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5 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

5.4 Sistema nacional de educação: propostas e desafios

O Brasil ingressa no século XXI ainda com a pendência da instituição de um sistema nacional de educação que possibilite assegurar o direito à educação a todos os seus cidadãos e cidadãs. Para tanto, são necessárias alterações e mudanças nos instrumentos da política educacional. Neste sentido, Abicalil (2009) propõe “a regulação do regime de cooperação e das formas de articulação entre os entes federados, seus respectivos sistemas autônomos e a organização de um Sistema Nacional Articulado de Educação [...]” (ABICALIL, 2009, p. 81).

O autor reconhece que nas últimas décadas foram implementadas novas ferramentas de cooperação federativa no âmbito das transferências de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a saber: a Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica, instituída pela Lei nº. 11.494/2007 – (FUNDEB), e o Plano de Ações Articuladas (PAR). De acordo com o autor tais ferramentas, “servem à disciplina das transferências de recursos da União para o financiamento da educação básica no Distrito Federal, nos Estados e nos municípios” (idem). E acrescenta que no caso do FUNDEB a transferência é obrigatória, enquanto que os recursos do FNDE, são voluntários.

Apontando direcionamentos para uma proposta de sistema nacional articulado de educação com relações democráticas, e de planos (decenais) que contenham diretrizes, metas, estratégias e objetivos, Abicalil recomenda que “deve transformar-se em projetos de lei (municipal, estadual e federal) de iniciativa do Poder Executivo, com status de lei complementar, uma vez que estará regulamentando os Art. n.º 23, 206, 211, e 214 da Constituição Federal” (ibidem, p. 89).

Outra recomendação do autor para a definição dos processos de delegação de poderes e de representação nos órgãos do sistema devem ser transparentes, a fim de evitar disputas de representação entre os segmentos envolvidos. O autor apresenta os aspectos fundamentais que, na sua visão, devem estar presentes no Sistema Nacional de Educação:

 Gestão democrática do sistema;

 Promoção da igualdade e da justiça social;

 A manutenção da qualidade e da eficiência do processo, com investimentos pesados e com um trabalho de fortalecimento das relações voltadas à consolidação da Nação e para além das fronteiras nacionais, a partir de uma matriz de desenvolvimento humano;

 A geração de condições para que as escolas e as equipes de trabalho possam assumir suas responsabilidades correspondentes à resposta para as expectativas comuns, aos planos pedagógicos, ás famílias, aos estudantes, ao entorno econômico e cultural; portanto, com forte marca de abertura à prática e à exigência de cidadania;

 A articulação dos níveis local, regional, nacional e, inclusive, supranacional (importante na formação dos blocos contemporâneos e nas relações internacionais, em geral), fortalecendo o caráter público do sistema. (grifos nossos). (ibidem, p. 90-91)

Cury (2008) considera como desafio para a instituição do sistema nacional de educação, o próprio sistema social estratificado que produz dois sistemas escolares paralelos resultando em uma desigualdade sistêmica que é “congênita à sociedade capitalista”. Este desafio se insere no próprio conceito de sistema único de educação, assim o autor explica: “o conceito de sistema único de educação tem como desafio maior o horizonte da igualdade, cujo

motor maior não se origina na escola, mas no próprio sistema social” (CURY, 2008, p. 1189). Neste contexto, a participação política, apesar de seus limites, é considerada um instrumento valioso para a defesa dos interesses dos trabalhadores, portanto, se faz necessário um estado que garanta a participação da sociedade civil organizada.

Diversos estudiosos da temática apontam dificuldades para a instituição de um Sistema Nacional de Educação. Para Dourado (2009), estas se manifestam em: “limites do pacto federativo efetivado num Estado patrimonial; a ausência da regulamentação do regime de colaboração; a centralidade conferida às políticas governamentais em detrimento das políticas de Estado [...]” (DOURADO, 2009, p. 365).

A histórica formação de duas redes de ensino, uma destinada a formar os condutores da sociedade, e a outra para formar trabalhadores para serem conduzidos por aqueles, aprofundou as desigualdades sociais e educacionais. Desse modo, o desafio para constituir um sistema único de educação depende da superação do próprio capitalismo. Entretanto, Cury (2008) reconhece que este desafio não é impeditivo para avanços nos “valores, princípios e normas comuns, além de normas específicas, afirmados no ordenamento jurídico atual” (CURY, 2008, p. 1196).

