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A relação entre Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação no

5 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO

5.5 A relação entre Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação no

A busca por uma Política Educacional de Estado no Brasil que se consolide para além dos mandatos governamentais é histórica, remonta ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, conforme já mencionado. Este manifesta critica a precária situação da educação pública no país, e propõe uma reformulação por meio de ações, dentre elas, a criação de fundos vinculados a recursos de impostos, além disso, o documento defende uma educação pública, gratuita e laica como função do estado, e como princípios organizativos de caráter social, que para sua consolidação, Saviani aponta como necessário:

[...] a unidade da função educacional, que constitui um novo programa de política educacional, a autonomia com corresponsabilidades – devendo abranger aspectos técnicos, administrativos e econômicos, desvinculada dos interesses políticos transitórios – e a descentralização – caráter nacional do sistema educacional, unidade sem uniformidade (SAVIANI, 2014a).

A importância do Manifesto se confirma na influência que exerceu em outros movimentos e em governos posteriores, nas mudanças ocorridas nas legislações, que por seu turno, mudaram as políticas públicas de educação.

No Brasil, a efetivação dos direitos sociais, com destaque para o direito à educação, encontra limites nas desigualdades sociais e assimetrias entre os entes federados, fato que marca a história do país. Para Andrade (2012)

a inexistência de uma coordenação federativa das ações a serem pactuadas entre as esferas administrativas do País impôs limite à materialização do federalismo cooperativo e que se faz ainda mais indispensável com a ascensão dos municípios ao status de ente autônomo a partir da Constituição Federal de 1988 (ANDRADE, 2012, p. 142).

Andrade entende que o federalismo pressupõe uma permanente relação entre as partes constitutivas, no entanto, expõe a preocupação com a “prática da barganha como troca de favor, que por vezes, à revelia da ética, sobrepõe-se à colaboração” (ibidem, p. 140).

De acordo com Werle (2016), o artigo 211 da Constituição Federal de 1988 determina que a colaboração entre as diferentes instâncias federadas ocorre desde o momento inicial de organização dos sistemas. A autora ressalta que o parágrafo único do artigo 211 especifica uma atribuição relevante da União para vencer as assimetrias regionais – a atuação junto aos demais entes federados para prestar assistência técnica e financeira voltada para o desenvolvimento dos sistemas de ensino, e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória. A Emenda Constitucional n.º 14/96 explicita as funções da União, a quem cabe, segundo a autora, assistir aos demais entes e atuar, de forma a redistribuir, suprir e equalizar. Werle (2016) compara a organização da educação na Constituição de 1946 e na Constituição de 1988. A primeira organizava a educação em sistemas federal e estaduais de ensino, compondo um sistema binário; a segunda cria um sistema ternário, no qual tanto a União, como Estados, Distrito Federal e Municípios organizam seus sistemas de ensino.

Para a autora, o regime de colaboração é também sinalizado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º 9394/96, as vezes numa perspectiva de com tripla responsabilidade, as vezes apontado para articulações mais diretas entre a esfera estadual e municipal.

Sob a orientação da Constituição Federal de 1988, a LDB determinou as incumbências de cada esfera administrativa, sendo que norteadas pelo princípio da colaboração, com vistas à superação das desigualdades. Assim, o artigo 5º define o acesso à educação obrigatória como responsabilidade do estado e do município, contudo, com assistência técnica da União. Enquanto que o artigo 8º orienta o procedimento para a organização de seus sistemas de ensino e a coordenação e articulação da educação nacional, todos autônomos e comprometidos com a organização, em regime de colaboração dos seus respectivos sistemas de ensino. Em relação às responsabilidades da União, o Artigo 9º lhe atribui a coordenação política do processo de elaboração do Plano Nacional de Educação, bem como a prestação da assistência técnica aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. O artigo 10º incumbe os estados de definir com os municípios formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma das esferas do poder público. Este artigo também determina aos

estados, a elaboração e execução das políticas e planos educacionais em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações e as de seus municípios.

