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2.1 RELIGIÃO: CONCEITO

2.3.4 Socialismo

2.3.4.3 O Socialismo Realmente Existente

Foi na Rússia, no início do século XX, que a Revolução de Outubro aconteceu. Ante as conseqüências do capitalismo – segregação da sociedade em classes, crises periódicas, alto grau de desigualdade social, economia em colapso – juntamente com o poder czarista autoritarista e seu descaso pela população miserável, agregado ainda a participação russa na Segunda Guerra Mundial, o movimento do proletariado russo foi impulsionado chegando ao poder em 1917. A princípio, a alternativa ao modelo capitalista de produção e de sociedade trouxe esperança à população, a classe operaria foi elevada a alto patamar, alcançando, por este meio, sua legitimidade. Houve, porém, resistência de partidos opostos e de próprios marxistas que discordavam em alguns pontos com as políticas implantadas por Lênin, o cabeça da Revolução. A partir daí, a Revolução que já apresentava caráter violento, tomou proporções muito maiores neste sentido. (HOBSBAWN, 2003).

Obviamente haveria protestos contra o novo regime, o fato não surpreendia os lutadores da classe operária. Portanto, com o objetivo de se manter no poder e instaurar o novo sistema de organização do mundo, o socialismo, seria feito o necessário. Os fins justificavam os meios.

Os meios para chegar ao fim, isto é, as práticas escolhidas para alcançar as metas socialistas variaram, durante os anos de socialismo, entre o chamado “comunismo de guerra” e a “New Economic Policy”14 (NEP). O comunismo de guerra, em sua primeira fase, de 1917 a 1921, como a nomenclatura insinua, visa perpetuar o novo modelo pela força, rígida e violenta. Institui-se a coletivização forçada das terras camponesas, tudo fica sob o controle a e administração do Estado, o qual falha em suas responsabilidades e acaba por piorar a situação russa, que já era ruim. Como resultado vê-se a morte de grande parte da população, por fome, assassinatos e doenças. O povo russo sofre estarrecido, o partido passou a agir em seu lugar, os camponeses eram a ralé da sociedade, ficando confinados nas plantações. (BESANÇON, 1978; HOBSBAWM, 2003).

Neste momento é, então, implementada a NEP, com uma gestão um pouco mais aberta, o qual atribuía determinado grau de autonomia aos camponeses. Esse período durou até Stálin assumir o poder em 1924, e regressar com a segunda fase do comunismo de guerra. Uma nova coletivização traz mais fome e a ruína definitiva da agricultura soviética. O governo de Stálin pode ser traduzido como o momento de maior terror do socialismo, tanto pela participação da URSS na Segunda Guerra Mundial, quanto por aniquilar opositores e aliados políticos, utilizando como pretexto falsas provas, bem como por criar um novo partido, o único permitido, acabando com o restante da democracia socialista que ainda existia. (BESANÇON, 1978).

Em geral, para as populações do Leste o socialismo ficou definitivamente associado à imagem da URSS stalinista, com seu modelo ditatorial de partido único, ateu e “internacionalista” (negando as particularidades religiosas e culturais de cada povo), sua economia estatal ultracentralizada, a coletivização forçada da tradicional pequena propriedade agrária. Enfim, opções não escolhidas pelo povo, só realizáveis graças à repressão. Nada a ver, portanto, com o caráter libertador que o socialismo tinha para seus primeiros teóricos, como Karl Marx e Friedrich Engels [...]. (BRENER; SADER, 1991, p.9).

Diante da barbárie política de Stálin, que criava inimigos internos e realizava expurgos de aliados, a segunda NEP entra em cena, afrouxando as amarras do Estado sobre o nacionalismo e a religiosidade, principalmente na Igreja Ortodoxa Moscovita. Ainda no governo de Stálin, o terceiro comunismo de guerra, é assinalado por mais aprisionamentos,

14 Em seu livro, Cultura e revolução cultutra, publicado em 1981, nas páginas 202 e 203, Lênin define “A nova política econômica (NEP) é política econômica do Estado proletário no período de transição do capitalismo para o socialismo. [...] A nova política econômica, que tolerava durante um certo tempo e dentro de certos limites a existência dos elementos capitalistas, mantendo-se as posições-chaves da economia nas mãos do Estado proletário, visava a assegurar o desenvolvimento das forças produtivas do país e da agricultura, a acumular os meios necessários para a construção da indústria socialista”.

tirania e ruína econômica. Após sua morte, em 1953, Krushev assume o poder socialista, e entra-se no terceiro momento da NEP. Esvaziam-se os campos de concentração, reorganiza-se a indústria e a agricultura, e é feita a descoletivização. Krushev pretendia trazer o socialismo de volta aos seus princípios iniciais. Investiu na agricultura, cedeu certa autonomia à indústria soviética, contudo, por outro lado, intensificou a perseguição a Igreja Ortodoxa e outras religiões. O líder socialista escancarou as atrocidades cometidas por Stálin e restaurou, de certa forma, o caráter ideológico da revolução do proletariado, perdido durante os anos de governos de Stálin. (BESANÇON, 1978; BRENER; SADER, 1991).

