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O ser humano como mordomo da criação de Deus

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1 A PROPÓSITO DAS ORIGENS DO HOMEM E DA NATUREZA À

1.2 DEUS COMO CRIADOR E A HUMANIDADE COMO PONTO ALTO DA

1.2.1 O ser humano como mordomo da criação de Deus

O ser humano foi criado junto com a natureza e todas as outras coisas, mas a sua importância se destaca pelo fato de ter sido criado à imagem e semelhança do próprio Deus: “Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança’” (Gn 1,26). Os termos, à nossa imagem, como nossa semelhança, são cêntricos na ordem da criação, já que imprimem de imediato na mente do ser humano que é uma verdade fundamental a respeito de si mesmo. Passam a ideia de que a constituição do ser humano como ser racional e como ser moralmente responsável são valores cultivados e provenientes do próprio Deus. A palavra “semelhança” demonstra uma harmonia com a vontade de Deus, a qual foi desfeita após o rompimento com o criador.

Kinder (2006, p. 48) salientou que, segundo a Bíblia, o homem constitui uma unidade que comporta

[...] a ação, o pensamento e o sentimento em unidade com todo o seu ser. Então, este ser vivente, e não alguma destilação dele emanada, é expressão ou transcrição do Criador eterno e incorpóreo em termos de uma existência temporal, corpórea e própria de uma criatura.

Como obra prima de Deus, o ser humano recebeu o legado de cuidar de tudo o que ele havia criado. A esse respeito, lê-se no livro de Gênesis o seguinte: “[...] e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra” (Gn 1,26).

Um importante elemento da vocação original do ser humano consiste em “cultivar” e “guardar” seu meio ambiente, e esse ordenamento se encontra em (Gn 2,15), da seguinte maneira: “Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar”.

Vê-se na Bíblia descrita a fertilidade da terra, assim: “Deus disse: ‘Que a terra verdeje de verdura: ervas que dêem semente e árvores frutíferas que dêem sobre a terra, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente’” (Gn 1,11). No que tange à abundância dos recursos minerais, lê-se: “O primeiro chama-se Fison; rodeia toda a terra de Hévila, onde há ouro; é puro o ouro dessa terra na qual se encontram o

bdélio e a pedra de ônix” (Gn 2,11). Depreende-se, pois, que o ser humano recebeu a bênção de usufruir da obra criada por Deus.

Deus manifestou por meio da criação algo próprio dele. No dizer de K. Barth (apud KIDNER, 2006, p. 50), “o fato de que Deus completou sua obra e a defrontou como uma totalidade completa faz parte da história da criação”. E este pensamento é correlato com a sua determinação em criá-la e, a cada etapa, Deus via que “isso era bom”, conforme Gênesis 1 (vv. 4, 10, 12, 18, 21 e 25). Deus é o criador do mundo e é distinto do universo. O mundo é bom. A finalidade da criação é a paz de Deus, figurada no repouso do sétimo dia: “Deus concluiu no sétimo dia a obra que fizera e no sétimo dia descansou, depois de toda a obra que fizera” (Gn 2,2). O homem foi criado da terra, mas animado por um sopro de vida. Destina-se ele a viver na amizade com Deus, que lhe concedeu o dom da liberdade.

É oportuno fazer referência a Reimer e Richter Reimer (2011) quando mencionam a integração do homem, a sua origem e a sua essência, totalmente vinculada à própria terra, ou seja, à natureza:

Las tradiciones bíblicas comprenden que nuestros cuerpos hacen parte de toda la creación. Nuestro cuerpo es tierra viva, vivificada, prestada temporalmente por la gracia de Dios. Es bueno saber que somos seres mortales, pasajeros. Pensar en la muerte ayuda a valorar la vida, y eso hace parte de una cultura religiosa milenaria. La vida hace parte de la muerte y viceversa. También la muerte muestra que la tierra es un cuerpo vivo, como el nuestro (REIMER; RICHTER REIMER, 2011, p. 53).

Deus conhece o que criou, sabe da capacidade construtiva e destrutiva da humanidade. Deus conhece as profundezas do pensamento humano e todas as intenções das ações humanas. O Salmo 139 é esclarecedor de que o ser humano permanece continuamente sob a observação de Deus, conforme pequeno trecho, a seguir transcrito:

Iahweh, tu me sondas e conheces: conheces meu sentar e meu levantar, de longe penetras o meu pensamento; examinas meu andar e meu deitar, meus caminhos todos são familiares a ti.

A palavra ainda não me chegou à língua, e tu, Iahweh, já a conheces inteira [...] (Sl 139.1-4).

Percebe-se, pois, que Deus, como criador, preocupa-se em permanecer cuidando, zelando da sua obra. Deus relaciona perfeitamente o ser humano criado a

partir da própria natureza, pois foi tecido junto com a terra, junto com todos os outros seres vivos.

A esse respeito, Simkins (2004, p. 127) afirmou que Deus tem familiaridade íntima com os humanos porque Deus formou-os no seio de suas mães.

[...] A metáfora criacional da ação de Deus no útero coloca esta característica da condição humana na própria criação. O significado cosmológico da condição humana é ainda acentuado pela ligação entre o ventre materno e as profundezas da terra. Através desta analogia – que reflete a relação microcosmo/macrocosmo entre o corpo humano e a terra – o salmista quer dizer que a atividade de Deus no útero humano repete a atividade de Deus ao criar os humanos a partir do seio da terra.

Uma vez o homem criado, é possível depreender que o intuito do Criador era que o homem cuidasse da natureza, pois ele é a obra prima, ficou responsável por tudo, tornou-se o mordomo da criação de Deus. O homem dominaria, cuidaria e zelaria do que foi criado. Essa harmonia que o relato da criação no Gênesis apresenta foi quebrada e a história tomou outro rumo, conforme se abordará no próximo tópico.

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