O artigo 11º incumbe os municípios de organizar e manter seus sistemas de ensino integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos estados. Desta feita, o arcabouço legal brasileiro indica que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios são instâncias com legitimidade e com a responsabilidade de articular-se em regime de colaboração. Para Werle (2016), um regime de colaboração implica na cooperação em diferentes dimensões, desde as responsabilidades com acesso e frequência à escola até a disponibilidade de recursos e desenvolvimento de procedimentos de avaliação.

Como já mencionado, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a educação brasileira vivenciou mudanças significativas, com destaque para a concepção de educação como direito social inalienável enfatizando o papel do estado na sua garantia. O novo pacto federativo estabeleceu as competências entre os entes federados e definiu a vinculação dos recursos para a área, garantindo a efetividade das políticas. Cumpre reafirmar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) também é um marco importante na busca da organicidade das políticas dessas conquistas, no entendimento de Dourado se dará “por meio da efetivação de um sistema articulado descentralizado para a educação nacional” (2009, p. 365). O autor considera o SNE como espaço muito relevante diante da realidade da educação brasileira, marcada pela severa desigualdade regional e por descompasso entre os níveis e modalidades de educação referente ao acesso e permanência com qualidade social.

Em seu texto, Gestão Democrática com Participação Popular no Planejamento e na Organização da Educação Nacional, produzido para subsidiar a discussão do tema geral da CONAE 2014, Gadotti recomenda que “é preciso continuar aprofundando a luta pela articulação do Sistema Nacional de Educação até chegar à unidade na diversidade” (GADOTTI, 2014, p. 22). O autor avalia que a desarticulação e a desorganização do SNE, ou a ausência dele, somada à indefinição de papeis de cada esfera administrativa, são as principais causas do atraso na área da educação, e como decorrência “torna a área educacional ingovernável na multiplicidade desarticulada de sistemas, fomentando desigualdade de oportunidades educacionais” (idem).

Para o autor, o significado de Sistema Único não se refere a um sistema uniformizado e centralizado, mas significa “articulação de ações, corresponsabilidade e cooperação em

função de uma finalidade comum; [...] divisão de responsabilidades, parceria, colaboração, cooperação, solidariedade” (idem).

Neste contexto, o autor defende a aprovação de instrumentos legais que tracem diretrizes gerais referentes ao regime de colaboração na oferta educacional e à gestão democrática das escolas e dos sistemas de ensino, articulando-os por meio de um sistema público único de educação, com financiamento tripartite (União, estados e municípios) e gestão local. Para Gadotti, Sistema Único não significa oposição à gestão local, porém, mais recursos federais para os municípios executarem seus planos de educação.

Segundo o autor, as experiências que buscam consolidar mudanças que fortalecem o Sistema Nacional de Educação apresentam avanços, como é o caso do FUNDEB, SAEB, PNSM, IDEB, PCNs ENEM, e o Plano de Ações Articuladas (PAR). Enquanto que aquelas que fragmentam o Sistema Nacional promovem retrocessos, justaposição de ações, desarticulação das estruturas e descontinuidade das políticas. Em relação ao regime de colaboração, o autor defende que precisa ser construído por meio de medidas concretas em permanente negociação e experimentação, cabendo à União a coordenação da política nacional, o que significa ir além da coordenação do sistema Federal de Educação.

Assim, o desafio se constitui na conciliação entre a autonomia e a interdependência entre os entes federados, em um contexto federativo que pressupõe a garantia da unidade nacional na diversidade, ao mesmo tempo em que é preciso preservar a autonomia dos entes federados.

Portanto, a educação precisa ser coordenada nacionalmente, respeitando a diversidade existente nos níveis locais, conforme defende Gadotti:

a educação deve ser nacional, como a cidadania. Acima das particularidades locais, existe a nacionalidade [...]. A enorme criatividade dos municípios deve ter por referência uma matriz comum nacional. Os planos estaduais e municipais precisam estar em harmonia com o PNE (idem).

