• Nenhum resultado encontrado

5 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

5.2 Conceito de sistema, de estrutura, e de sistema educacional: fundamentos histórico-

5.2.1 O sistema nacional de educação e o direito à educação

Os sistemas educacionais públicos surgiram da necessidade de sistematizar o funcionamento das escolas, que por sua vez, surgiram da necessidade de uma educação sistematizada, diferente da educação assistemática (SAVIANI, 2014). Cumpre destacar, conforme explica o autor, que a responsabilidade de legislar, definir normas à toda coletividade nas sociedades modernas é do Estado, o que significa dizer que as escolas particulares integram o sistema educacional público.

Saviani (2014) explica que no Brasil havia duas modalidades de sistemas de ensino até a promulgação da Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei n.º 9394 de 20 de dezembro de 1996: “o sistema federal, que abrangia os territórios federais e tinha caráter supletivo em relação aos estados; e os sistemas estaduais e do Distrito Federal” (p. 18). Segundo o autor (idem) as escolas de educação básica, públicas e particulares, integravam os respectivos sistemas estaduais, enquanto os superiores, públicas e particulares, integravam o sistema federal, subordinando-se às normas fixadas pela União. De acordo com Saviani (2014) a legislação admitia que os sistemas estaduais se responsabilizassem pelo ensino superior desde que se “tratasse de Estado com tradição consolidada no âmbito do ensino superior” (ibidem).

Nas últimas décadas ocorreram mudanças importantes na área da educação, dentre elas, Dourado (2014) destaca:

[...] a aprovação e promulgação da Constituição federal de 1988, que garantiu uma concepção ampla de educação e sua inscrição como direito social inalienável, bem como a partilha de responsabilidade entre os entes federados e a vinculação constitucional de recursos para a educação, bem como, por meio da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9394/96) e, mais recentemente, após mais de 3 anos de tramitação a aprovação do Plano nacional de Educação (Lei n. 13.005, de 5 de junho de 2014) (DOURADO, 2014, p. 5).

O autor (2014) aponta que os próximos passos devem buscar a “organicidade das políticas por meio da efetivação de um sistema articulado e descentralizado para a educação nacional” (idem), pois para Dourado o SNE consiste em um

“espaço político da maior relevância, sobretudo se considerarmos que o cenário educacional traduz a realidade desigual e combinada do estado brasileiro, com enorme descompasso entre os diferentes níveis e modalidades de educação no que diz respeito ao acesso e à permanência com qualidade social”(idem).

O entendimento do que é um SNE, a necessidade de sua instituição e o que ele inovaria na educação, consiste para Dourado (2016) em “questões complexas que requerem exame minucioso” (DOURADO, 2016, p. 62-63). O autor (idem) explica que já temos um sistema, porém, “não assentado em sólidas bases jurídicas”, e prossegue afirmando que: [...] “o SNE não está instituído, ainda que tenhamos diretrizes e bases da educação nacional e a organização de sistemas de ensino [...]” (idem)

Dourado entende que

Há uma relação direta e intrínseca entre PNE, SNE, regime de colaboração e, neste sentido, é fundamental avançar nas orientações jurídico-normativas, envolvendo a aprovação de um PNE como política de Estado, bem como a Lei Complementar do regime de colaboração, como passos concomitantes à instituição do SNE, tendo claro que suas bases constitutivas nos remetem ao delineamento de medidas de coordenação federativa, articulado à normatização dos processos de decisão e responsabilidades compartilhadas entre os entes federativos, a partir da efetivação da já denominada descentralização qualificada (idem).

De acordo com Saviani (2014), para garantir o direito à educação, diversos países europeus e da América Latina organizaram seus sistemas nacionais de ensino, no entanto, o Brasil seguiu outra opção, usando como argumento na discussão da primeira e da atual LDB, que a “adoção do regime federativo seria um fator impeditivo da instituição de um Sistema Nacional de Educação”. O autor (2014) se contrapõe à essa posição afirmando que “a forma própria de se responder adequadamente às necessidades educacionais de um país organizado sob o regime federativo é exatamente por meio da organização de um Sistema Nacional de Educação” (idem), e argumenta:

[...] sendo a Federação a unidade de vários estados que, preservando suas respectivas identidades, intencionalmente se articulam tendo em vista assegurar interesses e necessidades comuns, ela postula o sistema nacional. Este, no campo da educação, representa a união intencional aos vários serviços educacionais que se desenvolvem no âmbito territorial dos diversos entes federativos que compõem o Estado federado nacional (idem)

Para Saviani (2014c) tanto a construção do Sistema Nacional de Educação, quanto à efetivação do Plano Nacional de Educação precisam considerar o regime de colaboração entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, observando o disposto na Constituição Federal, além disso, efetivar uma repartição de competências entre os federados com vistas a assegurar o direito à educação de qualidade, com o mesmo padrão a cada cidadão e cidadã do País.