O segundo desafio apresentado pelo autor se refere a alguns aspectos do federalismo brasileiro a partir da Proclamação da República, cuja existência

supõe um pacto federativo, no qual coexista a diversidade de entes federados e a união federativa [...]. Trata-se de um regime em que os poderes de governo são repartidos entre as instâncias governamentais por meio de campos de poder e de competências legalmente definidas (idem).

Cury (2008) acrescenta que “a repartição de competências sempre foi um assunto básico para a elucidação da forma federativa de Estado” (idem), razão das acaloradas discussões sobre a descentralização, a qual, ainda no período imperial forjou dois sistemas de ensino: o ensino superior sob a competência da Corte, a qual detinha mais recursos, e por outro lado, a educação primária sob a competência das províncias, que por sua vez, não dispunham de maiores recursos. Assim, no contexto da instituição do Sistema Nacional de Educação, caberia à União, considerando ser o ente federado que arrecada os maiores impostos: ter uma maior presença no âmbito da educação básica; coordenar a instituição de um Sistema Nacional de Educação, com a finalidade de promover a continuidade das políticas educacionais; e formular a política educacional nacional através dos Planos Nacionais de Educação com a participação dos estados e municípios, dos profissionais da área e dos segmentos da sociedade envolvidos com a educação.

O Brasil é um dos poucos países do mundo em que a descentralização da oferta da educação obrigatória não é novidade. Essa descentralização é herança colonial, confirmada no Império e em todas as normas de educação escolar desde então. Nunca se logrou que o poder público central tivesse responsabilidade relevante na escolarização das maiorias. A essa característica correspondeu, sempre, a consagração de desigualdades regionais agudas, a pulverização de sistemas (e redes), a desarticulação curricular ou sua rígida verticalidade e o estabelecimento de ação concorrencial entre as esferas de governo. O poder formulador, normativo, tributário e controlador, por sua vez, não foi distribuído igualmente (ABICALIL, 2009, p. 92).

Em consonância com o texto constitucional, a LDB/1996 reiterou as incumbências de cada esfera de poder. Abicalil (2009) explica que em todas essas incumbências, o princípio da colaboração se repete, subordinado “ao cumprimento do direito público subjetivo, ao qual correspondem deveres de Estado e ações de governo; à superação de desigualdades; à formação básica comum e à consolidação de um padrão de qualidade” (idem).

Cabe salientar que a organização da educação brasileira é regida em bases conceituais e legais da Constituição Federal de 1988 e da LDB/96, as quais determinam funções, definem papeis e atribuições para os atores políticos envolvidos, e para a gestão educacional, em seus níveis e modalidades. Assim, o autor (2009) observa que estas leis, tanto provocam obstáculos, quanto promovem possibilidades para a construção do Sistema Nacional Articulado de Educação.

A Constituição Federal de 1988 optou por um federalismo cooperativo, também denominado de “regime de colaboração recíproca”, descentralizado, com funções compartilhadas entre os entes federados. Assim, os sistemas passaram a existir legalmente de modo que sua organização e funcionamento se baseiam no princípio da autonomia e colaboração recíproca, mas também envolve o campo de poder e diversos atores políticos e sociais. Por esta razão, surgem as dificuldades para a instituição do Sistema Nacional de Educação, pois, Abicalil (2009) chama a nossa atenção para o fato de que no Brasil, o conceito de autonomia “tem sido muito confundido com os de parceria e de exercício de gestão de pessoal e de serviços, fundado na atividade gerenciadora de instituições de caráter privado” (ibidem, p. 89).

A despeito do conceito de autonomia, Cury (2008) percebe que existe um “[...] temor de invasão indébita na autonomia dos entes federativos e, com isso, uma eventual perda de autonomia destes” (CURY, 2008, p. 1200). O autor acrescenta à esta dificuldade, “o medo de uma centralização por parte do Estado federal na qualidade de Estado nacional. Há o receio,

por parte do segmento privado na educação escolar, de se ferir a liberdade de ensino [...]” (idem) e consequentemente, se adotar o monopólio estatal.

Em relação à União, o autor afirma que existe o medo da exigência de mais presença, sobretudo “no que se refere ao financiamento da educação básica”. Estas reflexões fazem emergir “o desafio extraescolar de um país desigual, com fosso cada vez maior entre ricos e pobres na divisão de renda e de acesso a bens sociais” (idem).