O autor considera que o PNE representa um grande avanço, mas reconhece que não toca no principal problema estrutural da educação brasileira, qual seja, o estabelecimento de um Sistema Nacional de Educação. A atual duplicidade de responsabilidades, como é o caso da erradicação do analfabetismo adulto e do ensino fundamental II, na visão do autor, precisa ser superada. Segundo ele, precisamos de um “regime de cooperação” com responsabilidades compartilhadas (obrigatórias), e não um “regime de colaboração” (optativa, colabora quem quer). O autor corrobora com a posição da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que distingue regime de colaboração de regime de cooperação, a qual argumenta:

A diferença entre regime de colaboração e de cooperação refere-se à forma pela qual as políticas educacionais se articulam entre os sistemas de ensino. A LDB, em seu artigo 8º, elegeu o regime de colaboração como forma de propiciar a articulação dos sistemas de ensino. Entretanto, essa articulação só se faz possível no âmbito de decisões de governos, pelo princípio da adesão voluntária, enquanto que o regime de cooperação pauta-se na institucionalidade das relações entre os sistemas, independente de ações de governos (CNTE, 2009, p. 286).

O Plano Nacional de Educação foi incumbido por força Emenda Constitucional 59/2009 de articular o Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração. No entendimento de Gadotti, não é possível discutir sobre a organização da educação nacional, gestão democrática e participação popular dissociados do debate acerca do Sistema Nacional de Educação, Plano Nacional de Educação e o Regime de Colaboração.

Dourado (2013) também reconhece uma relação direta e intrínseca entre PNE, SNE e regime de colaboração. Nesse sentido, o autor entende ser fundamental:

[...] avançar nas orientações jurídico-normativas, envolvendo a aprovação de um PNE como política de Estado, bem como a lei complementar do regime de colaboração, como passos concomitantes à instituição do SNE, cujas bases constitutivas nos remetem ao delineamento de medidas de coordenação federativa articulado à normatização dos processos de decisão e responsabilidades compartilhadas entre os entes federativos, a partir da já denominada descentralização qualificada (DOURADO, 2013, p. 776)

Nesta perspectiva, o PNE se constitui enquanto instrumento de promoção de mudanças no processo de planejamento educacional no Brasil, concebido como um documento de políticas públicas que consolidam a necessidade de criação do Sistema Nacional de Educação e do Regime de Colaboração.

Saviani analisa a relação entre Plano Nacional de Educação e Sistema Nacional de Educação:

O sistema resulta da atividade sistematizada; e a ação sistematizada é aquela que busca intencionalmente realizar determinadas finalidades. É, pois, uma ação planejada. Sistema significa, assim, uma ordenação articulada dos vários elementos necessários à consecução dos objetivos educacionais preconizados para a população à qual se destina. Supõe, portanto, o planejamento. Ora, se „sistema é a unidade de vários elementos

intencionalmente reunidos, de modo a formar um conjunto coerente e

operante‟ (SAVIANI, 2008, p. 80), as exigências de intencionalidade e coerência implicam que o sistema se organize e opere segundo um plano. Consequentemente, há uma estreita relação entre sistema de educação e plano de educação (SAVIANI, 2011, p. 06).

Isto quer dizer que é preciso evitar que se caracterize enquanto estrutura, ou seja, desprovida de intencionalidades. Nesse sentido, o plano educacional, para Saviani é:

[...] o instrumento que visa introduzir racionalidade na prática educativa como condição para se superar o espontaneísmo e as improvisações, que juntos formam o oposto de uma educação sistematizada e da sua organização na forma de sistema (idem).

Por fim, verifica-se que as análises dos autores aqui referenciados reiteram a urgência da institucionalização do Sistema Nacional de Educação capaz de promover a organização e a continuidade das políticas educacionais, que carecem de ser consideradas como políticas de estado. Vale ressaltar que, com esta perspectiva, a CONAE 2010 delibera que a União crie na estrutura do Ministério da Educação a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE), com o objetivo de subsidiar ações com vistas a criação do Sistema Nacional de Educação. A atuação da SASE será objeto de análise da próxima sessão.

6 A INSTITUIÇÃO DA SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO DOS SISTEMAS DE