Após Krushev, Brejnev subiu ao poder em 1964, e quebrou a linha de governo que exaltava a personalidade do líder traçada por Stálin e Krushev. Por esse motivo, o seu governo foi o que mais se aproximou de um Estado de Direito. O afastamento da ideologia base da Revolução refletiu no desânimo da sociedade soviética. No governo Brejnev, a economia estava estagnada, fortificou-se a produção de bens de consumo (de baixa qualidade e escassos), em vigor desde Krushev, em lugar da industrialização pesada inicial, isto, para contentar população. Os altos gastos militares também contribuíram para o afundamento da economia. É, ainda, de valia ressaltar um certo grau de liberalização econômica controlada, permitida no Leste Europeu durante os anos Brejnev. (BESANÇON, 1978; BRENER; SADER, 1991).

Dois curtos governos sucederam Brejnev até chegar a Gorbatchev. Este último tinha em suas mãos uma economia devastada e uma atmosfera política de protestos. É na era Gorbatchev que são instituídas aberturas econômicas, políticas e, por que não, sociais. No plano econômico tem-se a permissão de participação de empresas privadas e até estrangeiras, e no plano político a redução do domínio da URSS nos países do Leste, desmilitarização da URSS e desarmamento mundial, anistia a presos políticos, pluralismo político seguido do partidário e as conhecidas glasnost e perestroika – transparência e reestruturação. No âmbito social, as críticas sociais passaram a ser divulgadas e ouvidas, a censura foi dirimida significativamente. (BRENER; SADER, 1991).

Perante a abertura promovida por Gorbatchev, as manifestações nacionalistas, culturais e religiosas, bem como reivindicações e lutas pela independência se tornaram cada vez mais freqüentes e saíram do controle do governo socialista soviético, marcando o fim do sonhado modelo alternativo socialista soviético. (BRENER; SADER, 1991).

Em suma, durante o período socialista, o partido se posicionou contra a religião e contra o nacionalismo, com exceção do nacionalismo grão-russo – contrariando o socialismo internacional idealizado por Marx. O mercado era de Estado, arbitrário em todos os sentidos,

o que resultou na formação de uma economia clandestina ilegal e de um mercado negro oficializado, chamado de mercado colcoziano ou de exploração coletiva. (BESANÇON, 1978).

No pós-Segunda Guerra, a ideologia comunista se espalhou por grande parte dos países do Leste Europeu, os quais

[...] passaram a adotar o modelo econômico e político da URSS, sem mudar uma vírgula: partido único, sustentado por imensas estruturas policiais repressivas, economia estatizada, sem qualquer espaço para a empresa privada, mesmo em pequena escala; planejamento econômico centralizado em mãos do regime. A recuperação das economias do Leste, destruídas durante a Segunda Guerra, teve como eixo a industrialização pesada, em detrimento da produção de bens de consumo.

A propriedade privada transferiu-se em bloco para as mãos do Estado, e os antigos burgueses, e até comerciantes e artesãos, foram duramente perseguidos. Os novos regimes – filhotes do stalinismo – adotaram também a coletivização forçada na zona rural, onde os camponeses tinham historicamente grande importância. O que causou, à semelhança do que ocorria na URSS, uma violenta queda na produção agrícola e a resistência dos camponeses, dobrada por meio da força. A exemplo da russificação15

na URSS, o mosaico de povos do Leste teve massacrada qualquer tentativa de manifestação cultural e religiosa. (BRENER; SADER, 1991, p.14-15).

Tal alcance do modelo soviético se deu, além de pela força militar da URSS, pelo “apoio da URSS aos ‘movimentos de libertação nacional’ no Terceiro Mundo [...] (e) as conquistas sociais instituídas: educação e saúde gratuitas, expectativa de pleno emprego, inflação baixa, (que eram) de fato novidades na área”. (BRENER; SADER, 1991, p.17).

Visto que o socialismo implantado – primeiramente, na Rússia, a qual foi ampliada para URSS, e posteriormente, após a Segunda Guerra Mundial, estendida aos países do Leste Europeu – pretendia reorganizar o sistema mundial e provar sua capacidade de substituir o sistema capitalista vigente, instaurou-se um conflito que envolveu todo o globo terrestre por décadas. Esse período histórico que dividiu o mundo em dois pólos de poder foi denominado Guerra Fria e será descrito a seguir.

15

Jayme Brener e Emir Sader, no livro Leste europeu: a revolução democrática, definem russificação como o favorecimento da maioria russa, projetado por Stálin. Processo no qual os povos dos países parte da URSS “foram impedidos de cultivar livremente suas tradições culturais e religiosas”

3 O SISTEMA INTERNACIONAL BIPOLAR

Em 1945, com a derrota da Alemanha de Hitler pelos Aliados – Inglaterra, França, EUA e URSS – fenece a Segunda Guerra Mundial. As atrocidades da guerra e suas conseqüências econômicas, políticas, sociais e estruturais, tornam imprescindível a criação de um organismo universal que vise a manutenção da paz. O resultado é a Organização das Nações Unidas (ONU), que conta com a participação de Estados de todo globo e é composto por vários outros órgãos. Dentre eles está o Conselho de Segurança, composto pelos grandes vencedores da Segunda Guerra mundial, e os únicos com poder de veto. (HERZ; HOFFMANN, 2004).