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O SEMINÁRIO SÃO JOSÉ COMO PATRIMÔNIO CULTURAL EDUCACIONAL

No documento Patrimônio cultural no Estado do Tocantins: (páginas 108-114)

NACIONAL: A CATEDRAL NOSSA SENHORA DAS MERCÊS E O SEMINÁRIO SÃO JOSÉ

2.3. O SEMINÁRIO SÃO JOSÉ COMO PATRIMÔNIO CULTURAL EDUCACIONAL

O Seminário São José, além de patrimônio cultural religioso, foi considerado patrimônio cultural educacional para Porto Nacional, em virtude de sua atividade-fim, a educação. Conforme aponta Maria Angela Salvadori, um patrimônio cultural constitui-se a partir do momento em que lhe é empregado algum valor simbólico, revelando a importância do passado de uma sociedade, de uma cultura e do que o vincula e conecta com a contemporaneidade (SALVADORI, 2008).

Desta forma, o Seminário São José é patrimônio cultural educacional, pois é “depositário de coisas relevantes do passado formativo comum de algumas gerações e de sua relação com o mundo e com a escola” (CUNHA; CHALOBA, 2014, p. 8), tendo em vista os inúmeros jovens que se assentaram em seus bancos escolares e comungaram da trilha formativa que oferecia.

Como centro de formação eclesiástica, o Seminário São José, desde sua fundação em 1922, foi responsável pela educação escolar, preparação de presbíteros, formação espiritual, intelectual e moral da juventude de Porto Nacional por inúmeras gerações. Desde o primeiro seminarista, o portuense Dídimo Maia Leite (PIAGEM; SOUZA, 2000) até os jovens que ali ainda estudam, o Seminário São José enquanto instituição educativa, possibilitou um processo de aquisição de capital cultural que, na maioria das vezes, reverteu-se em capital econômico e social. Para os que não seguiam a carreira eclesiástica, os estudos seminarísticos geraram possi- bilidade de ascensão social, conforme destaca Kretzer (2009).

Isso se confirma nas estratégias de Dom Domingos Carrerot ao fundar concomitante com o Seminário São José a Escola/Externato São Thomaz de Aquino, de nível secundário, destinada ao público masculino, conjugando escola-seminário (DOURADO, 2015). Esta escola/Externato funcionou em dois períodos distintos, de 1922 a 1930 e de 1945 a meados da década de 1950, e configurou num centro de educação e cultura para “jovens que estavam impossibilitados de de- senvolver sua instrução secundária no norte do Estado por falta de instituições que oferecessem esse nível de ensino” (DOURADO, 2015, p. 25).

Durante décadas, o Seminário São José de Porto Nacional tornou-se referência como ins- tituição de formação do clero e como uma importante instituição educacional da cidade e da região. Como todos os seminários, o São José tornou-se “uma das mais importantes instituições educacionais [...] como um espaço privilegiado da educação católica” (KRETZER, 2009, p. 227) para rapazes.

Não muito diferente dos demais seminários católicos, o Seminário São José, constituiu-se em centro de referência, não só em assuntos eclesiásticos, mas também em matéria educacional, principalmente na área de ciências humanas, letras, artes e outras. Vários ex-alunos seminaristas tornaram-se músicos, escritores, professores, formadores de opinião, seguiram carreira política tiveram ou tem certa liderança na Igreja e na sociedade (KRETZER, 2009).

Por isso, o Seminário São José, no contexto do sítio arquitetônico do centro histórico de Porto Nacional, ergue-se como monumento e lugar de memória. Não deve ter sido tombado, oficialmente, só em virtude de sua rica e suntuosa arquitetura, por causa de seus arcos, típicos dos conventos dominicanos, e por seus extensos claustros. O que, de fato, faz deste monumento componente constituinte da identidade (POLLAK, 1992) de Porto Nacional é a sua essência como instituição educativa.

Desta forma, o Seminário São José constitui “um patrimônio cultural escolar exemplar e emblemático da história da educação” (BASTOS; JACQUES, 2014, p. 49) portuense e tocanti- nense. Como patrimônio educacional contribui para analisar a historicidade de práticas escolares e a descrever “o cotidiano [...], reconhecer concepções educacionais e geracionais [... e] dessa forma, conhecer mais sobre a História da Educação” (CUNHA; CHALOBA, 2014, p. 4).

Tendo em vista, que na perspectiva de Joël Candau (2011), o patrimônio é uma prática de memória, que segue seu movimento e acompanha a construção de identidades, o Seminário São José, insere-se na identidade cultural e social não só da cidade de Porto Nacional, mas de uma imensa região que compreende todo a circunscrição territorial da diocese portuense.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto teve como propósito apresentar e discutir algumas questões relacionadas ao patrimônio cultural religioso e educacional de Porto Nacional, enfatizando a Catedral de Nossa Senhora das Mercês e o Seminário São José, que transformaram-se em ícones da presença dominicana no antigo norte de Goiás e em elementos constitutivos da trajetória da sociedade portuense.

O processo de tombamento do centro histórico de Porto Nacional, como uma estratégia política e administrativa, possibilitou que a cidade recuperasse e revalorizasse sua identidade

a partir da patrimonialização de espaços sagrados, de lugares de memória e símbolos de iden- tidade. Com o alargamento da noção de patrimônio, a categorização de Porto Nacional como patrimônio nacional ratificou a importância dos lugares que no cotidiano e no imaginário local já eram consagrados.

Apesar do estado de liquidez em que vive a sociedade contemporânea, como aponta Bauman (2001), há uma tendência significativa de supervalorização das memórias, como discute Viñao (2011) - perspectiva em que o processo de patrimonialização se insere. No entanto, são poucas as ações que favorecem políticas de preservação, valorização e incentivo aos espaços sagrados e lugares de memórias, após os tombamentos. No caso de Porto Nacional e de seu sítio arquitetônico, uma das ações de educação patrimonial que tem sido realizada com objetivos de tornar conhecido e valorizado os espaços patrimonializados da cidade é o projeto de extensão chamado de Roteiro Geo-turísico do curso de Geografia do campus de Porto Nacional da Uni- versidade Federal do Tocantins.

Este projeto, em desenvolvimento desde 2014, tem possibilitado que a Catedral de Nossa Senhora das Mercês e o Seminário São José, patrimônios culturais religiosos e educativos do centro histórico tombado de Porto Nacional, revelem para os que participam da aula-passeio a compreensão da importância destes espaços como lugares de memória e símbolos da identidade de um povo e de uma cultura. No entanto, outras ações como esta são imprescindíveis para que a educação patrimonial possibilite um maior engajamento político da comunidade local na dis- seminação de uma ideologia de preservação do bem cultural.

Ao concluir este texto abre-se uma gama de possibilidades de outros artigos relacionados a temática aqui apresentada e pistas de pesquisa que possibilitem maior compreensão sobre as questões relacionadas ao patrimônio cultural religioso e educativo.

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A TAIPA DE MÃO NA

COMUNIDADE QUILOMBOLA

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