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REGIONAL PORTO VELHO

4.2.2. O S CONFLITOS NO CAMPO

Tendo mostrado dados com curvas ascendentes e um cenário otimista proposto pela visão governamental do estado, veremos agora que pelo lado oposto, o do local, do camponês, há algumas diferenças. O chamado desenvolvimento econômico, a partir das atividades voltadas para a indústria e a exportação, está pautado em impactos para pequenos produtores, indígenas, quilombolas e operários.

Conforme relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Rondônia em 201298, e a edição do material intitulado “Conflitos no Campo Brasil 2010” também

publicado pela Comissão no início de 2011, os números apresentados revelam as várias tensões, veladas pelos dados de crescimento da economia rondoniense. Tais conflitos se dão pela exploração da madeira, em grande parte ilegal, também pelo não reconhecimento de terras indígenas e quilombolas, além da não realização da ansiada reforma agrária por milhares de camponeses sem-terra ou posseiros sem documentação oficial99.

Trazendo dados estimados, em termos de números, o referido relatório expressa o seguinte:

98 O relatório intitulado “Conflitos Agrários 2011 em Rondônia” foi elaborado e apresentado pelos próprios membros e líderes da CPT, divulgado na página de internet da Comissão. Cf. http://cptrondonia.blogspot.com.br /2012/05/cpt-ro-apresenta-conflitos-agrarios-de.html. Acesso em 27 de junho de 2012.

99 Em Rondônia também há uma forte atuação da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) e do Movimento Sem- Terra (MST). Cf. Gomes (2011).

a) 13 denúncias de trabalho escravo e a libertação de 80 trabalhadores em situação de escravidão em 2011. Em 2010, foram em torno de 5 conflitos relacionados ao trabalho escravo em áreas de pecuária com 41 pessoas libertas (CPT, 2010, p. 49);

b) existência de conflitos pelo uso da água, atingindo 768 famílias em 2011 (em sua maioria devido à construção de pequenas centrais hidrelétricas, tais como as do Grupo Cassol), além de águas e do ar contaminados pela quantidade de agrotóxicos utilizados nas lavouras de larga extensão (como é o caso da soja e do milho) e por resíduos de atividades mineradoras (como na região de Bom Futuro, Ariquemes-RO)100. No ano de 2010, foram contabilizadas em torno

de 5 ocorrências de conflitos por água e 5.455 famílias atingidas, sendo as seguintes: I) PCH Ângelo Cassol; II) Usina Hidrelétrica de Samuel; III) UHE Tabajara; IV) UHE de Jirau e Santo Antônio; V) PCH de Apertadinho (CPT, 2010, p. 49);

c) contrariamente ao supramencionado pela SEDES-RO, em Rondônia, de acordo com a CPT, há concentração fundiária, sendo 77,4% das terras para as grandes propriedades, 6,2% para médias, 10,7% para pequenas e 5,7% são minifúndios;

d) os conflitos por terra no estado aumentaram de 27 em 2010 para 55 em 2011, envolvendo em torno de 2.444 famílias. Pelo menos 116 famílias não possuem terras. Em 2010, foram contabilizados em torno de 27 conflitos em acampamentos, ocupações e demais situações conflituosas, atingindo cerca de 1.555 famílias;

e) também em 2011, 10 pequenos agricultores foram presos, 30 ameaçados de morte, 04 sofreram tentativas de assassinato e 04 efetivamente executados. Entre eles, está o até então líder do Movimento Camponês Corumbiara (MCC), Avelino Ramos, morto em 2011 no município de Vista Alegre do Abunã-RO por fazer denúncias contra madeireiros da região101; f) os registros de pistolagem102 subiram de 325 em 2010 para 884 em 2011;

g) existem cerca de 30 acampamentos rurais conflituosos, vários mandados de reintegração de posse e numerosos despejos. Em 2012, até maio já tinham sido 30 famílias despejadas na região de Ariquemes, e em Chupinguaia foram 84 em 2011. Na região de Parecis foram 27 famílias. Cerca de 120 famílias permanecem na região de Candeias do Jamari com ordem de despejo, além de 35 já expulsas;

100 CPT (2010).

101 Sobre esse assunto, cf. http://acritica.uol.com.br/amazonia/Amazonia-Amazonas-Manaus-Lider- assentamento-Amazonas-frequentemente-CPT_0_488351221.html. Acesso em 27 de junho de 2012.

