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O socialismo soviético e o ateísmo na extinta república democrática alemã

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA INGRID SOUZA DE MENEZES GOULART

O SOCIALISMO SOVIÉTICO E O ATEÍSMO NA EXTINTA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMÃ

Florianópolis 2014

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INGRID SOUZA DE MENEZES GOULART

O SOCIALISMO SOVIÉTICO E O ATEÍSMO NA EXTINTA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMÃ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de graduação em Relações Internacionais, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.

Orientador temático: José Baltazar Salgueirinho Osório D´Andrade Guerra, Dr.

Florianópolis 2014

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INGRID SOUZA DE MENEZES GOULART

O SOCIALISMO SOVIÉTICO E O ATEÍSMO NA EXTINTA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMÃ

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais e aprovada em sua forma final pelo Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina.

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RESUMO

Com o intuito de analisar quais características da ideologia do socialismo soviético contribuíram para o ateísmo na antiga e extinta República Democrática Alemã, esta monografia, utilizando-se da pesquisa exploratória e de uma abordagem qualitativa, buscou expor, em um primeiro momento, conceitos chaves para facilitar a compreensão do leitor acerca do tema proposto, sendo eles os conceitos de religião, ateísmo, ideologia, racionalismo, capitalismo, socialismo e materialismo dialético. A pesquisa segue provendo uma contextualização, descrevendo o sistema internacional bipolar, os anos de Guerra Fria e o embate ideológico entre os sistemas capitalista e socialista. Na sequência, é discorrido sobre a República Democrática Alemã (RDA) no período bipolar, englobando aspectos políticos, sociais e econômicos. Por fim, aborda-se o tema do ateísmo no marxismo-leninismo e a relação entre o socialismo real e o ateísmo na RDA, disponibilizando ao leitor um breve histórico de religião e laicidade na Alemanha, o ateísmo e a religião na RDA durante o regime socialista e após a reunificação. Como resultado, a pesquisa indicou que as características da ideologia do socialismo soviético que contribuíram para a disseminação do ateísmo na RDA foram a visão da religião como instrumento de alienação e predomínio da classe dominante, o materialismo dialético, a escassez de liberdade religiosa, a propaganta antirreligiosa/ateísta e a imersão da política, da cultura e da educação na ideologia ateísta marxista-leninista. Conclui-se, portanto, o nexo de causalidade entre o alto grau de ateísmo na RDA e a ideologia do socialismo soviético, sendo esta última, somada a atitudes do governo socialista na Alemanha Oriental, o principail agente propagador do ateísmo neste país.

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ABSTRACT

In order to analyze which characteristics of the Soviet Socialism’s ideology contributed to atheism in the former German Democratic Republic, this monography, using the exploratory and qualitative approach, sought to expose, at first, key concepts to facilitate the reader's understanding about the proposed theme, namely the concepts of religion, atheism, ideology, rationalism, capitalism, socialism and dialectical materialism. The research follows providing a contexto that describes the bipolar international system, the years of the Cold War and the ideological struggle between the capitalist and socialist systems. Following, it is broacehd the subject of German Democratic Republic (GDR) in bipolar period, encompassing political, social and economic aspects. Finally, it approaches the topic of atheism in Marxism-Leninism and the relationship between socialism and atheism in the GDR, providing the reader with a brief history of religion and secularism in Germany, as well as a view of the atheism and religion in the GDR during the socialist regime and after reunification. As a result, the research indicated that the characteristics of the ideology of the Soviet socialism that contributed to the spread of atheism in the GDR were the view of religion as an instrument of alienation and dominance of the ruling class, dialectical materialism, the lack of religious freedom, antireligious and atheist propaganta, and the immersion of politics, culture and education in the Marxist-Leninist atheistic ideology. Therefore, it was concluded cause-effect connection between the high degree of atheism in the GDR and the Soviet Socialism’s ideology, the latter being added to the attitudes of the socialist government in East Germany, is the main propagator agent of atheism in the country.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 7

1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA ... 7

1.2 OBJETIVOS ... 9 1.2.1 Objetivo geral ... 9 1.2.2 Objetivos específicos ... 9 1.3 JUSTIFICATIVA ... 9 1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 11 1.5 ESTRUTURA DA PESQUISA ... 12

2 IDEOLOGIA, RELIGIÃO E ATEÍSMO: CONCEITOS OPERACIONAIS ... 14

2.1 RELIGIÃO: CONCEITO ... 14 2.2 ATEÍSMO: CONCEITO ... 17 2.3 O QUE É IDEOLOGIA? ... 20 2.3.1 Racionalismo ... 23 2.3.2 Capitalismo ... 25 2.3.2.1 Características ... 27

2.3.3 Críticas socialistas ao modelo capitalista ... 28

2.3.4 Socialismo ... 30

2.3.4.1 Características ... 31

2.3.4.2 Materialismo Dialético ... 32

2.3.4.3 O Socialismo Realmente Existente ... 34

3 O SISTEMA INTERNACIONAL BIPOLAR ... 38

3.1 DESDOBRAMENTOS DA GUERRA FRIA ... 38

3.1.1 Descrição do conflito ... 39

3.1.2 Embate ideológico ... 40

3.2 A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMÃ NO PERÍODO BIPOLAR ... 47

4 O ATEÍSMO NA IDEOLOGIA DO SOCIALISMO SOVIÉTICO ... 54

4.1 ATEÍSMO E MARXISMO-LENINISMO ... 54

4.1.1 Marx e o ateísmo ... 54

4.1.2 O ateísmo no contexto marxista-leninista ... 55

4.2 RELAÇÃO ENTRE O SOCIALISMO REAL E O ATEÍSMO NA EXTINTA RDA ... 63

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4.2.2 Ateísmo e Religião na Alemanha Oriental durante a Guerra Fria ... 65

4.2.2.1 O Jugendweihe ... 68

4.2.3 Ateísmo e Religião na Alemanha Oriental após a reunificação ... 70

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 74

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1 INTRODUÇÃO

Neste primeiro capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) serão expostos os itens essenciais para presente pesquisa. Primeiramente, é apresentada a exposição do tema e do problema, sendo este seguido pelo relato dos objetivos geral e específicos, os quais são as metas que o trabalho busca alcançar. Segue-se com a justificativa da autora em relação ao tema escolhido, bem como com o procedimento metodológico a ser utilizado durante o desenvolvimento da pesquisa. O capítulo introdutório será finalizado com a estrutura da pesquisa, proposta para realização do TCC.

1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA

Devido à participação protagonista e bem sucedida da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), na resolução da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), após sua vitória contra os soldados nazistas, as tropas soviéticas de Stalin, o então chefe de estado da URSS, permaneceram em território alemão, com o intuito de expandir seus limites e ideais socialistas, os quais afloraram na Revolução Russa de 1917. Percebendo os interesses da URSS, seu “companheiro de guerra”, os Estados Unidos da América (EUA) viram ameaçada sua ideologia política, social e econômica, o denominado capitalismo.

Sendo capitalismo e socialismo grandes teorias ideológicas e sistêmicas opostas, os aliados em guerra tornaram-se competidores em tempos de paz, iniciando a chamada Guerra Fria (1945-1989), uma disputa por áreas as quais eles pudessem influenciar com suas ideias, propagando-as com o propósito de provar sua eficácia frente à teoria oponente. Para tanto, a derrotada Alemanha nazista foi extinta, e seu território foi dividido entre os principais vencedores da guerra, os idealistas do capital e do social. Os ocidentais, EUA, França e Inglaterra, detiveram a parte ocidental da Alemanha, que foi denominada República Federal da Alemanha (RFA), já seu oponente soviético obteve a parte oriental, que foi chamada República Democrática Alemã (RDA).

Como mencionado a princípio, a URSS, com todo seu DNA imperial, buscava esticar seus domínios, bem como alavancar seu sistema socialista, fundamentado nas teorias de Marx e Lênin. Em seus estudos, tais pensadores criticavam veemente o capitalismo e a desigualdade que este acarretava, e defendiam a igualdade no mais alto nível possível, condenando qualquer tipo de variável que induzisse ou instigasse conflitos ou que, simplesmente, provocassem discórdias, desentendimentos ou forte oposição de ideias. Entre

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as variáveis levantadas pelos teóricos acima citados, se encontra a religião. “O marxismo-leninismo como ideologia sempre foi ateísta, embora não devesse ser nem uma coisa nem outra”. (LINDOSO, 1987, p.79). Ora, observando a história do mundo e das civilizações, é inegável que grandes confrontos e, até mesmo, massacres e genocídios foram realizados em nome da fé. É visível, portanto, o fato de que diferentes “fés” suscitam conflitos gravíssimos e, por inúmeras vezes, irreconciliáveis.

