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QUADRILHA JUNINA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL

PALMAS: MEMÓRIA, TRADIÇÃO E PATRIMÔNIO

2. QUADRILHA JUNINA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL

A palavra patrimônio tem origem na palavra latina pater, que significa pai. Vincenzo Russo (2017, p. 39) ensina que “Pater é equivalente a ‘pai’, em latim, tendo sua raiz etimológica proveniente do sânscrito PA que implica o conceito de proteger e, ao mesmo tempo, nutrir: pai, portanto, é quem protege, sustenta a família.” Assim, pode-se inferir que “patrimônio” é aquilo que é deixado de herança de uma geração para outra e que pode ser compreendido sob a égide de proteção e de defesa.

O art. 2˚ da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Organi- zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, 2003) diz que patri- mônio cultural imaterial são as “práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados, que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.” Este patrimônio cultural imaterial é recriado pelas comunidades e pelos grupos sociais e gera um “sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.” (Unesco, 2003).

No Brasil, a proteção do patrimônio histórico brasileiro e a noção de patrimônio cultural imaterial começaram a ser discutidos ainda na metade do século passado, e essa discussão estava intimamente ligada à Semana de Arte Moderna, em 1922, e às perambulações de Mário de Andrade pelo interior do Brasil, em 1927. Mário de Andrade foi um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna, grande literato, musicista e pesquisador do folclore brasileiro. De acordo com Castro e Fonseca (2008),

A história do percurso brasileiro da noção de patrimônio cultural imaterial e do conjunto de atuações propiciadas por ela associa-se a um duplo impulso. De um lado, liga-se às preocupações expressas desde os anos 1920 pelo Mo- dernismo brasileiro. Essas preocupações embasam diversas realizações não só intelectuais como institucionais, destacando-se entre elas a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937. (CASTRO; FONSECA, 2008, p. 13).

Em 1937, foi publicado o Decreto-Lei Federal nº 25, de 30 de novembro. O tombamento é o instrumento mais conhecido e mais utilizado para a salvaguarda e proteção do Patrimônio

Cultural Material. Essa Lei institui o tombamento como uma forma de proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional, com sua respectiva inscrição em um dos quatro Livros do Tombo. Eis o que diz o art. 1º:

Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu ex- cepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. § 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, depois de inscritos separada ou agru- padamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta Lei (BRASIL, Decreto-Lei Federal, nº 25, 1937).

O art. 4º, da Lei de 1937, cita os quatro livros do Tombo, em que são inscritas as seguintes obras:

a) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológicas, etnográfica, ameríndia e popular, mencionadas no § 2º do citado artigo 1º;

b) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica; c) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira; d) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes

aplicadas, nacionais ou estrangeiras.

A Constituição Federal de 1988 ampliou as formas de proteção e de preservação do pa- trimônio, incluindo as dimensões imateriais do patrimônio, como podemos ver nas palavras de Castro e Fonseca (2008), a seguir:

O Ministério da Cultura e o IPHAN optaram pela expressão patrimônio cultural imaterial, tendo por fundamento o art. 216 da Constituição Federal de 1988, alertando, entretanto, para a falsa dicotomia sugerida por esta expressão entre as dimensões materiais e imateriais do patrimônio. As dimensões materiais e imateriais do patrimônio são conceitualmente entendidas como complementa- res (IPHAN, 2006b, p. 18). Realça-se, todavia, o fato de que a noção de patri- mônio cultural imaterial permitiu destacar um conjunto de bens culturais que, até então, não era oficialmente incluído nas políticas públicas de patrimônio orientadas pelo critério de excepcional valor artístico e histórico do bem a ser protegido. (CASTRO; FONSECA, 2008, p. 13).

O Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro e cria também o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Esse decreto possibilitou que as práticas sociais e culturais coletivas possam ser identificadas, reconhecidas e que recebam a proteção legal por meio do registro. Vejamos o que diz o art. 1º:

Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que consti- tuem patrimônio cultural brasileiro.