Não foi por acaso que as duas últimas Conferências Nacionais de Educação, 2010 e 2014, definiram o SNE como temas centrais. A CONAE 2010 adotou: “Construindo um Sistema Nacional Articulado de Educação: Plano Nacional de Educação, suas Diretrizes e Estratégias de Ação”. A CONAE 2014 se legitima como espaço de discussão e deliberação na medida em que incorporou as deliberações das conferências realizadas anteriormente nos municípios, estados e Distrito Federal ao longo no ano de 2013, agregando ao debate diferentes atores e segmentos da sociedade. Com o tema central: O PNE na articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração; a conferência 2014 aprofundou o debate da necessidade da articulação entre o PNE e SNE no contexto federativo brasileiro com vistas à redução das desigualdades nacionais e pela busca da construção de uma educação de qualidade para todos. Dentre as temáticas discutidas, destacam-se: a regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados; efetivação de um Sistema Nacional de Educação; Políticas de Financiamento com vistas à ampliação dos recursos; Gestão Democrática; Sistema de Avaliação; Sistema Nacional de Formação dos Trabalhadores em Educação, dentre outros. Para Andrade (2016) a realização das conferências tem

buscado ratificar os fundamentos da gestão democrática (participação social cidadã, autonomia, descentralização, controle social, entre outros), tomando- se por base a gestão sistêmica em todos os âmbitos da administração da educação do País. [...] Nesta forma de organização gestionária, reside a esperança da superação do paradigma de gestão da educação centrado na figura do gestor, nas instâncias que compõem os sistemas educacionais, sobretudo os que são instituídos no âmbito do Poder Local (ANDRADE, 2016, p. 147).

Neste sentido, um dos objetivos da CONAE 2014 se constituiu na elaboração de uma proposta para efetivação do Sistema Nacional de Educação, que por sua vez, tem sido objeto de análise ao longo da história por diferentes correntes teóricas.

Para Saviani (2014), sistema é definido como “a unidade de vários elementos intencionalmente reunidos de modo que forme um conjunto coerente e operante” (SAVIANI, 2014, p. 4). Para o autor

“um sistema insere-se sempre num conjunto mais amplo do que ele próprio; e a sua coerência em relação à situação de que faz parte [...] exprime-se precisamente pelo fato de operar intencionalmente transformações sobre ela (idem).

Em direção contrária ao conceito de sistema educacional defendido por Saviani, está a “noção de que o termo sistema na educação denota conjunto de elementos, isto é, a reunião

de várias unidades formando um todo” (2014, p. 13). A partir desse entendimento, o conjunto de escolas ou rede de instituições de ensino passa a ser considerado como sistema.

Para o autor, os aspectos que evidenciam e constituem um sistema são:

 do ponto de vista da entidade administrativa, o sistema educacional pode ser classificado em: federal, estadual, municipal, particular, etc.;  do ponto de vista do padrão, em: oficial, oficializado ou livre;

 do ponto de vista do grau de ensino, em: primário, médio, superior;  do ponto de vista da natureza do ensino, em: comum ou especial;  do ponto de vista do tipo de preparação, em: geral, semiespecializado,

ou especializado;

 do ponto de vista dos ramos de ensino, em: comercial, industrial, agrícola etc.

Do uso inadequado do termo sistema decorrem várias expressões, como: “sistema geral de educação”, “sistema federal de ensino”, “sistema oficial”, “sistema público”, “sistema escolar”, etc. Entretanto, Saviani assegura que: “um exame mais detido revelará que, em todos esses casos, se trata propriamente do Sistema Educacional [...]” (SAVIANI, 2014, p. 17).

No que concerne à repartição de responsabilidades, Saviani (2014) entende que “os entes federativos concorrerão na medida de suas peculiaridades e de suas competências específicas consolidadas pela tradição e confirmadas pelo arcabouço jurídico” (idem). Desta forma, o autor afirma que o sistema será regulado pelas normas de responsabilidade da União, baseadas na LDB e no PNE, especificadas pelas medidas no âmbito do Conselho Nacional de Educação.