Para Marx (1843, p.145, grifo do autor), as religiões têm papel histórico com reflexo negativo e opressor nas sociedades de classe: feudalismo, capitalismo, escravismo, entre outros. Além disso, o autor afirma que a religião é uma forma de alienação, nas palavras do próprio autor: “A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência de sua felicidade real”, por outro lado, Marx reconhece a religião como sendo uma forma de expressão, uma maneira de protestar, e afirma “A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito”. Seguindo então a famosa frase do pensador: “A religião é o ópio do povo”, ou seja, algo que “amortece a miséria real”.

Considerando as afirmações acima, percebe-se que para Marx (1843), a religião inibe o pensamento racional do homem, e por isso deve ser abandonada. Todavia, é interessante ressaltar que o autor defendia a liberdade de consciência, inteirando que de forma pessoal e privada, sem influenciar a outros, os indivíduos são livres para fazer suas orações. (LINDOSO, 1987).

A RDA viveu longos anos sob forte influência socialista, o que provocou mudanças e formou valores e opiniões na população do país. Consequentemente, hoje em dia podemos observar que embora o número de religiosos na Alemanha seja significativo (ultrapassa metade da população), eles se concentram na parte ocidental do país, enquanto, curiosamente, mas não surpreendentemente, a maior porcentagem de ateístas se encontra na parte oriental. É interessante neste ponto relatar que, em sua matéria do dia 22 de setembro, Thompson (2012), do jornal The Guardian, atribui à parte oriental da Alemanha o título de “the most Godless place on earth”, isto é, “o lugar mais ‘sem Deus’ (ou ateu) na terra”, apresentando argumentos e estatísticas que veremos mais adiante em nossa pesquisa.

Surge, por conseguinte, a questão central desta pesquisa. Visto que a ideologia presente e o cenário em que se está inserido interferem na formação do indivíduo e impactam, até mesmo, as gerações futuras da população de determinado território, cabe indagar: quais as características da ideologia do socialismo soviético serviram para propagar o ateísmo na RDA?

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1.2 OBJETIVOS

Com vistas a atingir de forma mais precisa os resultados almejados, serão apresentados, na sequência, os objetivos da presente pesquisa.

1.2.1 Objetivo geral

Como objetivo central, a monografia pretende analisar quais características da ideologia do socialismo soviético contribuíram para o ateísmo na antiga e extinta República Democrática Alemã.

1.2.2 Objetivos específicos

De forma a detalhar e complementar o objetivo geral, apresentam-se, a seguir, objetivos específicos a serem alcançados no decorrer do trabalho:

– Definir Religião e Ateísmo;

– Conceituar Ideologia, Racionalismo, Capitalismo e Socialismo;

– Caracterizar o Socialismo Soviético, enquanto ideologia, no contexto do mundo bipolar e da Guerra Fria;

– Verificar a relação entre a ideologia marxista-leninista e o ateísmo;

– Apresentar, através de dados, as características antirreligiosas da ideologia do socialismo real servindo como propagadoras do ateísmo na Alemanha oriental.

1.3 JUSTIFICATIVA

É comum ouvir a expressão “religião e política não se discutem”. Usa-se tal expressão porque esses são dois temas que causam divergências, conflitos e até mesmo violência. São temas delicados, os quais quando discutidos separadamente já provocam polêmica, quanto mais quando são interligados. Observa-se, portanto, que as pessoas acabam por ser, de alguma forma, influenciadas por suas crenças políticas e religiosas, e refletem, através de ações em seu cotidiano, as doutrinas e ideologias das quais fazem parte.

Independente do que se crê (ou não), é inegável a extensão do alcance, autoridade, crédito, importância e interferência da religião, durante toda a história da humanidade e, ainda, hoje. Este, por si só, já seria um tema bastante interessante para discussão. Sem embargo, quando relacionado a uma ideologia política como o socialismo, o qual declara expressamente, em sua base teórica, uma visão ínfima e, até mesmo, pejorativa da religião, o tema se torna muito mais atraente.

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Dentro deste contexto, outro fator que desperta o interesse é como a ideologia dominante pode afetar fortemente a vida de um indivíduo. Isto é, o ser humano é, até certo ponto, fruto da sociedade em que está inserido, e esta, juntamente com a cultura local, exerce uma influência incrível sobre o homem, quem ele é, no que ele crê, seus valores e princípios, até mesmo seu caráter e personalidade. Neste sentido, o fato de a autora ter, dentro do círculo familiar, contato com indivíduos que nasceram e se criaram sob o regime socialista na RDA, tomando parte efetiva na história e na vida do socialismo soviético, estimulou-a a pesquisar de forma mais detalhada acerca do tema.

Reforçando a afirmação acima, uma pesquisa intitulada “Beliefs about God across Times and Centuries”, realizada por Tom W. Smith, na Universidade de Chicago, indicou a Alemanha Oriental como sendo o país mais ateu do mundo, chegando a 52% a porcentagem de pessoas que se declararam como tal. O que não significa que aqueles os quais não se auto-declararam ateus creiam em um Deus, um ser espiritual e manifestem algum tipo de religiosidade. A pesquisa será citada novamente no item 4.3. (SMITH, 2012, p.2).

De acordo com o exposto nos parágrafos acima, torna-se evidente o quão interessante, atual e importante é o estudo deste tema, não só para satisfação intelectual pessoal, mas para todos, como acadêmicos do curso de Relações Internacionais e futuros atores no palco global, entenderem de forma mais abrangente, e menos etnocêntrica1, as diferenças culturais e de credo que permeiam a sociedade global e acabam por refletir em nossos comportamentos, bem como para que se possa compreender por que tais disparidades existem, para que eliminando a ignorância acerca do outro, seja possível aprimorar relacionamentos interpessoais, profissionais e diplomáticos.

No âmbito macro, a conjuntura moderna expressa vigorosamente, embora não sem protestos, globalização e interdependência. Países unem-se em blocos, buscam ansiosamente por parceiros que não se reduzam a parceiros comerciais, mas que manifestem igual apoio perante o mundo em questões políticas, sociais, e até mesmo éticas e morais. Ante tamanha interligação, as relações se intensificam e a urgência de conhecer o cenário mundial em que se está inserido torna-se iminente e inquestionável para a criação e manutenção de relacionamentos saudáveis e duradouros, especialmente no que se refere às relações internacionais. O presente estudo faz-se, portanto, um importante material adicional para o

1Na obra Antropologia Cultural, de 2008, Elíbio Júnior et. al, o etnocentrismo é considerado um julgamento da cultura do “outro”, em que a nossa cultura é tomada como única referência. Dessa forma negamos o “outro” muitas vezes sem mesmo conhecer melhor a sua cultura, criamos assim uma imagem distorcida e manipulada da realidade social e cultural.

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aprendizado, sendo o mesmo agregador de conhecimento histórico e cultural, enquanto amplifica a visão particular acerca do outro.

Ter ciência das variáveis que formam a sociedade que compõe o cenário global recente, quer sejam elas históricas, culturais, políticas, econômicas ou de credo – o enfoque será dado, principalmente, nesta última – bem como conhecer seus impactos e consequências sobre os indivíduos, é familiarizar-se, não apenas com o passado, mas também compreender o presente, tornando possível a participação ativa na história, nas relações e acontecimentos globais, passando de meros espectadores para efetivos atores.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Segundo Gil (2006, p.26), a metodologia científica é o “conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento”. Sendo assim, com a intenção de propiciar maior clareza ao leitor em relação à metodologia da pesquisa, isto é, os caminhos a serem seguidos para que esta seja concluída com êxito, serão destacados, a seguir, os procedimentos metodológicos que guiarão o trabalho até seus objetivos.

Para que o assunto seja demonstrado de forma prática e de fácil entendimento, o Quadro 1 exibe a classificação da presente monografia.

Quadro 1 – Classificação da pesquisa

Quanto à natureza Básica

Quanto aos objetivos Exploratória

Quanto à abordagem do problema Qualitativa

Quanto aos procedimentos Pesquisa bibliográfica e documental

Fonte: Elaborado pela autora, 2013.

Como se observa no Quadro 1, quanto à sua natureza, a pesquisa classifica-se como básica, a qual está “ligada ao incremento do conhecimento científico sem quaisquer objetivos comerciais”. (APPOLINÁRIO, 2006, p. 62). Essa característica define com precisão este Trabalho de Conclusão de Curso, cujo objetivo é analisar a relação entre o Socialismo Soviético e o ateísmo na Alemanha Oriental, não tendo, de fato e imediato, aplicação comercial direta.