Um outro desafio, também apontado por Cury (2008), diz respeito à falta de uma definição mais precisa sobre a competência compartilhada do ensino fundamental, preconizada na Constituição Federal de 1988 e na LDB/96. No texto constitucional, o autor analisa:

O Art. 211, § 1º, esclarece o regime de colaboração, no que toca à União, por meio de um papel redistributivo, supletivo e equalizador, com assistência técnica aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios. O § 2º se volta para os Municípios, que atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. O § 3º esclarece que os Estados e o Distrito Federal devem atuar prioritariamente no ensino fundamental e médio (ibidem, p. 1199)

Em relação à LDB, o Art. 10º, inciso II corrobora com o texto constitucional ao reafirmar que é competência dos estados

[...] definir, com os municípios, formas de colaboração na oferta do Ensino Fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades (...). Também o mesmo artigo 10, III, estimula a integração das ações relativas a diretrizes e planos de educação estaduais com as iniciativas dos municípios (ibidem, p. 1201).

O Art. 11º da LDB reitera o Art. 211º da Constituição Federal ao reconhecer os sistemas municipais de ensino e definir suas competências, dentre elas, a de “autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino” (idem). Assim, o autor compreende que “a distribuição de competências perante os objetivos maiores da educação escolar, deve ser feita, diferencialmente, no âmbito de aplicabilidade de cada ente federativo e, compartilhadamente, mediante o regime de colaboração próprio do novo caráter da Federação brasileira” (idem).

Saviani (2014) apresenta três obstáculos à instituição do Sistema Nacional de educação, a saber: Os obstáculos econômicos, referem-se à histórica resistência à manutenção da educação pública no Brasil; os obstáculos políticos manifestam-se na descontinuidade das políticas educativas; e, os obstáculos filosófico-ideológicos, configurados na resistência no nível das ideias.

Abicalil (2009) também apresenta um conjunto de obstáculos, porém enfatiza o âmbito do financiamento da educação:

[...] a complexa reforma tributária; a disputa dos recursos futuros oriundos da principal nova fonte de riqueza nacional (na camada de pré-sal do mar territorial brasileiro); o fim da incidência da Desvinculação de Receitas da União – DRU sobre os impostos federais vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino; a imunidade tributária constitucional para as instituições privadas sem fins lucrativos (2009, p. 86).

Além destes obstáculos, o autor aponta: “a necessidade de alcançar outro patamar de investimento para recuperar o atraso educacional aponta obrigatoriamente para a ampliação progressiva, continuada e consistente de recursos públicos nos dois níveis da educação nacional” (idem).

Cury (2008) entende que o pacto federativo dispõe para a educação escolar, a coexistência coordenada e descentralizada de sistemas de ensino sob regime de colaboração recíproca com as seguintes características:

 Unidade: Art. 6º e Art. 205 da CF/88;

 Divisão de competências e responsabilidades;  Diversidade de campos administrativos;  Diversidade de níveis de educação escolar;

 Sinalização de recursos vinculados (CURY, 2008, 1202).

Esta proposta contribui para o aperfeiçoamento da institucionalização do Sistema Nacional de Educação ao apontar o regime de colaboração recíproca. Entretanto, como limites e dificuldades para a sua efetivação, aponta falta da aprovação de lei complementar exigida pelo Art. 23º, parágrafo único da Constituição Federal, que dispõe sobre o regulamento do regime de colaboração. Como consequência, os entes federativos disputam investimentos em seus territórios, porém, sem obrigatoriedade de vinculação para a educação por se tratar de “contribuições provisórias”. Entretanto, Cury (2008) afirma que há casos “que se eternizam”. Portanto, desta forma é imposto à área da educação um prejuízo do ponto de vista dos recursos vinculados. Assim, há uma descaracterização do federalismo cooperativo adotado na Constituição Federal de 1988, de modo que esta realidade se aproxima mais de um federalismo competitivo, que de um cooperativo.

Para a efetivação do Sistema Nacional de Educação, Cury aponta quatro elementos devem coexistir para a efetivação do sistema nacional de educação: “uma rede de órgãos, de instituições escolares e de estabelecimentos – fato; um ordenamento jurídico com leis de educação – norma; uma finalidade comum - valor; e uma base comum – direito” (2008, p.

1203). Assim, o autor acredita ser possível construir a unidade na diversidade, e nesta perspectiva, o Plano Nacional de Educação, Lei n.º 13.005/14, em seu artigo 13 define que:

O poder público deverá instituir, em lei específica, contados (2) anos da publicação desta Lei, o Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014).

A articulação entre o Sistema Nacional de Educação e o Plano Nacional de Educação no contexto da colaboração federativa, considerada como condição para a efetivação do direito à educação, será a temática abordada a seguir.

5.5 A relação entre Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação no