflete nas condições das vias e no distanciamento dos pontos de comercialização de seus diferentes produtos. Outro ponto importante a considerar são aqueles espaços que não se especializaram, que não conseguiram investir em equipamentos sofisticados para uma maior produção que garanta a permanência no campo, ou pelo contrário, a adoção da tecnologia pode gerar endividamento, que também produz a expulsão do homem do campo.

Esses espaços rurais onde não se efetivou todo o processo de modernização são, portanto, rurais incompletos. Vistos desde uma perspectiva do capital, uns tentam se inserir à dinâmica modernizadora, enquanto outros se tornam resistência. “Nessas sociedades, a modernização e a modernidade não se completaram. Os baixos níveis de escolaridade e saúde, a cidadania incompleta e os elevados indicadores de desigualdade sociais atestariam essa afirmação de incompletude” (MOREIRA, 2007, pg. 69).

Esses rurais que se tornaram resistências, representam os movimentos de trabalhadores sem terra na América Latina, os agricultores que ainda hoje perseguem uma produção sustentável seguindo as bases da agroecologia, os grupos culturais indígenas ou afrodescendentes que mantém uma cultura milenar de grande sabedoria com a natureza e o campo, e que na atualidade vem ganhado poder político nas sociedades latinas, que de uma forma ou outra resistem, como forma de contestação a padrões dominantes, que lutam por espaço, por terra, por trabalho e para não desaparecerem.

O MST por sua parte é considerado um grupo de resistência por sua luta histórica pela terra, e pelos espaços que estes ocupam por meio de assentamentos.

No Brasil o MST se gesta devido à políticas agrárias encaminhadas a partir do modelo da Revolução Verde. Este não atendia a agricultura camponesa senão a expansão da agricultura capitalista no Brasil (FERNANDES, 2007). “Esse conflito constitui a questão agrária brasileira, baseada numa estrutura fundiária concentrada e numa agricultura moderna” (FERNANDES, 2007, pg. 140). Algumas das experiências no Brasil de luta pela terra se geraram através dos sindicatos de trabalhadores rurais ou por meio de assentamentos que

90

implica a ocupação direta da terra. A Amazônia, o Nordeste e o Centro Sul compõem as diferentes formas de resistências do campesinato brasileiro (FERNANDES, 2007).

Na atualidade ainda o MST tenha ganhado acordos com os diferentes governos brasileiros através do tempo, seguem constituído territórios de resistência, destacando os espaços ocupados pelos assentamentos de reforma agrária.

Outra forma de resistência são as diferentes formas de agricultura sustentável ou agricultura alternativa na América Latina, onde se destacam as práticas de agroecologia. Estes espaços enfrentam a questão de sustentabilidade ambiental, que nascem com a preocupação pelo meio ambiente na década dos 60‟s.

Os anos 60 marcaram o mundo por intensas manifestações que contrariavam o modelo de desenvolvimento vigente. Assistia-se ao levante de movimentos variados de contestações: movimento antibombas, hippie, contra governos ditatoriais, ambientalistas e no seio dessa efervescência, surge também, o movimento que levaria a propagação de uma agricultura que se opunha à convencional. (MOREIRA, 2004. p. 41)

A preocupação com a contaminação do meio ambiente causada pela indústria e pelo uso excessivo de agrotóxicos nos campos, foi a origem de caminhos alternativos que levou a implementação de diferentes formas de agricultura, a agricultura biodinâmico, a agricultura orgânica, a agricultura ecológica, agricultura sustentável e agroecologia, que de uma forma ou outra tentam alcançar uma transição a partir de um modelo de agricultura convencional a um modelo baseado em princípios ecológicos, na gestão de sistemas agrícolas sustentáveis, como forma de mudar as atuais formas de agricultura e trabalho no campo. A proposta de uma agricultura alternativa na atualidade é uma realidade que está crescendo, com a ajuda dos trabalhos científicos e as boas experiências na América Latina (ALTIERI, M. 2011).

Estes territórios alternativos não só propõem um meio ambiente livre de contaminação, de alimentos sem agrotóxicos e por uma agricultura sustentável, senão também uma vida alternativa, muitas vezes de morar em coletivo, em harmonia com a natureza. Segundo Oslender (2010) o termo contra-espaço serve para descrever comunidades locais, indígenas e afrodescendentes que na atualidade lutam por sobreviver a ameaça da globalização em muitos países do centro e sul da América. O conhecimento que estas comunidades têm sobre os espaços rurais nos quais habitam é de grande valor, seu conhecimento sobre a botânica, a selva, formas de irrigação da terra, diversidade de cultivos, entre outros, e sua luta por se manter com seus costumes, sua cultura, constituem-se em

91

contra-espaços que surgem como espaços diferenciais e opostos ao espaço abstrato do mundo capitalista (OSLENDER 2010). Onde o controle sobre as terras está vinculado ao exercício de uma cultura própria, livre da dominação dos atores do Estado e do capital (OSLENER, 2010), como acontece com as comunidades indígenas na Colômbia. Isso permite uma apropriação do espaço rural, que nestes casos já não se pode explicar a partir das lógicas do capital, do consumo, do mercado, pois requerem estudos diferenciados para poder entender suas dinâmicas espaciais.

Os exemplos sobre como se constituíram os diferentes espaços rurais, além daqueles produzidos pela modernização da agricultura, configuram os espaços rurais incompletos, não só a partir de sociedades pobres, senão de muitos grupos sociais que não se inseriram em sua totalidade ao sistema mundial de mercado e que tem como resultado inumeráveis visões sobre o rural contemporâneo, a partir de diferentes perspectivas. Como explicar o rural hoje se a fragmentação do espaço cria rurais incompletos diversos? E se podemos considerar que o rural não se reduz às atividades agrícolas? Isso deixa claro que os antigos esquemas utilizados para explicar o rural precisam de uma revisão capaz de dar conta da complexidade e da dinâmica do mundo rural na contemporaneidade, especialmente em locais onde eles não foram completamente compreendidos.