Quanto aos seus objetivos, a pesquisa pode ser considerada exploratória, cuja finalidade, segundo Cervo e Bervian (1996, p. 49), é “familiarizar-se com o fenômeno (que

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está sendo estudado) ou obter nova percepção do mesmo e descobrir novas idéias”, o que, no caso desta pesquisa específica, se manifesta através do estudo acerca da experiência socialista alemã.

Visto que o enfoque desta monografia é, majoritariamente, analisar dados teóricos, experiências fáticas e não quânticas, a mesma é classificada como qualitativa, como afirma Minayo (1994, p. 21), a abordagem qualitativa “[...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.

Quanto aos procedimentos, a pesquisa caracteriza-se como: (1) bibliográfica e (2) documental, devido ao caráter das fontes em que serão buscadas as informações, livros e documentação já escritos sobre o assunto tema, e (3) estudo de campo.

Entende-se por pesquisa bibliográfica “aquela que se desenvolve tentando explicar um problema a partir das teorias publicadas em diversos tipos de fontes: livros, artigos, manuais, enciclopédias, anais, meios eletrônicos [...]”. (LEONEL; MOTTA, 2007, p.112). Por sua vez, a pesquisa documental, embora se pareça sobremaneira com a pesquisa bibliográfica, tem sua diferença destacada por Leonel e Motta (2007, p.146), a qual pode ser resumida pelo fato de fazer uso de “fontes primárias (de pesquisa): documentos oficiais, parlamentares, jurídicos, arquivos particulares, autobiografias, ” entre outros.

Na sequência será delineado o roteiro desta monografia, através da estrutura de pesquisa.

1.5 ESTRUTURA DA PESQUISA

Com o intuito de elucidar o leitor quanto ao que encontrará na presente pesquisa, descrever-se-á, nos parágrafos a seguir, uma síntese com os principais tópicos a serem abordados em cada capítulo deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Em um primeiro momento, no capítulo que segue esta explanação, será oferecida para leitura a fundamentação teórica, a qual pretende embasar o leitor, apresentando conceitos indispensáveis com o objetivo de contextualizar e facilitar sua compreensão sobre o tema principal: identificar as características da ideologia do socialismo real que contribuíram para a propagação do ateísmo na RDA. Para isso, serão trazidas definições e concepções de diferentes autores a respeito de religião, ateísmo, ideologia, racionalismo, capitalismo e socialismo, seguindo uma ordem lógica e cronológica.

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No capítulo três, será relatado o contexto histórico que abarcou os fenômenos do embate capitalismo versus socialismo, a denominada Guerra fria, que persistiu até o início da década de 1990. Ademais, destacar-se-á uma breve descrição do cenário da RDA no período em que o território alemão oriental se encontrava sob a autoridade do socialismo soviético.

Por conseguinte, o capítulo quatro exibirá a relação entre religião, ateísmo e marxismo-leninismo. Além disto, neste capítulo serão estudados dados factíveis da ideologia do socialismo real como válvula propulsora do ateísmo na Alemanha Oriental.

Para finalizar a pesquisa, apresentar-se-ão, no capítulo cinco, as considerações finais, confrontando a proposta inicial do trabalho com os resultados obtidos, e trazendo ao leitor uma visão sintética e analítica do conteúdo estudado e exposto neste TCC.

É de extrema importância que o leitor tenha em mente que esta pesquisa não pretende esgotar nenhum dos conceitos e assuntos abordados, reconhecendo que há uma grande variedade de autores, os quais tratam dos temas expostos, que não foram incluídos na monografia. Portanto, torna-se evidente as limitações da pesquisa e, concomitantemente, as oportunidades de melhoria que podem ocorrer a partir da mesma.

Assim, depois de exibidas com clareza as fases de desenvolvimento do TCC, prossegue a fundamentação teórica, cujo objetivo será tratado de maneira mais aprofundada no capítulo seguinte.

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2 IDEOLOGIA, RELIGIÃO E ATEÍSMO: CONCEITOS OPERACIONAIS

Com o objetivo de proporcionar uma melhor compreensão do tema proposto, bem como contextualizá-lo, serão apresentados a seguir os principais conceitos que envolvem essa pesquisa. O primeiro conceito a ser abordado será o de Religião.

2.1 RELIGIÃO: CONCEITO

Independentemente da religião, é observável que o indivíduo o qual possui uma religião, e a pratica, tem sua vida, hábitos cotidianos, alimentares e de vestuário, relacionamento e comportamento, regrada pelos princípios e valores éticos e morais, trazidos por essa religião. Esta observação evidência a importância da religião na organização do convívio em sociedade.

Devido a essa função que a religião apresenta de condicionar a vida do homem, alguns autores expõem a religião como “A visão do mundo, associada ao sentido da vida, e a ética, normas, regras ou valores”. (GLOCK e STARK, 1969; GEERTZ, 1966; BIRD, 1990; OLIVEIRA, 1995; COSTA, 2006; MARGRY, 2008 apud COUTINHO, 2012, 178).

Entretanto, assim como sobre a ideologia, acerca de religião existem diversas definições, as quais estão em constante evolução, se adaptando aos movimentos históricos, culturais, sociais e geográficos. O termo religião em si, é produto ocidental, suas características, práticas e conteúdos, porém, são anteriores ao termo cunhado para defini-los. (SILVA, 2004).

É interessante notar que o contexto cultural influencia não apenas na religião, mas na conceituação da mesma.

Nas sociedades ocidentais, onde se associa a religião à relação com algo transcendente, ela é sistema mediador entre o homem e entidades superiores. O Ocidente, altamente marcado pela cultura judaico-cristã, releva o Deus único e transcendente. Nas sociedades orientais, budistas e hinduístas, a transcendência não está presente, mas antes o panteísmo, um deus em tudo. Assim, a religião não é ligação a algo superior e transcendente, mas à própria natureza, a todos os seres vivos. [...] Sobressai das designações o sentido de algo para além da realidade ou da natureza humanas. (COUTINHO, 2012, p.176).

Alguns autores “definem religião como sendo a crença na existência de um poder sobrenatural, criador e controlador do Universo, dando ao homem uma natureza espiritual que continua a existir depois da morte do corpo”. (PANZINI et al, 2007 apud CAMBOIM; RIQUE, 2010, p. 252).

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Sem embarco, tal definição é limitada, sendo que os elementos apontados como componentes de religião, não são, necessariamente encontrados todos em todas as religiões. Existem algumas, por exemplo, que acreditam na criação, porém não acreditam na manutenção ou controle do Universo, outros acreditam que a “natureza espiritual” é intrínseca e, portanto, inseparável do corpo material.

Coutinho (2012, p. 179) aponta, de forma concisa, definições de religião marcadas por seu “[...] sentido depreciativo e alienante [...], (como por exemplo) para Feuerbach (1854), a religião é a adoração da natureza humana; em Freud (2008), consiste na neurose obsessiva universal; e Marx (1976) assume-a como ópio do povo”.

Gaarder et. al. (2000), em sua obra “O Livro das Religiões”, cita definições de religião de diversos autores como: Friedrich Schleiermacher (1768-1834) “A religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta dependência”; C. P. Tiele (1830-1902) “Religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acredita ou do qual se sente dependente. Essa relação se ex-pressa em emoções especiais (confiança, medo), conceitos (crença) e ações (culto e ética) ” e Helmuth von Glasenapp (1891-1963) “A religião é a convicção de que existem, poderes transcendentes, pessoais ou impessoais, que atuam no mundo, e se expressa por insight, pensamento, sentimento, intenção e ação”.

Não obstante as conceituações se apresentarem como coerentes, elas são, cada qual ao seu modo, incompletas, não abrangendo os aspectos que contribuíram para a construção da religião, a saber, o determinante histórico-cultural.

Segundo Silva (2004, p.4, grifo do autor), a maioria dos estudiosos entende religião como “[...] um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos

dentro de universos históricos e culturais específicos”.

Esta definição é bastante abrangente, e engloba não apenas as religiões ocidentais formais, mas também, os rituais e tradições do oriente, e condiciona a religião a uma história e cultura, isto é, fatos e situações enfrentadas pelas populações de determinados locais, em determinadas épocas, resultam em crenças e práticas, as quais são abraçadas e tradicionalmente passadas às futuras gerações.

