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No início deste trabalho, sugerimos que Rondônia passa por uma nova configuração territorial. Contudo, esclarecemos que consiste num processo longe de estar consolidado, frente aos acontecimentos diários dentro e fora da cidade de Porto Velho, numa dialética multiescalar. Essa tensão entre escalas ora suscitada refere-se ao que implicam essas obras em termos locais, regionais, nacionais e globais.

Em termos locais, há os impactos nas populações moradoras dos lugares onde as obras se encontram. Populações que são beneficiadas ou expulsas, populações que chegam para morar naquele espaço ou que ali permanecem, mas transferem seu modo de vida à adaptação das novas normas estabelecidas por um conjunto de empresas capitalistas mediadas pelo Estado.

O impacto regional implica na constituição de redes que ressignificam o território. Redes novas ou reutilizadas e reformadas. São redes técnicas, sobretudo de circulação e de energia, mas atuam em conjunto com uma rede política e econômica de trânsito de capital financeiro. São redes de bancos e de empresas que se beneficiam direta ou indiretamente, além de setores da economia (agrário, comercial ou industrial) que se potencializam com esses novos espaços.

Em âmbito federal, nacional, existe a instalação e execução de um poder institucional muito forte assim como a integração de uma malha econômica bem mais ampla, dadas as justificativas de demandas nacionais para se criar um complexo energético de tamanha intensidade. Isso também traz consigo um conjunto de novas vias e, consequentemente, novas redes técnicas. Para a esfera nacional, são impactos positivos do ponto de vista econômico, dentro de vários outros aspectos. Para as corporações privadas ligadas ao Estado, criam-se novas oportunidades de lucro e do sucesso na execução das obras, a qualquer custo, preferencialmente o mais baixo.

Existe uma tensão entre essas escalas porque esses fenômenos constituem uma dialética. O impacto local, embora pareça menor, certamente é o mais significativo, porque são populações, bairros, vilas ou cidades inteiras que se desestruturam, como nos casos de Mutum-Paraná, Jacy-Paraná, Santo Antônio, Cai N’Água, Triângulo e Baixada União, além de muitos outros moradores na área de influência (direta e indireta) das hidrelétricas, a exemplo.

Num outro aspecto de nosso objeto de estudo, entendemos que não é apenas de uma única nova configuração territorial a que nos referimos no decorrer dessa pesquisa, mas de um processo, conforme mencionado anteriormente, que existe ainda em formação, em que coexistem dinâmicas resultantes na configuração do território, que por sua vez se torna maleável, fluido. Isso significa que, por ser um processo em acontecimento, em construção, a configuração territorial que traçamos hoje não levará mais tanto tempo (como de um ciclo – Polonoroeste – a outro – PAC – com um intervalo de mais de 20 anos) devido à fluidez e à rapidez dos processos atuais.

Certamente teremos um processo consolidado nos próximos anos após a finalização das obras. Um cenário que podemos suscitar pode incluir o estabelecimento de grupos empresariais no ramo das engenharias e da construção civil, criando-se uma rede industrial no eixo urbano principal de Rondônia, em conjunto com uma rede agroindustrial já existente nesse mesmo eixo. Um novo período de recessão pode ser possível, mas no território já haverá estruturas técnicas, objetos fixos, e instituições do capitalismo que poderão definir qual a atividade que renderá maior lucro.

Não afirmamos, porém, que essa seja a melhor solução para as dificuldades econômicas e políticas rondonienses, pois, dentro de uma visão dialética, a população oprimida continuará, dentro de uma lógica capitalista, sofrendo expropriação, expulsões, conflitos com grandes empresários, assim como já ocorre no campo, uma vez que camponeses são expulsos de suas terras para darem lugar às grandes extensões sojeiras, que subsidiam a demanda da agroindústria.

Assim, nos engajamos num estudo de uma realidade espaço-temporal específica de um período, para projetar uma configuração territorial de um momento breve na escala do espaço e do tempo da inserção das políticas territoriais em Rondônia, com a ousadia de criar essa definição. Mas não há a pretensão de afirmar isso como sendo a única realidade, estática no espaço e no tempo, visto que essa realidade se modifica a cada dia com cada migrante novo que chega, com cada nova empresa contratada pelos consórcios para repararem um dano não previsto nos relatórios de impacto. Pretendemos realizar um diagnóstico de um processo em andamento.

Em podendo mencionar algumas conclusões a que chegamos com essa pesquisa, temos as seguintes:

- O discurso utilizado para a ocupação da Amazônia e utilização de recursos naturais e recursos humanos para tal finalidade (o dos projetos de colonização das décadas de 1070 e

1980) não é de todo diferente do que ora se utiliza para a implantação dos programas governamentais e das políticas territoriais.

- Consideramos o Estado moderno amplamente aberto às determinações econômicas mundiais e cada vez mais com a inserção de corporações privadas no seu âmbito, o que não implica na modernização da prática de reprodução do capital com atividades econômicas em grande escala. Ou seja, embora tenha ocorrido uma mudança dentro do Estado, essa mesma estrutura tem sido utilizada para o fortalecimento daquilo que já existia em projeto anteriormente, e que naquela época foi materializado em projetos de ocupação e migração, e hoje se refaz com projetos de infraestrutura modernizados e potencializados. Mais uma vez referimo-nos ao discurso estatal. Em essência, o Estado permanece executando, pelo menos na Amazônia, a mesma forma de ocupação, de projeção de integração do território e utilização de seus recursos naturais e sociais, mas agora por braços empresariais.

- As políticas governamentais não têm o comprometimento com a sociedade local para a concretização de seu desenvolvimento. São programas que visam o crescimento econômico, mas subjugam amplamente a sociedade menos ou nada abastada, que “serve” como mão-de- obra. Esses programas e projetos beneficiam amplamente o setor da indústria e do comércio em âmbito corporativista e patronal.

Com isso, transitamos do território federal de Rondônia composto por colonos das diversas regiões brasileiras e por grandes empresários dispostos a enriquecerem no grande Eldorado, até o estado rondoniense composto por obras de grande porte, com diversificados migrantes com o intuito de também de explorar esse novo Eldorado.

Verificamos que após uma intensa política governamental de colonização e inserção do grande capital internacional no território até o final da década de 1980 há um momento aparente de letargia econômica e política, mas que constitui um período que irá determinar e consolidar a base territorial configurada para os projetos seguintes (como o PAC).

Esse contexto constitui a ocasião do estabelecimento de uma política ambiental com uma aparente eficiência, mas que, paradoxalmente e dialeticamente, irá ter responsabilidade sobre as únicas manchas de florestas que existem atualmente, como sobre o avanço das atividades produtivas da agropecuária e sua indústria.

Em seguida, observamos que os programas que se estabelecem a partir de meados da década de 1990 até o atual PAC (desde 2007) são repetições de projetos que já existiam, bem como continuações de ideologias governamentais que, embora se aparentem modernizadas,