Assim, estados e o Distrito Federal poderão legislar complementando e adequando as leis gerais às suas especificidades locais. Cumpre ressaltar que, por força da Constituição Federal, os municípios não são autorizados a legislar em matéria de educação, a lei prevê que os municípios mantenham cooperação técnica e financeira com a União e os Estados com a finalidade de implementar programas de educação infantil e ensino fundamental.

A despeito do financiamento do sistema, Saviani (2014) propõe um compartilhamento entre as três instâncias, nos moldes dos fundos de desenvolvimento educacional. Para o autor, há uma necessidade de aperfeiçoamento do FUNDEB e a criação de um Fundo para a manutenção do Ensino Superior (FUNDES).

Concernente à formação dos professores, a definição da carreira e as condições de exercício docente, na proposta de Saviani (2014), não pode ser responsabilidade dos municípios, pois argumenta que a maioria dos municípios não tem condições para realizar tais

políticas. O autor afirma que os municípios não são aptos para atuarem nesse âmbito porque a própria LDB, inciso V, do artigo 11 os impedem, ao definir que:

[...] somente poderão se dedicar a outros níveis de ensino ulteriores ao fundamental quando estiverem atendidas plenamente as necessidades em sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL, 1996)

Ocorre que a formação dos professores se realiza no nível superior, de forma que desresponsabiliza os municípios de sua oferta e manutenção. Aos municípios cabe a construção e conservação das escolas e de seus equipamentos, realizar inspeção para acompanhar suas condições de funcionamento, além de ofertar a merenda e o transporte escolar.

Saviani (2014c) defende que nesta proposta não se está reduzindo a importância dos municípios, pois são estes que materializam as políticas advindas, tanto da União, quanto dos estados. O autor afirma que a diferença de graus de autonomia não significa redução de importância para as instâncias que detêm menor autonomia. Se a autonomia se concentra mais nos estados do que nos municípios é porque, no âmbito do estado, ela se exercita em relação aos municípios que o integram, e não por parte de cada município em confronto com os demais. Da mesma forma, Saviani esclarece a autonomia da União, que se exerce em relação a todas as unidades federativas e não apenas na contraposição entre elas.

Saviani (2014:int.) advoga que “a melhor forma de fortalecer as instâncias locais não é, necessariamente, conferir-lhes autonomia, deixando-as, de certo modo, à própria sorte”. Contudo, o autor acredita que “a melhor maneira de respeitar a diversidade dos diferentes locais e regiões é articulá-los no todo, e não isolá-los. Isso porque o isolamento tende a fazer degenerar a diversidade em desigualdade, cristalizando-a pela manutenção das deficiências locais”.

Na visão de Saviani (2014: int.) o Sistema Nacional de Educação

[...] integra e articula todos os níveis e modalidades de educação com todos os recursos e serviços que lhes correspondem, organizados e geridos, em regime de colaboração, por todos os entes federativos sob coordenação da União. Fica claro, pois, que a repartição das atribuições não implica a exclusão da participação dos entes aos quais não cabe a responsabilidade direta pelo cumprimento daquela função. Eles participarão por meio dos respectivos colegiados, acompanhando e apresentando subsídios que venham a tornar mais qualificadas as decisões tomadas. E assumirão responsabilidades diretas nos aspectos que lhes correspondem, por meio das Secretarias e Conselhos Estaduais e das Secretarias e Conselhos Municipais de Educação, sempre que tal procedimento venha a concorrer para a flexibilização e maior eficácia da operação do sistema sem prejuízo,

evidentemente, do comum padrão de qualidade que caracteriza o Sistema Nacional de Educação (DEMERVAL, 2014C, p. 387).

Para o autor (2014c) um Sistema Nacional de Educação

“é um conjunto unificado que articula todos os aspectos da educação no país inteiro, com normas comuns válidas para todo o território nacional e com procedimentos também comuns, visando assegurar educação com o mesmo padrão de qualidade a toda a população” (ibidem, p. 384)

Saviani (2014c) defende ainda a instituição de um Sistema Nacional de Educação que não dependa de adesões autônomas de estados e municípios, pois a inscrição dos entes decorre, idealmente, da participação efetiva na sua construção, submetendo-se em consequência, às suas regras (ibidem, p. 385). No entanto, o autor defende que não cabe nessa proposta de construção e gestão coletiva do Sistema Nacional de Educação invocar a cláusula pétrea da Constituição Federal que se refere à autonomia dos entes federados porque o SNE não pertence ao governo federal, e sim da Federação. Essa proposta possibilitaria que o direito à educação saísse do patamar do proclamado para o efetivado.