Durante séculos, o homem foi um ser teocrático, místico, acreditando e creditando os acontecimentos mais corriqueiros do dia-a-dia, bem como sua situação sócio-econômica, fenômenos naturais e, até mesmo seus destinos, a Deus ou a deuses. O sobrenatural era o centro da vida humana, o real provinha e dependia do imaterial, e o que se via era decorrente do invisível. O fato de a autora estar usando o tempo verbal no passado não significa que hoje não existam indivíduos, grupos de pessoas, e mesmo povos inteiros que continuam crendo

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desta forma. O ponto é que nunca a ciência e o ateísmo foram tão fortes como o são hoje, sendo a religião alvo de duras críticas e seus adeptos cunhados desde ingênuos, passando por ignorantes, até aproveitadores. (SETZER, 2010; DIX, 2007).

O pensamento cristão começa a secularizar-se na época moderna. A teologia, a rainha das ciências medievais, suportada pela filosofia e pelas artes liberais, perde paulatinamente o seu domínio. Na diferenciação e na especialização modernas, os conhecimentos emancipam-se da filosofia e da influência religiosa, arrumando-se em disciplinas distintas e autónomas. Primeiro, surgem as ciências naturais no século XVII, com o desenvolvimento do método científico. Mais tarde, nos séculos XVIII e XIX, despontam as humanidades. A religião passa a ser estudada pelas disciplinas emergentes (sociologia, antropologia, história e psicologia) de forma crítica e, assim pretensamente, mais objetiva. [...] A secularização impõe-se como o paradigma dominante [...]. (COUTINHO, 2012, p.172).

Frente à tamanha secularização, diversos teóricos e cientistas, ousaram prever o fim da religião nas sociedades atuais (PEREIRA, 2008), porém

Visto que a religião constitui, sem dúvida alguma, uma das expressões mais antigas e universais da alma humana, subtende-se [...] a religião, além de ser um fenômeno sociológico ou histórico, é também um assunto importante para grande número de indivíduos. (JUNG, 1978, p.6 apud PEREIRA, 2008).

Considerando a importância que a religião ainda apresenta a inúmeros indivíduos, e a autora se aventura a ir mais longe, afirmando que a religião ainda é o centro diretor de povos e nações, confirma-se a presença inquestionável da religião no passado, presente e, muito provavelmente, no futuro.

É compreensível, contudo, os conceitos e preconceitos da ciência, da política e de algumas teorias em relação à religião e às igrejas, visto que por um longo período os descrentes foram apontados e perseguidos, sofrendo pressão e exclusão social, isto somado à intervenção da igreja e sua supremacia na política mundial após a queda do Império Romano, seus longos anos de monopólio do conhecimento. (WEBER, 2008).

Tal abrangência da religião, isto é, sua capacidade ou vontade de estar presente em todos os âmbitos da vida do homem, provêm de seu objetivo de desvendar, expor e compartilhar o sentido da vida, “E talvez seja esta a marca de todas as religiões, por mais longínquas que estejam umas das outras: o esforço para pensar a realidade toda a partir da exigência de que a vida faça sentido”. (ALVES, 2013).

A partir do pressuposto apresentado acima, pode-se compreender melhor o embate entre a teoria, ou ideologia marxista e a religião, haja vista o desígnio de ambas em apresentar uma visão de mundo completa por si só, “auto-suficiente” até certa medida, e capaz da “dar sentido” e nortear a vida do homem.

Quem vê na ideologia tipo de religião, vê nas ideologias patriotismo, comunismo, nacionalismo, entre outras, religiões civis ou seculares. Estas religiões oferecem

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visões do mundo particulares, viradas para a ação, com o carisma associado aos seus líderes. Querem sempre mudar o mundo, concorrendo com as religiões tradicionais, esboroando o seu domínio. (COUTINHO, 2012, p.184).

Para melhor entendimento acerca do tema, será apresentado, a seguir, o conceito de ateísmo.

2.2 ATEÍSMO: CONCEITO

É visível o avanço da ciência nos últimos séculos, trazendo consigo novas formas de explicar o mundo e os fenômenos ao nosso redor, que não o teológico. Isso tem afetado profundamente as religiões, impactando em seu número de adeptos e praticantes. Existem atualmente, diversas filosofias de vida as quais podem ser teístas (que crêem na existência de um Deus) ou não. O fato é que a secularização, isto é, a perda de influência da religião na vida da sociedade e o enfraquecimento dos valores éticos e morais por ela ensinados, tem se tornado um fenômeno cada vez mais comum. (GAARDER, 2002).

A teoria da secularização padrão tem argumentado que as sociedades se tornam menos religiosas enquanto elas se desenvolvem com educação e a ascensão da ciência, minnando tanto a crença quanto as práticas religiosas. [Por outro lado, alguns] […] argumentam que o desenvolvimento reduz a "insegurança existencial", e esta, por sua vez, diminui a demanda por (ou necessidade de) religião. Outros argumentam que a religião tem sofrido e vai continuar a sofrer uma transformação (como um aumento da espiritualidade ao lado de um enfraquecimento da religião organizada, Smith, 2009), mas não um claro declínio.2 (KAY, 1997; VOAS, 2009; NORRIS, INGLEHART, 2011; SMITH, 2009 apud SMITH, 2012)

Com o intuito de subsidiar a presente monografia, a pesquisa se aterá ao ateísmo, apresentando seu conceito, por diferentes autores.

Ateístas e teístas, usualmente, discordam quanto à definição do termo ateísmo. Anelando a não distorção do termo, optar-se-á por apresentar os conceitos dos próprios ateus sobre o ateísmo. Não obstante, nota-se que ainda dentro do próprio ateísmo, existem controvérsias no que se refere à definição do termo e sua abrangência. (AMERICAN ATHEISTS CENTER, 2014).

Se você procurar ‘ateísmo’ no dicionário, você provavelmente o encontará definido como a crença de que não existe Deus. Certamente, muitas pessoas entendem ateísmo desta forma. Porém, muitos ateistas não, e isto não é o que o termo significa se considerarmos do ponto de vista de suas raízes gregas. Em grego ‘a’ significa ‘sem’ ou ‘não’ e ‘theos’ significa deus. A partir deste ponto de vista, um ateísta seria simplesmente alguém sem a crença em Deus, não necessariamente alguém que

2 Standard secularization theory has argued that societies become less religious as they develop with education and the rise of science undermining both religious belief and religious practices (Kay, 1997; Voas, 2009). Norris and Inglehart (2011) argue that development reduces “existential insecurity” and this in turn lessens the demand for (or need for) religion. Others have argued that religion has been undergoing and will continue to undergo a transformation (such as a rise in spirituality alongside a weakening of organized religion, Smith, 2009), but not a clear decline.

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acredita que Deus não existe. Então, de acordo com suas raízes gregas, ateísmo é uma visão negativa, caracterizada pela ausência de crença em Deus.3 (MARTIN aput CLINE, 2014, tradução nossa).

Os ateístas se subdivem em dois grupos: os chamados ateístas “simplórios” ou “negativos” e os ateístas “intensos” ou “positivos”. O primeiro grupo sustenta a tese de que os ateus simplesmente possuem a ausência da crença em um Deus ou deuses. Isto significa que eles não afirmam a inexistência de seres sobrenaturais, apenas não creem no que o teísmo prega. Portanto, podem-se chamar estes ateus de passivos, pois não retem para si a missão de provar que Deus não existe. Para eles, o “ônus da prova”, isto é, o dever de provar que uma proposição é verdadeira, está com os que afirmam que Deus existe. (CARRIER, 1996; SMITH, 2014).

Neste caso, “o ateísta, por sua vez, não necessariamente oferece uma explicação; ele simplesmente não aceita a explicação teísta. Portanto, o ateísta apenas precisa demonstrar que o teísmo tem falhado em justificar sua [própria] posição”.4 (JOHNSON apud CLINE, 2014, tradução nossa).