§1º Esse registro se fará em um dos seguintes livros:

I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;

II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;

III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifes- tações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;

IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, san- tuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.

§ 2º A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a conti- nuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identida- de e a formação da sociedade brasileira (BRASIL, Decreto-Lei nº 3.551, 2000).

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) foi instituído pelo Decreto nº 3.551, de 2000, com o intuito de tornar possíveis os “projetos de identificação, reconhecimento, salva- guarda e promoção da dimensão imaterial do Patrimônio Cultural Brasileiro, com respeito e proteção dos direitos difusos ou coletivos relativos à preservação e ao uso desse bem.” De acordo com o IPHAN, o PNPI é um:

[...] programa de apoio e fomento que busca estabelecer parcerias com institui- ções dos governos federal, estaduais e municipais, universidades, organizações não governamentais, agências de desenvolvimento e organizações privadas ligadas à cultura e à pesquisa. Entre as atribuições do PNPI está a elaboração de indicadores para acompanhamento e avaliação de ações de valorização e sal- vaguarda do patrimônio cultural imaterial. Outros objetivos são a captação de recursos e promoção da formação de uma rede de parceiros para preservação, valorização e ampliação dos bens que compõem o Patrimônio Cultural Brasi- leiro, além do incentivo e apoio às iniciativas e práticas de preservação desen- volvidas pela sociedade. [...] A promoção da salvaguarda de bens culturais ima- teriais deve ocorrer por meio do apoio às condições materiais que propiciam a existência desses bens e pela ampliação do acesso aos benefícios gerados por essa preservação, e com a criação de mecanismos de proteção efetiva dos bens culturais imateriais em situação de risco. (IPHAN, Decreto nº 3.551, 2000).

O patrimônio imaterial relaciona-se aos saberes, aos modos de fazer, às formas de expressão, às celebrações, às festas, às danças populares, às lendas, às músicas, aos costumes e a outras tradições. As quadrilhas juninas são forma de expressão, festa e dança popular. Portanto, é um bem imaterial ou intangível, por ser transmitido de geração em geração, gerando sentimen- to de identidade e de pertencimento do indivíduo ao patrimônio cultural. Desse modo, o bem imaterial precisa ter natureza e produção cultural coletiva, necessitando de que, no seu registro, seja descrito tanto a representatividade social, como também o que o torna singular.

A quadrilha junina está enraizada no cotidiano das várias comunidades da cidade, pois marcam uma forma de entretenimento relacionada à sociabilidade e às trocas culturais, ao parti- lharem um espaço onde se concentram e se reproduzem variadas formas de culturas. A quadrilha junina é um espaço coletivo de circulação, de apropriação e de compartilhamento de formas de saber, de fazer e de se expressar.

O Movimento Junino conseguiu uma nova conquista em 2017, com o registro imaterial das Quadrilhas Juninas no Estado. Esse registro reafirma uma identidade cultural forte e con- sistente, na capital, que vem se organizando e se sustentando, ao longo de quase três décadas. A Lei nº 3.278, de novembro de 2017, normatiza as quadrilhas juninas como patrimônio cultural imaterial no TO. Em seu art. 1º, declara: “Ficam declaradas como patrimônio cultural imaterial do povo tocantinense as quadrilhas juninas”. Essa Lei foi publicada no Diário Oficial nº 4.986 e assinada pelo então governador Marcelo de Carvalho Miranda.

Já a Lei 12.390 instituiu o dia 27 de junho de 2011 como o “dia do quadrilheiro”, garan- tindo o reconhecimento desse movimento praticado em todo o Brasil. Interessante citar que o parágrafo único da Lei traz a seguinte redação: “Considera-se Quadrilheiro Junino o profissio- nal que utiliza meio de expressão artística cantada, dançada ou falada transmitido por tradição popular nas festas juninas.” Portanto, a partir dessa Lei pode-se usar tanto a denominação brincante, como quadrilheiro para se referir a todo participante ativo de uma quadrilha junina.

3. ORIGENS HISTÓRICAS DO MOVIMENTO JUNINO EM