102 “Recrutamento de pistoleiros, para a defesa de propriedades particulares, execuções de inimigos”. Cf. http://www.dicio.com.br/pistolagem/. Acesso em 27 de junho de 2012.

h) No distrito de Jacy-Paraná, em torno de 50 barracos de um acampamento foram incendiados e a liderança do movimento camponês foi assassinada em 2012103;

i) Na BR-319 também houve queima de barracos;

j) Na região de Vilhena, 80% dos camponeses estão em conflito, sendo pelo menos 170 famílias com ordem de despejo;

k) Em todo esse cenário conflituoso, incluem-se vários assentamentos também atacados por pistoleiros, por assassinatos, ameaças e expropriações.

Após analisarmos os itens pautados, surge mais um questionamento: Como as obras do PAC têm contribuído para o reordenamento territorial no campo?

É possível verificar que em âmbito urbano (a ser visto mais à frente), o território tem se reconfigurado completamente em micro e macro escala. Sobretudo com relação à construção civil, ao inchaço populacional, o aumento de ofertas imobiliárias e especulação de terras, de migrantes e da frota de veículos. São impactos visíveis, imediatamente perceptíveis.

Porém, em âmbito rural, os impactos são indiretos, menos visíveis e que de forma sutil causam uma mobilização interna no território que, em longo prazo, serão mais percebidos. Para alguns pequenos produtores do sudoeste de Rondônia a pavimentação das rodovias é necessária para que possam transportar sua produção para a cidade, geralmente feiras organizadas ou mesmo para a rede de supermercados. Antes disso, devido às más condições das estradas no interior do estado, o comércio da pequena produção era quase inviável. A pavimentação e recuperação de vias são reivindicações de muitos camponeses.

Mas, ao direcionarmos nossa análise para os conflitos decorrentes, corroborando com os dados da CPT ora pautados, observamos que os interesses maiores dos produtores de madeira, pecuária e grãos se estendem para a região das usinas do Madeira, principalmente de Jirau, que se soma à abertura da saída para o oceano Pacífico, localizada na mesma área (a rodovia BR-364 sentido Acre é uma extensão da rodovia Interoceânica). Áreas tensionadas

103 Sobre esse assunto, existe a denúncia de que a terra ocupada pelos camponeses tem 4.000ha de extensão e foi grilada pelo seu atual dono. Também foi denunciado pela CPT que a queima foi realizada por agentes policiais. Cf. http://cptrondonia.blogspot.com.br/2011/07/policia-queima-acampamento-de-50.html, acesso em 16 de julho de 2012. Cerca de dois meses após esse ocorrido, mais queimas de barracos em acampamento na região de Jacy- Paraná foram denunciadas pela CPT, e, conforme a Comissão, a área também é grilada pelo mesmo suposto proprietário da citada anteriormente. Cf. http://cptrondonia.blogspot.com.br/2011/09/barracos-queimados-morro- vermelho.html, acesso em 16 de julho de 2012. Sobre a relação de agentes policiais e os conflitos com camponeses em acampamentos, ver “LCP denuncia envolvimento de policiais com jagunços em reintegração de posse no acampamento Nova Conquista” (região de União Bandeirantes, também próxima a Jacy-Paraná), em http://www.gentedeopiniao.com.br/lerConteudo.php?news=36377, acesso em 16 de julho de 2012.

como Jacy-Paraná e União Bandeirantes já têm um aumento significativo da violência rural, o que se reflete ainda em área indígena, como a dos Karitiana, e em assentamentos, como o São Francisco, todos na mesma localidade. Contudo, ainda há a construção da ponte da BR-319, o que também atrai interesses de produtores agroindustriais e da especulação imobiliária e fundiária.

Logo, a hipótese levantada é a de que as obras do PAC, embora localizadas em lugares específicos e em grande parte em âmbito urbano, se mesclam com o ordenamento territorial do campo, potencializando tendências já existentes, potencializando o conflito entre grandes proprietários e pequenos produtores, indígenas e quilombolas, atraindo interesses para a conversão de novas áreas, seja de floresta ou já utilizada.