Corroborando com está visão, Barker (2014, tradução nossa), escreve que o “ateísmo não é uma crença. É a ‘falta de uma crença’ em deus(ses). Falta de fé não requer fé. Ateísmo é, na verdade, baseado em um compromisso com a racionalidade [...]”.5

Já o grupo dos ateístas “positivos”, afirmam a não existência de seres sobrenaturais, fazendo, desta maneira, pesar sobre eles o “ônus da prova”. “Este tipo de evidente negação da existência de um deus ou deuses é uma subcategoria de um tipo mais amplo de abordagem, o qual deveria, de maneira geral, ser conhecido como ateísmo”.6 (SMITH, 2014, tradução nossa). O ateísmo positivo,

“[...] explicitamente”, nega a existência de quaisquer deuses – fazendo uma forte alegação que merecerá apoio em algum ponto. Alguns ateístas fazem isto e outros podem fazer isto em relação a certos deuses específicos, mas não a outros. Deste

3 If you look up 'atheism' in the dictionary, you will probably find it defined as the belief that there is no God. Certainly many people understand atheism in this way. Yet many atheists do not, and this is not what the term means if one considers it from the point of view of its Greek roots. In Greek 'a' means 'without' or 'not' and 'theos' means 'god.' From this standpoint an atheist would simply be someone without a belief in God, not necessarily someone who believes that God does not exist. According to its Greek roots, then, atheism is a negative veiew, characterized by the absence of belief in God.

4

The atheist, for his part, does not necessarily offer an explanation; he simply does not accept the theist's explanation. Therefore, the atheist need only demonstrate that the theist has failed to justify his position.

5

Atheism is not a belief. It is the "lack of belief" in god(s). Lack of faith requires no faith. Atheism is indeed based on a commitment to rationality […].

6 This kind of overt denial of the existence of a god or gods is a sub-category of a broader kind of approach which should in a general sense be known as atheism.

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modo, uma pessoa pode possuir não-crença em um deus, mas negar a existência de outro deus.7 (CLINE, 2014, tradução nossa).

De acordo com Fields (1980, tradução nossa), “ateísmo é a realidade do mundo, é a razão, é a liberdade, ateísmo é preocupação humana e honestidade intelectual a um grau que as mentes religiosas não conseguem começar a entender”. Para o autor “ateísmo é meramente o alicerce da sanidade em um mundo de loucura”.8

Ateísmo é mais do que apenas o conhecimento de que Deus não existe, e que a religião é ou um erro ou uma fraude. Ateísmo é uma atitude, a estrutura de uma mente que olha para o mundo de forma objetiva, sem medo, sempre tentando entender todas as coisas como parte da natureza. Poderia ser dito que ateísmo tem a doutrina de questionar e o dogma de duvidar. É a mente humana em seu ambiente natural, nada é tão santo que não possa ser investigado, nem tão sagrado que não possa ser questionado. A bíblia ateísta, poderia se dizer, possui apenas uma palavra: ‘PENSAR’. Ateísmo é a completa emancipação da mente humana das correntes e medos da superstição.9 (FIELDS, 1980, tradução nossa).

Nota-se que Fields, de certa forma, expressa claramente que o ateísmo é mais do que apenas a refutação da teoria teísta. Para o autor, o ateísmo é a crença na capacidade de raciocínio e livre pensamento do ser humano.

Reforçando o conceito pontualmente mais científico e ativo de Fields, o American Atheists Center (2014), afirma que “ateísmo pode ser definido como uma atitude mental, a qual aceita, incondicionalmente, a supremacia da razão e visa estabelecer um estilo de vida e perspectiva ética verificável pela experiência e métodos científicos, independente de todas as suposições arbitrárias de autoridades e credos”.10

Pode-se citar Nietzsche como um dos autores que exprime as mais duras críticas contra a religião e os religiosos. Para o autor, particularmente, o ateísmo era um instinto seu. “Sou demasiado curioso, demasiado problemático, demasiado insolente, para me contentar com uma resposta grosseira. Deus é uma resposta grosseira, uma indelicadeza para conosco,

7 […] explicitly denies the existence of any gods — making a strong claim which will deserve support at some point. Some atheists do this and others may do this with regards to certain specific gods but not with others. Thus, a person may lack belief in one god, but deny the existence of another god.

8

Atheism is the world of reality, it is reason, it is freedom, Atheism is human concern, and intellectual honesty to a degree that the religious mind cannot begin to understand. [...] Atheism is merely the bed-rock of sanity in a world of madness.

9 Atheism is more than just the knowledge that gods do not exist, and that religion is either a mistake or a fraud. Atheism is an attitude, a frame of mind that looks at the world objectively, fearlessly, always trying to

understand all things as a part of nature. It could be said that Atheism has a doctrine to question and a dogma to doubt. It is the human mind in its natural environment, nothing is too holy to be investigated, nor too sacred to be questioned. The Atheist Bible, it could be said, has but one word: "THINK." Atheism is the complete

emancipation of the human mind from the chains and fears of superstition. 10

Atheism may be defined as the mental attitude which unreservedly accepts the supremacy of reason and aims

at establishing a life-style and ethical outlook verifiable by experience and scientific method, independent of all arbitrary assumptions of authority and creeds.

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pensadores – no fundo, é mesmo apenas uma grosseira proibição: não deveis pensar!” (NIETZSCHE, 1888, p. 25).

São variadas as obras do escritor que se referem ao tema, contudo, serão relatados nesta monigrafia, apenas alguns trechos de sua obra.

Em sua obra “Assim Falava Zaratustra” o autor escreveu:

Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrestres. São envenenadores, quer o saibam ou não. São menosprezadores da vida, moribundos que estão, por sua vez, envenenados, seres de quem a terra se encontra fatigada; vão-se por uma vez!” (NIETZSCHE, 2002).

Por fim, em sua obra Ecce Hommo, Nietzsche afirma com desdém: “[…] as religiões são afazeres da ralé, e eu preciso sempre lavar as mão depois de estar em contato com homens religiosos... Nada quero com ‘crentes’ [...]”. (NIETZSCHE, 1888, p. 102).

Considerando os textos acima, pode-se observar que, assim como uma religião, o ateísmo possui adpetos moderados, respeitosos e que buscam usar a razão e, também, possui aqueles ateístas fanáticos, que pretendem levar a mensagem do ateísmo para o mundo e que demonstram preconceito para com os “crentes”.

Com o intuito de dar continuidade a pesquisa, esclarerce-á, no item seguinte, o conceito de ideologia.

2.3 O QUE É IDEOLOGIA?

Torna-se impossível a realização deste trabalho, que tem por peças-chave as ideologias socialista e capitalista, como teorias antagônicas, bem como abrange a ideologia racionalista e, em destaque, a religião, sem entender a definição do termo ideologia, ressaltando, porém, que não se tem, nesta pesquisa, a pretensão de esgotar o tema ou, sequer, explorá-lo a fundo. Apenas serão expostas breves definições, sem mergulhar em seus contextos – reconhecendo, contudo, sua importância – para que o leitor se sinta a vontade com o termo.

Para isso, se usará conceitos de autores consagrados, começando por Destutt de Tracy, o primeiro pensador a utilizar o termo ideologia. Tracy via a ideologia como o estudo científico de ideias, isto é, algo que pode ser examinado, observado e experimentado, como a relação entre o homem e o ambiente. Ademais, sendo o filósofo “contra a educação religiosa e metafísica [...]. De Tracy propõe o ensino das ciências físicas e químicas para ‘formar um bom espírito’, isto é, um espírito capaz de observar, decompor e recompor os fatos, sem se perder em vazias especulações”. (CHAUÍ, 1980, p.10).

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De acordo com Trotta (2013, p.64), “a proposta de Tracy era formular uma ciência que estudasse a origem e o processo de formação das idéias nos homens. ” Percebe-se, pois, que para o “fundador da ideologia”, esta não pretendia ser mais, nem menos, que uma ciência experimental e material da realidade, passível de experimentação e livre de cargas pessoais, caracterizando uma ciência natural, isto é, um estudo de como as idéias são produzidas, separando tal processo do contexto histórico e social.

É nesse período que surge a visão de Napoleão Bonaparte sobre ideologia. Em 1812, quando ainda forte na Revolução, Napoleão declarou no Conselho de Estado:

Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia, essa tenebrosa metafísica que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história. (BONAPARTE, 1812 apud CHAUÍ, 1980, p.11).

Tal declaração deu a palavra ideologia uma conotação negativa, totalmente contrária ao que intencionava Tracy. De uma ciência natural que, ao invés de interferir no ambiente, apenas o observa, a ideologia passa a ser acusada de ser uma arma de manipulação das massas.

Há ainda a definição de Augusto Comte, que diz que “a ideologia se relaciona a um conjunto de idéias que pode explicar os fenômenos naturais e humanos; sendo assim, ideologia é sinônimo de teoria”. (CATELLI JÚNIOR, 2013). Para o autor, além do conceito pretendido por De Tracy, “ideologia passa a significar também o conjunto de idéias de uma época, tanto como ‘opinião geral’ quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores dessa época”. (CHAUÍ, 1980, p.11).

A partir da visão de Comte, a ideologia é mais que um estudo da ciência natural das idéias, está, agora, intimamente ligada à história. Já para Durkheim, ela é totalmente subjetiva e indigna de ser uma ciência natural, pois, em sua opinião, na ideologia não se consegue separar o pesquisador do objeto pesquisado (as idéias), sendo que os valores e tradições do sujeito são intrínsecos, não permitindo que ele seja um observador neutro de idéias. Suas opiniões, conceitos e preconceitos estarão sempre influenciando em seus diagnósticos. (CHAUÍ, 1980, p.12).

Para fechar a exposição dos pensadores clássicos que serão citados, será visto o que Karl Marx diz sobre ideologia. Em sua obra A Ideologia Alemã, escrita em parceria com Engels, Marx fala sobre a ideologia alemã especificamente, como o próprio título sugere, todavia, a forma como aborda o tema dá um vislumbre de características presentes em qualquer ideologia. De acordo com o autor, toda ideologia (política, econômica, jurídica,

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religião, moral, metafísica, etc.) é um reflexo invertido, resultado do “processo de vida histórico”, ou seja, é a projeção do que o homem pensa ser sua realidade, nas palavras de Marx "os produtos das cabeças dos homens acabam por se impor a suas próprias cabeças". (MARX, 1996, p.17).

Portanto, para o autor, a ideologia é uma “visão da realidade invertida”, pois é apenas aparência do real, uma “visão superficial” do que realmente existe, do que realmente somos. É o que pensamos ser, ou existir, e “que faz com que tomemos como causas dos fenômenos os seus efeitos”. (ALVES; CAMARGO, 1999). Sendo assim, Marx afirma que as ideologias não possuem autonomia, história ou desenvolvimento, são antes produto da mente de homens. Ilusões.

Até agora, os homens formaram sempre idéias falsas sobre si mesmos, sobre aquilo que são ou deveriam ser. Organizaram as suas relações mútuas em função das representações de Deus, do homem normal, etc., que aceitavam. Estes produtos do seu cérebro acabaram por os dominar; apesar de criadores, inclinaram-se perante as suas próprias criações. Libertemo-los portanto das quimeras, das idéias, dos dogmas, dos seres imaginários cujo jugo os faz degenerar. Revoltemo-nos contra o império dessas idéias. Ensinamos os homens a substituir essas ilusões por pensamentos que correspondam à essência do homem, afirma um; a ter perante elas uma atitude crítica, afirma outro; a tirá-las da cabeça, diz um terceiro e a realidade existente desaparecerá. (MARX, 1996, p.17).

De acordo com o exposto, o mundo é dominado pelas idéias, e por esse motivo, impera a ilusão sobre os homens. O que se tem por realidade não é. E essa falsa realidade deve desaparecer, de modo que o que realmente é seja visto de modo claro.

Outra característica que Marx confere a ideologia, é que esta se manifesta como uma arma na mão da classe dominante (burguesia capitalista), como uma estratégia para manter o status quo, o qual o favorece, ou, até mesmo, para expandir seus domínios. (MARX, 1996).

Há, contudo, quem diga que os conceitos citados estão demasiadamente limitados, e que não comporta o que de fato a ideologia abrange. Para Sousa Filho (2003), a ideologia vai além de “reprodução das relações econômicas e políticas”; se apresenta como

[...] a perpetuação das crenças que convertem as normas, padrões, costumes, instituições de uma ordem em coisas dadas, universais e imutáveis que torna possível que essa mesma ordem se conserve sem que seja posta em questão pelos que a ela estão submetidos. A ideologia, portanto, atende a esse “anseio” de toda ordem social em se preservar, [...] não sendo um atributo específico desta ou daquela expressão social, mas inerente a todo sistema de sociedade, e só secundariamente (por extensão de seus efeitos) podemos pensar que concorre para a reprodução das relações de produção. [...] a existência da ideologia e a existência de organização social são inseparáveis. Em qualquer sociedade em que se manifeste, a ideologia assegura a coesão social, regulando os vínculos que unem os indivíduos às normas e aos papéis que lhe são atribuídos. Permite que os membros de uma sociedade

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(qualquer sociedade) aceitem sem maiores resistências as tarefas, os papéis e os lugares sociais que lhe são atribuídos, engendrando as condutas. (SOUSA FILHO, 2003).

Ante os conceitos exibidos, é possível perceber que o significado de ideologia não pode ser aplicado hoje, como quando criado por Tracy. A evolução histórica se encarregou de alterar o emprego deste termo e, atualmente, torna-se impossível compreender ideologia como uma ciência natural, visto que esta está carregada de subjetivismo, tradições, estratégias e “segundas intenções”. A representação de Sousa Filho (2003), a qual será adota nesta pesquisa, embora um pouco mais ampla, não se encontra longe do conceito marxista, relatando a ideologia como uma forma de coerção social, e fixação do quadro presente a favor da classe dominante. A divergência se encontra na conotação dada a esta situação. Para Marx, algo a ser mudado, aniquilado, e que não estaria presente em uma sociedade comunista. Para Sousa Filho, um elemento imprescindível para manter a ordem social, parte existente em qualquer tipo de sociedade.

2.3.1 Racionalismo

A humanidade sempre viveu, de uma forma ou de outra, de maneira organizada, sob algum tipo de hierarquia ou coerção. Durante a Idade Antiga, na Europa, a autoridade era divina, em outras palavras, acreditava-se que tudo que existia, as atitudes tomadas, as circunstâncias políticas, econômicas e sociais eram todas determinadas por vontade de um ser superior, vontade essa que ia além da compreensão ou questionamentos dúbios. Contudo, na Idade Média a conjuntura muda, e o homem busca respostas para as diversas perguntas existenciais, “a perspectiva racionalista é resposta aos desafios de uma sociedade, que não pode mais encontrar fundamento sociopolítico na racionalidade divina enquanto reveladora de seus desígnios para o homem. Diante deste novo período, em um momento em que “a cristandade se desagregara, a Bíblia era interpretada, agora, de maneira diversa, por grupos diferentes de cristãos, protestantes ou católicos. “Era preciso novo fundamento para os novos valores”. (LARA, 1986, p.35).

Quando o mundo antigo declinava, as velhas religiões foram vencidas pela religião cristã; Quando, no século XVIII, as idéias cristãs cederam lugar às idéias racionalistas, a sociedade feudal travava sua batalha decisiva contra a burguesia então revolucionária. As idéias de liberdade religiosa e de liberdade de consciência não fizeram mais que proclamar o império da livre concorrência no domínio do conhecimento. (CIÊNCIA..., 1980, p. 50).

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A razão surge, portanto, como resposta a essa ânsia da sociedade que busca por fundamentos, valores e crenças que possam ser explicáveis, de forma sensata e coerente, fazendo com que até mesmo os céticos acreditem.

A Idade Média, sem dúvida, foi marcada pelo domínio tirano e hegemônico da igreja, e é sob tal pressão que os pensadores da razão constroem suas obras e ideias, apoiando a burguesia que tentava tirar de si o julgo da igreja, a qual, por sua vez, considerava a burguesia herege. Dentre os pensadores da época, destaca-se René Descartes, um católico que pretendia provar racionalmente a existência de Deus, sublinhando que Deus é a verdade. Para ele, em primeiro lugar, a maneira de chegar à verdade é duvidar de tudo em que se acredita. “[...] Nem a fé, nem a tradição, nem mesmo o conhecimento sensível que os sentimentos nos fornecem, são dignos de credito absoluto”. (LARA, 1986, p.37).

Com sua famosa frase Penso, logo existo, Descartes afirma que quando nos despimos de toda forma de pré-conceitos e duvidamos de tudo, a única verdade que nos resta é a certeza que existimos, pois pensamos. Sendo assim, para ele a consciência determina o ser, a alma é o princípio de pensamento e o corpo, matéria, é uma mera extensão na alma. A essência é o pensamento, pois posso pensar com a consciência e não com o corpo. (DESCARTES, 1999; LARA, 1986; RODIS-LEWIS, 1979).

Descartes é conhecido como precursor da teoria racionalista, que é usada como premissa por diversos pensadores que o seguem, como Kant, cujo idealismo é mais radical, pois afirma que o idealismo “não é apenas questão de método. É questão da própria estrutura do conhecimento humano. [...] É a primazia da forma do conhecimento (produto espontâneo da razão) ante a matéria do conhecimento (que é oferecida pela sensação)”. Contudo, o auge do idealismo se encontra em Hegel, “representante máximo do idealismo alemão, (onde) o idealismo atinge a plenitude. A idéia é a totalidade. Tudo que existe é realização da idéia. O real é o ideal. O idealismo de Hegel é, portanto, absoluto”. (LARA, 1986, p.63-64, grifo do autor).

Ao contrário de Descartes, Hegel não crê em um Deus transcendente, e seu discurso cético, de tendência ateísta servirá como base para os escritos de Marx. Hegel viveu em uma fase da história onde as fundações para Revolução Francesa já estavam postas. A burguesia crescia e uma nova ordem estava por vir. Tudo que se sonhava, isto é, a dependência da autoridade clerical e da nobreza se esfacelava ante homens “iluminados pela luz da razão”, e, finalmente, a promessa de que os homens pudessem ser, de fato, iguais, mostrava-se próxima. (LARA, 1986, 66).

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Outro axioma de Hegel, herdado por Marx, foi a dialética, que expressa a ideia de dois polos opostos e a busca pelo equilíbrio entres estes polos. Para Marx, a dialética se traduzirá na luta entre classes antagônicas. Todavia, a grande crítica dirigida por Marx à dialética de Hegel é que “[...] na ânsia de sistematizar seu pensamento, Hegel, ainda que apresentando a dialética como lei do ser, insere a dialética numa totalidade acabada, numa idéia absoluta. Dava margem, assim, para interpretar seu idealismo como justificador da ordem burguesa estabelecida”. Desta forma, “pode-se considerar Hegel como o ápice do racionalismo idealista e, ao mesmo tempo, como o iniciador do novo tipo de pensar. A novidade está, sobretudo, na dialética”. (LARA, 1986, p.68).

A partir de Hegel, se fortalece ainda mais o idealismo, ou liberalismo, ideologia alicerce do capitalismo que alça a burguesia ao poder e afirma a continuidade e conservação do seu domínio. Em contrapartida, Hegel é alvo das críticas de Marx, as quais culminam na elaboração de uma nova ideologia de cunho materialista, a saber, o marxismo.

2.3.2 Capitalismo

Não podemos discorrer acerca do socialismo, sem antes atentarmos à sua ideologia antagônica, o capitalismo. Isso se dá, uma vez que o próprio socialismo surge como uma critica e, ao mesmo tempo, uma alternativa ao sistema capitalista.

À época da Revolução Industrial, a qual se concentrava na Inglaterra, o uso de novas fontes de energia, bem como a invenção da máquina a vapor, geraram um impulso e um incremento no modo de produção e, conseqüentemente, na forma de organização da sociedade. A produtividade se multiplicava e, os pequenos artesãos e o processo de produção manual foram substituídos pela divisão do trabalho nas grandes fábricas que se encontravam nos centros urbanos. Nesse período, as oportunidades e promessas de uma vida melhor eram oferecidas nas grandes cidades, o que resultou no grande êxodo rural, isto é, na migração de grande número dos camponeses para as grandes cidades que se formavam, pólos de industrialização, deixando a agricultura em segundo plano e voltando as atenções a manufatura, resultando no desenvolvimento urbano. Por conseguinte, há um excesso de mão de obra nas cidades, fato que desvaloriza a força de trabalho enquanto aumenta o lucro da aristocracia. Tal cenário gera uma discrepância econômica e social cada vez maior, perpetuando a diferença entre as classes trazidas desde os primórdios. (CAVALCANTE; SILVA, 2005).

Enquanto isso, na França, estava em andamento a Revolução Francesa, que teve inicio em 1789. A Revolução combatia os regimes absolutistas que oprimiam o povo e tinha

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por lema a tríade “liberdade, igualdade e fraternidade”. À época da Revolução, fortes geadas haviam prejudicado a agricultura, causando escassez de alimentos na França. Conseqüentemente, os camponeses migraram para cidade em busca de qualquer tipo de trabalho que lhes era oferecido. Tal fato, fez crescer a parcela da população insatisfeita que vivia na miséria. Vale ressaltar que não era apenas a classe mais baixa da sociedade que estava insatisfeita com os governos autoritários que vinham governando a França por gerações. A própria aristocracia, revoltada com o aumento dos impostos exigidos pelo governante Luís XVI, foi quem articulou a Revolução e recrutou a burguesia, trabalhadores e camponeses. Conforme se desdobrava a revolução, a burguesia toma a frente da revolta, invade o Palácio de Versalhes, onde forma uma Assembléia Constituinte, e ocupa também a Bastilha, depósito de armas do exército francês. A partir daí há a abolição dos direitos feudais e do privilégio hereditário, e são confiscadas as terras da Igreja. Cria-se então a nova constituição, que traz resumido em seu texto introdutório o lema da revolução acima citado, bem como a Constituição Civil do Clero, o qual separa a Igreja do Estado, tornando a França uma monarquia constitucional laica. O problema foi colocar o que fora proposto em prática. Os resultados não foram os esperados. Não houve compromisso por parte do rei e da nobreza, os camponeses estavam sem rumo devido ao fim dos direitos feudais, e a burguesia via seu ideal desmoronar. A esse período segue-se uma revolta ainda maior. O rei é deposto, a República é proclamada, promulga-se uma nova constituição, e os desempregados são incluídos na população votante. Os revolucionários, nessa fase, se dividem entre radicais e moderados. A parte mais radical dos revolucionários executa o rei, bem como outros personagens e, até mesmo, revolucionários moderados. Instaura-se, então, uma contrarrevolução, liderada pela Inglaterra, mas que envolvia outros países estrangeiros. Em 1794, o jogo vira, e os moderados assumem o comando, contudo, a represália externa continua, e a burguesia e os miseráveis continuavam insatisfeitos. Em 1799, acontece o chamado 18 Brumário, e o general Napoleão Bonaparte assume o poder, voltando a assumir o catolicismo como religião oficial da França, fazendo acordos de paz com Inglaterra e Áustria, o que propiciou uma recuperação na economia francesa, e outorgando o Código Civil, diminuindo assim os conflitos. Sua aceitação como líder foi tão grande que o próprio se auto-declarou Imperador da França, o que foi aprovado por plebiscito. Por conseguinte, Napoleão avança com o exercito francês, buscando estender seus domínios e ideais pelo mundo. (QUERIQUELLI; DEMO, 2010).

Até certo ponto, tal revolução teve sucesso, pois mesmo depois de sua derrota em 1815, as monarquias absolutistas não voltaram a existir. Por ocasião do Congresso de Viena,

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cujo objetivo era redesenhar o mapa europeu e restaurar os poderes derrubados pela Revolução Francesa, os regimes absolutistas são substituídos por monarquias constitucionais ou parlamentares, ou seja, um governo mais liberal e com poder limitado pela constituição ou pelo parlamento, dando origem aos Estados da forma que conhecemos atualmente, isto é, um determinado território composto por um governo soberano, que tem como sua base leis e tem sua autoridade reconhecida pelo povo. (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). Desta maneira, os princípios liberais da burguesia, de liberdade política e econômica, os quais serão descritos mais detalhadamente a seguir, se fortalecem por toda Europa, ascendendo a classe burguesa a um alto patamar

Somando as duas Revoluções mencionadas acima, temos como resultado a consolidação do capitalismo, não só como sistema econômico dominante, mas, igualmente, como uma ideologia que tem seus fundamentos na teoria liberal ou liberalismo, o que se tornará mais evidente após a II Guerra Mundial.

2.3.2.1 Características

O liberalismo, o qual precede a Revolução Francesa, é puramente ocidental, e tem como princípios fundamentais “Liberdade, Tolerância, Defesa da Propriedade Privada,

Limitação do poder e Individualismo”. (LIMA; WIHBY; FAVARO, 2013, grifo do autor). A

liberdade se dá pela capacidade nata de raciocinar que cada indivíduo possui o que lhe confere os chamados direitos naturais, tais como vida, a própria liberdade e propriedade. Neste ponto, deve-se mencionar o contrato social, criado e defendido por Hobbes, e reformulado por Locke (1978). Para Locke, com o intuito de preservar os direitos naturais humanos e julgar os atos que os homens cometem por ter liberdade, é necessário que haja uma autoridade civil. Assim, o homem abre mão de parte de sua liberdade para que a ordem coletiva seja mantida. É aí que entra a limitação de poder. O contrato social deve ser um acordo de plena autonomia das vontades, limitando o poder do órgão que exerce autoridade, o Estado na forma dos três poderes – executivo, legislativo e judiciário – de uma forma que esse seja apenas garantidor dos direitos individuais. A tolerância, por sua vez, expressa a necessidade de liberdade religiosa e tentativa de evitar conflitos desta natureza.

A questão da propriedade, para Locke (1978), como já mencionado, constitui-se um direito natural, inerente a todo homem, pois foi concedido por Deus e é fonte do sustento de todos, sendo assim fator imprescindível para sobrevivência. Não obstante, o autor reconhece que esta não é a realidade, e que no decorrer da história, outros fatores adentraram o contexto, como dinheiro, a acumulação de riquezas e a economia de mercado, concentrando

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a propriedade nas mãos de poucos. Como resultado, tem-se um novo modo de organização social, o capitalismo liberal, ou capitalismo burguês, assim denominado por beneficiar a classe burguesa proprietária dos meios de produção.

Como principais características do capitalismo podemos ressaltar o direito à propriedade privada e à livre iniciativa, elucidados acima, a economia de mercado – livre de interferência estatal, e o princípio da democracia. Economicamente, seu objetivo central é a obtenção de lucro. Social e culturalmente, o sistema do capital observa a preservação das liberdades individuais e a proteção da sociedade e, no âmbito político, a democracia é peça central. Por fim, temos o Estado como mantenedor da ordem pública, da segurança e da política externa, sem ter este significante participação na economia.

Sobre a economia de mercado, a teoria de Adam Smith nutre as raízes capitalistas. Segundo Smith, em sua teoria das vantagens competitivas, o bem estar geral não é o objetivo do ser humano egoísta, que visa à acumulação de riquezas e o lucro, contudo, é o resultado dessa busca egoísta para realizar desejos individuais. A competição insere no homem a vontade de melhorar suas condições de vida, o que impulsiona o enriquecimento e o desenvolvimento, resultando na autorregulação do mercado, chamada por Smith de mão

invisível do mercado. Acerca deste tema, Montesquieu (1979) afirma que a conseqüência

natural que advêm das práticas comerciais é a paz, referindo-se a relação amistosa de interdependência entre aqueles que efetuam trocas.

Pois bem, até então, tudo parece muito bem, afinal, os elementos constitutivos do capitalismo revelam-se nobres e de amplo alcance. Qual é então a crítica feita ao capitalismo? E por que se buscou um sistema alternativo a ele?

2.3.3 Críticas socialistas ao modelo capitalista

Para Marx, o capitalismo é apenas uma tentativa de “maquiagem” da realidade, uma forma de consagrar a ordem presente das coisas e manter a classe dominante no poder. Marx fala dessa relação entre as classes em vários períodos da história, como no escravismo e no feudalismo, no entanto, para a pesquisa que se apresenta, neste momento, é especialmente relevante o caso mais contemporâneo, o capitalismo.

Para os socialistas, cada característica, aparentemente benéfica do sistema capitalista, é passível de crítica e refutação. Eles afirmam que “a ordem econômica capitalista cria necessariamente a contradição entre suas promessas de liberdade, igualdade e fraternidade e a realidade da vida dos trabalhadores”. (MEYER, 1983, p.20).A começar pelo pilar da propriedade privada, a qual leva a reprodução da desigualdade crescente, pois,

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juntamente com as crises periódicas do capitalismo, o aumento dos lucros, e a resultante diferença financeira entre a classe dominante e a dominada, geram a concentração das riquezas (meios de produção), nas mãos de cada vez menos proprietários, diminuindo o quadro de subjugadores e aumentando o de subjugados. Essa classe trabalhadora reprimida, cuja única fonte de sobrevivência é sua força de trabalho, acaba por ser quem produz a riqueza, entretanto não a geri, nem dela desfruta. Em decorrência disto, as riquezas originadas da maioria são concentradas nas mãos de poucos, a saber, os poderosos proprietários dos meios de produção. (MEYER, 1983).

A economia de mercado desprovida de ingerência por parte do Estado, na opinião dos socialistas, é outro fator que contribui para o caos econômico e social das sociedades, isto é, as crises geradas pela falta de coordenação e planificação da economia, implicando em desempregos em massa, e procedente miséria. Contudo, alguns autores vão mais longe, afirmando que uma economia sem intromissão estatal não existe, nunca existiu e certamente não beneficiaria os capitalistas do sistema. Neste sentido, Wallerstein (2008 apud SCHOUTEN, 2008, tradução nossa) escreve:

Quanto ao Mercado, tem-se que distinguir entre o mercado hipotético e o mercado real. O mercado hipotético opera de acordo com leis puramente objetivas de oferta e demanda que pressionam os preços, e, portanto, o comportamento de indivíduos racionais e egoístas.Mas, na verdade, este mercado hipotético nunca existiu e, com certeza, não existe no sistema-mundo capitalista. [...] A única forma que capitalistas ganham dinheiro de verdade é se eles possuem quase-monopólios. Para obterem quase-monopólios,eles precisam de intervenção do estado de múltiplas formas, e capitalistas tem total consciência disso. Falar sobre esse mercado hipotético é, subseqüentemente,retórica ideológica. O mercado, verdadeiramente, não funciona desta maneira, e qualquer capitalista em sã consciência e rico falará isso. Economistas do livre mercado não dirão isso, mas nenhum capitalista acredita na autonomia do mercado. (WALLERSTEIN, 2008 apud SCHOUTEN, 2008, tradução nossa) 11.

Ainda sobre o assunto, Chomsky (2013, tradução nossa) diz:

A crise social e econômica global é comumente atribuída a forças de mercado que são inexoráveis. [...] Grandes subsídios estatais e a intervenção do Estado sempre

11 As for the market, one has to distinguish between the hypothetical market and the real market. The hypothetical market operates according to purely objective laws of supply and demand that put pressure on prices and thus behavior of rational and egoistic individuals. But in fact, this hypothetical market has never existed and most certainly does not exist in the capitalist worldsystem. […]The only way capitalists make serious money is if they have quasi-monopolies. To obtain quasimonopolies, they need intervention by the state in multiple ways and capitalists are totally aware of this. Talk about this hypothetical market is, subsequently, ideological rhetoric. The market doesn’t actually work that way and any sane and wealthy capitalist will tell you that. Free market economists won’t tell you that, but no capitalist believes in the autonomy of the market.

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tem sido necessários, e ainda o são, para fazer o comércio parecer eficiente, passando por alto os cultos ecológicos impostos as gerações futuras [...].12

Quando o assunto é democracia e as liberdades, os socialistas apontam que embora o conceito seja agradável, o capitalismo liberal não provê de fato as ferramentas necessárias para que todos tenham acesso e possam se beneficiar. O voto, por exemplo, não era direito de todos, era privilégio apenas daqueles economicamente poderosos, os quais se valiam de forma absoluta de tal direito, ou tinham seus votos com mais peso que os demais. (MEYER, 1983).

Em uma censura sobre a democracia e a liberdade no capitalismo, lê-se:

Só quando os homens puderem determinar o seu destino na política, na sociedade e no mundo do trabalho é que a liberdade se tornará real para eles. Liberdade significa sobretudo ser livre da miséria da necessidade. Sem segurança social e sem rendimentos suficientes, a liberdade continua sendo uma promessa vazia. (MEYER, 1983, p.17, grifo do autor).

Sobre o papel do Estado no capitalismo, a análise socialista diz que pelo fato de não intrometer-se nas questões econômicas, o Estado acaba por favorecer aqueles que detêm o poder econômico. Ou seja, por omissão, por não se responsabilizar pelos mais fracos, nem defender seus direitos, o Estado torna-se uma arma manipulada pelos mais fortes para que perdure seu domínio.

O fruto das críticas ao capitalismo foi a formação de uma nova ideologia, que abrange as mais diversas faces que uma ideologia pode possuir, sendo estas as faces econômica, política, jurídica, social e cultural, as quais estão todas entrelaçadas.

É neste contexto de insatisfação que se forma a teoria marxista do comunismo, a qual irá se materializar, se bem que não de modo idêntico ao idealizado por Marx, no chamado socialismo real ou socialismo soviético, cujas principais características compete descrever a seguir.

2.3.4 Socialismo

O socialismo soviético é também chamado de socialismo real, ou realmente existente, “um termo ambíguo que implicava, ou sugeria, que podia haver outros e melhores tipos de socialismo, mas na prática esse era o único que funcionava de fato”. (HOBSBAWM, 2003, p.364).

12La crisis social y económica global es comúnmente atribuida a fuerzas de mercado que son inexorables. [...] Grandes subsidios estatales y la intervención del Estado siempre han sido necesarios, y todavía lo son, para hacer aparentar como eficiente al comercio, pasando por alto los costos ecológicos impuestos a las generaciones futuras [...].

Referências

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